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A Confusão Comercial de Trump
Autor: Joseph E. Stiglitz

13-04-2018

NOVA IORQUE – A escaramuça comercial entre os Estados Unidos e a China, sobre o aço, o alumínio e outras mercadorias, é produto do desdém que o presidente dos EUA, Donald Trump, devota aos acordos de comércio multilateral e à Organização Comercial do Comércio, uma instituição criada para dirimir litígios comerciais.

Antes de anunciar tarifas à importação sobre mais de 1300 tipos de mercadorias fabricadas na China, e avaliadas em cerca de 60 mil milhões de dólares por ano, no início de Março Trump revelou tarifas radicais de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio, que justificou baseando-se na segurança nacional. Trump insiste que uma tarifa sobre uma pequena fracção do aço importado (cujo preço é definido globalmente) chegará para resolver uma ameaça estratégica genuína.

A maioria dos especialistas, contudo, considera dúbia essa justificação. O próprio Trump já anulou a sua pretensão de segurança nacional, isentando a maioria dos principais exportadores de aço para os EUA. O Canadá, por exemplo, estará isento na condição de se conseguir uma renegociação bem-sucedida do Acordo de Comércio Livre Norte-Americano, na prática ameaçando o país até que ceda às exigências dos EUA.

Mas há uma série de questões em disputa, que envolvem, por exemplo, a madeira, o leite e os automóveis. Estará Trump verdadeiramente a sugerir que os EUA sacrificariam a segurança nacional por um melhor acordo nessas pequenas fricções comerciais entre os EUA e o Canadá? Ou talvez a pretensão da segurança nacional seja fundamentalmente falaciosa, como o secretário da defesa de Trump sugeriu, e Trump, mesmo sendo tão atrapalhado como é na maior parte das questões, compreenda isso.

Como frequentemente acontece, Trump parece estar obcecado com um problema passado. Lembremos que quando Trump começou a falar sobre o seu muro fronteiriço, a imigração do México já tinha decrescido quase até zero. E quando começou a queixar-se da China por esta baixar a taxa de câmbio da sua moeda, o governo chinês já estava de facto a valorizar o renminbi.

Do mesmo modo, Trump está a aplicar as suas tarifas sobre o aço depois do preço do aço já ter aumentado cerca de 130% desde o seu valor mínimo, parcialmente devido aos próprios esforços da China para redução da sua capacidade excedentária. Mas Trump não está apenas a abordar uma não-questão. Está também a inflamar paixões e a desgastar as relações dos EUA com aliados fundamentais. O pior de tudo é que as suas acções são motivadas por política pura. Ele está ansioso por parecer forte e conflituoso aos olhos da sua base eleitoral.

Mesmo se Trump não tivesse economistas que o aconselhassem, deveria compreender que o importante é o défice comercial multilateral, e não os défices comerciais bilaterais com qualquer país. A redução das importações provenientes da China não criará empregos nos EUA. Em vez disso, aumentará os preços para os americanos normais, e criará empregos no Bangladesh, no Vietname, ou em qualquer outro país que avance para substituir as importações anteriormente vindas da China. Nos poucos casos em que a indústria voltar para os EUA, não criará provavelmente empregos no velho Cinturão da Ferrugem (NdT: Rust Belt, no original: região tradicionalmente industrial no nordeste dos EUA). Em vez disso, as mercadorias deverão ser produzidas por robôs, provavelmente localizados em centros de alta tecnologia como em qualquer outro sítio.

Trump pretende que a China reduza o seu excedente comercial bilateral com os EUA em 100 mil milhões de dólares, o que esta poderia fazer se comprasse aos EUA petróleo e gás no valor de 100 mil milhões de dólares. Mas se a China reduzisse as suas compras noutros locais ou vendesse simplesmente o petróleo ou gás dos EUA noutras praças, o impacto sobre a economia global ou dos EUA seria pequeno, caso existisse. A ênfase de Trump no défice comercial bilateral é, francamente, idiota.

Como seria previsível, a China respondeu às tarifas de Trump, ameaçando reagir à sua imposição com tarifas próprias. Estas tarifas afectariam as mercadorias produzidas nos EUA por um grande conjunto de sectores, mas de uma forma exagerada em áreas onde o apoio a Trump tem sido forte.

A resposta da China tem sido firme e contida, no sentido de evitar simultaneamente a intensificação e a pacificação, o que, quando se lida com um brutamontes descontrolado, só encoraja agressão adicional. Esperemos que os tribunais dos EUA ou os congressistas Republicanos refreiem Trump. Mas, por outro lado, o Partido Republicano, solidarizando-se com Trump, parece ter subitamente esquecido o seu compromisso de longa data com o comércio livre, tal como aconteceu há poucos meses, quando esqueceu o seu compromisso de longa data com a prudência fiscal.

Numa perspectiva mais ampla, o apoio que a China recolhe, tanto nos EUA como na União Europeia, tem vindo a decrescer por um conjunto de motivos. Para além dos eleitores dos EUA e da Europa que sofrem com a desindustrialização, a verdade é que a China não é a mina de ouro que antes se pensava que fosse para as empresas americanas.

À medida que as empresas chinesas se tornaram mais competitivas, os salários e as normas ambientais na China foram crescendo. Entretanto, a China tem sido lenta na abertura dos seus mercados financeiros, para desagrado dos investidores de Wall Street. Ironicamente, enquanto Trump proclama estar a olhar pelos trabalhadores da indústria dos EUA, é provável que o verdadeiro vencedor com as negociações “bem-sucedidas” (que fariam a China abrir os seus mercados às seguradoras e a outras actividades financeiras) seja Wall Street.

O actual conflito comercial revela a extensão em que a América perdeu a sua posição dominante global. Quando, há um quarto de século, uma China pobre e em desenvolvimento começou a desenvolver o seu comércio com o Ocidente, poucos imaginavam que seria hoje o gigante industrial do mundo. A China já ultrapassou os EUA na produção industrial, nas poupanças, no comércio, e até no PIB, quando medido em termos de paridade do poder de compra.

Ainda mais assustadora para muitas pessoas nos países avançados é a possibilidade real de, para além de evoluir rapidamente nas suas competências tecnológicas, a China poder na verdade liderar uma das principais indústrias do futuro: a inteligência artificial. A IA baseia-se em grandes conjuntos de dados, e a disponibilidade dos dados é fundamentalmente uma questão política que toca em áreas como a privacidade, a transparência, a segurança e as regras que enquadram a concorrência económica.

A UE, por seu lado, parece extremamente preocupada com a protecção da privacidade dos dados, ao contrário da China. Infelizmente, isso poderá conferir à China uma grande vantagem no desenvolvimento da IA. E as vantagens da IA estender-se-ão muito para além do sector da tecnologia, podendo chegar a quase todos os sectores da economia. É claramente necessário chegar a um acordo global para definição de normas para o desenvolvimento e aplicação da IA e das tecnologias conexas. Os europeus não deveriam ter de comprometer as suas preocupações genuínas sobre a privacidade apenas para promoverem o comércio, que é simplesmente um meio (por vezes) de conseguir melhores níveis de vida.

Nos próximos anos, teremos de descobrir como criar um regime comercial global “justo” entre países com sistemas económicos, histórias, culturas e preferências sociais fundamentalmente diferentes. O perigo da era Trump é que enquanto o mundo assiste aos comentários do presidente dos EUA no Twitter e tenta não ser empurrado para um precipício ou outro, esses desafios reais e complexos continuam sem resposta.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico-social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

 

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