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Vivemos numa bolha de dívida empresarial?
Autor: Susan Lund

29-06-2018

A crescente dívida das empresas será uma bolha à espera de rebentar? Passados dez anos da crise financeira global, a dívida detida por empresas não-financeiras cresceu em 29 biliões de dólares – quase tanto como a dívida pública global – segundo um novo estudo do McKinsey Global Institute. É quase certo que o mercado deverá corrigir. Porém, o crescimento da dívida empresarial não é tão ameaçador como parece à primeira vista – e, de certo modo, é sintoma de resultados económicos positivos.

Durante a última década, o mercado obrigacionista cresceu, enquanto os bancos reestruturavam e consertavam os seus balanços patrimoniais. Desde 2007, o valor das obrigações societárias pendentes de empresas não-financeiras quase triplicou, para 11,7 biliões de dólares, e a sua participação no PIB global duplicou. Tradicionalmente, o mercado obrigacionista empresarial centrava-se nos Estados Unidos, mas actualmente conta com empresas de todo o mundo.

A mudança generalizada para o financiamento por obrigações é um desenvolvimento bem-vindo. Os mercados de capitais constituem uma importante classe de activos para os investidores internacionais, e concedem às grandes empresas uma alternativa aos empréstimos bancários. Porém, é também evidente que muitos mutuários de risco mais elevado entraram no mercado obrigacionista nos anos do crédito ultra-barato. Durante os próximos cinco anos, vencerão em cada ano obrigações de empresas não-financeiras no valor recorde de 1,5 biliões de dólares; como algumas empresas terão dificuldades para reembolsá-las, é provável que os incumprimentos subam.

A qualidade média dos mutuários desceu. Nos EUA, 22% da dívida de empresas não-financeiras é titulada por obrigações de “lixo”, de emitentes de nível especulativo, e outros 40% são considerados BBB, apenas um nível acima do lixo. Por outras palavras, perto de dois terços das obrigações são de empresas em maior riso de incumprimento, onde se incluem muitos retalhistas dos EUA. Estes negócios prevêem o vencimento de um grande montante de dívida de nível especulativo durante os próximos cinco anos, e para muitos deles as contas não vão bater certo, devido à diminuição de vendas provocada pelo aumento de vendas on-line.

Uma fonte adicional de vulnerabilidade é a crescente dívida empresarial dos países em desenvolvimento, que foram responsáveis por dois terços do crescimento global da dívida empresarial desde 2007. No passado, eram as empresas das economias avançadas quem mais se endividava. Mas muito mudou com a ascensão da China, que tem hoje um dos maiores mercados obrigacionistas do mundo. Entre 2007 e o fim de 2017, o valor das obrigações de empresas chinesas não-financeiras aumentou de apenas 69 mil milhões de dólares para 2 biliões de dólares.

Uma origem final de risco são as finanças frágeis de algumas empresas emissoras de obrigações. De facto, o MGI conclui que, nas economias avançadas, menos de 10% das obrigações teriam maior risco de incumprimento se as taxas de juro subissem 200 pontos-base. Do mesmo modo, na Europa, a proporção de obrigações emitidas por empresas em risco é actualmente inferior a 5% na maior parte dos países, o que indica que apenas as empresas maiores e mais estáveis emitiram obrigações até agora.

O problema é que existem bolsas de vulnerabilidade. Mesmo com taxas de juro historicamente reduzidas (antes da Reserva Federal dos EUA ter elevado a sua taxa de referência para 1,75-2% a 14 de Junho), 18% das obrigações (valendo perto de 104 mil milhões de dólares) pendentes no sector energético dos EUA apresentavam um elevado risco de incumprimento.

Ainda assim, os maiores riscos parecem estar nos mercados emergentes como a China, a Índia, e o Brasil. Presentemente, 25-30% das obrigações nestes mercados foram emitidas por empresas com maior risco de incumprimento (definido como tendo um rácio de cobertura de juros inferior a 1,5). E essa proporção pode aumentar para 40% se as taxas de juro aumentarem 200 pontos-base.

Nestes mercados emergentes, alguns sectores são mais vulneráveis que outros. Na China, um terço das obrigações emitidas por empresas industriais, e 28% das obrigações emitidas por empresas de imobiliário estão em maior risco de incumprimento. Os incumprimentos societários já começaram a crescer na China; e no Brasil, um quarto de todas as obrigações empresariais em maior risco de incumprimento estão no sector industrial.

Com a taxa global de incumprimento das empresas já acima do seu valor médio nos últimos 30 anos, e com um crescimento previsível à medida que vencerem mais obrigações, estaremos perante a próxima crise financeira global? A resposta breve é não. Embora os investidores individuais possam sofrer perdas, os incumprimentos no mercado de obrigações societárias não deverão provocar efeitos-cascata significativos no sistema, como fizeram as hipotecas de alto risco securitizadas que provocaram a última crise financeira.

Para além dos solavancos esperados no curto prazo, a mudança das empresas para o financiamento obrigacionista é um desenvolvimento positivo. Existe muito espaço para mais crescimento sustentável. Mas, à medida que o mercado se expande, os bancos deverão repensar as suas estratégias e concentrar-se noutros segmentos de clientes, como as pequenas e médias empresas e as famílias. Os investidores e aforradores, por sua vez, terão novas oportunidades para diversificação das suas carteiras.

Mas se a crise financeira de há dez anos nos ensinou algo, foi que os riscos surgem frequentemente onde menos se espera. É por isso que os reguladores e legisladores devem continuar a monitorizar os riscos existentes e potenciais, como os que decorrem das operações de permuta (swaps) do risco de crédito sobre mutuários empresariais, ou das securitizações obrigacionistas complexas. Também deverão saudar a implementação de plataformas electrónicas para a venda e negociação das obrigações de empresas, para criar mais transparência e eficiência no mercado. Desse modo, a dívida de hoje terá menos probabilidades de se tornar a dívida problemática de amanhã.

Susan Lund

Susan Lund é sócia da McKinsey & Company e líder do McKinsey Global Institute.

 

 

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