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O MARASMO DO DÓLAR
Autor: Barry Eichengreen

23-03-2018

BERKELEY – O primeiro ano de Donald Trump como presidente dos EUA foi, no mínimo, uma abundante fonte de surpresas. Uma das maiores, nos círculos que frequento, é a fraqueza do dólar. Entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2018, a taxa de câmbio efectiva do dólar caiu 8%, surpreendendo muitos dos especialistas. Incluo-me nos surpreendidos (e outros poderão decidir se me qualificarei como especialista).

Eu esperava que as reduções fiscais e a normalização da taxa de juro nos transportassem para políticas fiscais mais folgadas e políticas monetárias mais restritivas, a combinação que fez subir o dólar nos anos Reagan-Volcker. As alterações fiscais, que encorajariam as empresas dos EUA a repatriar os seus lucros, libertariam uma onda de entradas de capital, fazendo o dólar subir ainda mais. As novas tarifas, que tornariam as importações mais caras e que deslocariam a procura para os bens nacionais, implicariam efeitos de compensação numa economia quase perto do pleno emprego para que a procura fosse novamente deslocada para fontes estrangeiras. A mais plausível destas compensações seria, claramente, a valorização da taxa de câmbio real, que só poderia acontecer através da inflação ou, mais plausivelmente, de um dólar mais forte.

Os mercados, na sua sabedoria, rejeitaram esta lógica durante mais de um ano. Compete então àqueles de nós que fizeram tais previsões “ajustar as nossas opiniões com o mercado”, como o meu colega de Berkeley Brad DeLong gosta de dizer.

Os comentadores de economia são melhores na racionalização dos movimentos passados da taxa de câmbio do que na previsão de tendências futuras. Por isso, no que diz respeito a explicações sobre o declínio do dólar durante o ano que passou, somos confrontados com uma abundância constrangedora.

A explicação mais popular para a fraqueza do dólar é que Trump, devido a incompetência ou desorientação, não conseguiu cumprir o que prometeu. Não houve um aumento generalizado das tarifas à importação. Não houve revogação do Acordo de Comércio Livre Norte-Americano. Não houve pacote de infra-estruturas no valor de 1 bilião de dólares.

Mas houve, na verdade, reduções fiscais importantes. Houve, na verdade, aumentos da taxa de juro por parte da Reserva Federal. E houve, na verdade, alterações fiscais que criaram incentivos à repatriação de lucros. Mantendo-se constantes todos os restantes factores, estes desenvolvimentos deveriam ter feito subir o dólar. Por isso, o seu enfraquecimento tem de dever-se a mais alguma coisa de que apenas o incumprimento de Trump.

Uma outra explicação popular é que os investidores esperavam que a taxa de câmbio real subisse devido à inflação, em vez de devido à valorização cambial. O dólar desceu, nesta perspectiva, porque a Fed se deixou atrasar e arriscou perder o controlo do processo inflacionista.

É concebível que esta interpretação possa vir a estar correcta. Mas isso ainda não é verdade. Não houve nenhum aumento na inflação entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2018. Actualmente, o receio dos mercados não é que a Fed se atrase na curva da inflação, mas que aumente as taxas de juro ainda mais rapidamente do que o esperado, para evitar o sobreaquecimento. E se as taxas de juro elevadas são boas para alguma coisa, é para o dólar.

Para além destas, há pelo menos 17 narrativas adicionais para explicar o enfraquecimento do dólar. Algumas são lúcidas. Outras são divertidas. A maior parte, contudo, ignoram a explicação mais plausível, que é a incerteza relacionada com Trump.

Os investidores não têm qualquer maneira de prever o impacto das políticas, porque as políticas que se pensava irem numa direcção guinam subitamente para a direcção oposta. Um enorme projecto de infra-estruturas acaba por revelar-se pequeno. A saída da Parceria Trans-Pacífico transforma-se numa possível decisão de voltar a entrar da PTT. Steve Munchin, o secretário do Tesouro, parece abandonar a política dos Estados Unidos para um dólar forte, para depois voltar a adoptá-la. A incerteza está na ordem do dia, todos os dias.

E não existe nada de que os investidores gostem menos que da incerteza. Isto é especialmente verdadeiro para quem investe numa moeda cujo maior factor de atractividade é o seu estatuto de porto seguro. Os investidores afluem tradicionalmente ao dólar não apenas porque este é estável, mas também porque tende a fortalecer-se durante uma crise, já que o seu emissor tem defesas inexpugnáveis e possui os mercados financeiros mais vastos e líquidos do mundo.

Mas actualmente esse emissor também tem um presidente que lança dúvidas sobre as alianças defensivas do seu país e que está, conscientemente ou não, a encorajar o seu homólogo russo a construir novo armamento ofensivo, ou pelo menos a gabar-se de fazê-lo. Tem um presidente que encorajou a ideia de um encerramento do governo, alimentando dúvidas sobre a liquidez do mercado de títulos do Tesouro dos EUA.

Mais caos na Casa Branca só irá deprimir ainda mais o dólar. Um factor que funciona no sentido contrário é o facto de que algumas das medidas de apoio ao dólar que os observadores esperavam ver adoptadas por Trump, tais como as tarifas sobre as importações de aço, estão agora a ser implementadas, goste-se delas ou não. Isso pode explicar que a 1 de Março, quando Trump anunciou as suas tarifas sobre o aço e o alumínio e o mercado bolsista declinou, o dólar tenha subido. A incerteza pode continuar a dominar, mas também pode acontecer que a subida do dólar a 1 de Março tenha sido um arauto do que virá a seguir para os mercados cambiais.

BARRY EICHENGREEN

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley; Pitt Professor de História e Instituições da Universidade de Cambridge American; e ex-conselheiro sénior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é Hall of Mirrors: A Grande Depressão, a grande recessão, e os usos - e abusos - de História.

 

 

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