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DÉJÀ VUDU
Autor: Joseph E. Stiglitz

13-10-2017

NOVA IORQUE – Depois de não terem conseguido “revogar e substituir” a Lei dos Cuidados de Saúde Acessíveis de 2010 (“Obamacare”), a administração do presidente dos EUA, Donald Trump, e a maioria Republicana no Congresso passaram agora à reforma fiscal. Oito meses depois de ser empossada, a administração ofereceu apenas um esboço daquilo que tem em mente. Mas o que sabemos é suficiente para termos uma sensação profunda de alarme.

A política fiscal deveria reflectir os valores de um país e fazer face aos seus problemas. E actualmente os Estados Unidos (bem como grande parte do mundo) confrontam-se com quatro problemas centrais: desigualdade crescente de rendimentos, insegurança crescente no emprego, mudanças climáticas, e crescimento anémico da produtividade. A América enfrenta, além disso, a necessidade de reconstrução das suas infra-estruturas degradadas, e a melhoria do seu deficiente sistema de ensino primário e secundário.

Mas o que Trump e os Republicanos estão a oferecer como resposta a estes desafios é um plano fiscal que transfere a esmagadora parte dos benefícios, não à classe média (cujos membros, em grande parte, poderão vir a pagar mais impostos), mas aos milionários e multimilionários da América. Se a desigualdade já era um problema, a implementação da reforma fiscal proposta pelos Republicanos torná-la-á muito pior.

As corporações e as empresas estarão entre os maiores beneficiados, um enviesamento justificado pelo argumento de que isso estimulará a economia. Mas os Republicanos, mais que todos, deveriam perceber que os incentivos importam: seria muito melhor reduzir os impostos para as empresas que investem e criam empregos na América, e aumentar os impostos para as que não o fazem.

Afinal, não é como se as grandes corporações da América estivessem famintas por dinheiro: actualmente têm em seu poder alguns biliões de dólares. E a falta de investimento não se deve aos lucros antes ou depois de impostos serem demasiado baixos: os lucros depois de impostos das empresas, em proporção do PIB, quase triplicaram nos últimos 30 anos.

Na verdade, como o investimento adicional é na sua maior parte financiado por dívida, e como os pagamentos de juros são dedutíveis nos impostos, o imposto sobre as empresas reduz o custo do capital e o retorno do investimento de forma proporcional. Portanto, nem a teoria, nem as evidências, sugerem que a benesse fiscal às empresas proposta pelos Republicanos vá aumentar o investimento ou o emprego.

Os Republicanos também sonham com um sistema fiscal territorial, segundo o qual as corporações americanas só são tributadas pelo rendimento que geram nos EUA. Mas isto só reduziria a receita, e encorajaria ainda mais as empresas americanas a transferirem a produção para jurisdições com tributações mais leves. Só se pode evitar uma corrida para o fundo em termos de impostos sobre as empresas com a imposição de uma taxa mínima a todas as corporações que desenvolvam a sua actividade nos EUA.

Os estados e municípios da América são responsáveis pelo ensino, e por partes importantes do sistema de saúde e de segurança social do país. E os impostos estaduais sobre o rendimento são a melhor forma de introduzir um mínimo de progressividade ao nível subnacional: os estados que não aplicam impostos sobre o rendimento dependem normalmente de impostos regressivos sobre as vendas, que constituem um pesado fardo para os pobres e os trabalhadores. Assim, não será talvez surpreendente que a administração Trump, recheada de plutocratas indiferentes à desigualdade, queira eliminar da fiscalidade federal a dedutibilidade dos impostos estaduais sobre o rendimento, encorajando os estados a orientar-se para os impostos sobre as vendas.

A abordagem à panóplia de outros problemas que os EUA enfrentam obrigará a um aumento das receitas federais, e não a uma diminuição. As melhorias nas condições de vida, por exemplo, resultam da inovação tecnológica, que depende por sua vez da investigação fundamental. Mas o apoio do governo federal à investigação, medido em percentagem do PIB, encontra-se hoje a um nível comparável ao de há 60 anos.

Apesar de Trump, enquanto candidato, ter criticado o crescimento da dívida pública dos EUA, vem agora propor reduções fiscais que adicionarão biliões à dívida nos próximos dez anos, e não os “apenas” 1,5 biliões de dólares que os Republicanos afirmam que serão acrescidos, graças a um qualquer milagre de crescimento que originará mais receitas fiscais. Porém, o principal ensinamento da economia “vudu” do lado da oferta (NdT: no original, “voodoo” supply-side economics) de Ronald Reagan não se alterou: reduções fiscais como estas não levam a um crescimento mais rápido, mas apenas a rendimentos mais baixos.

Isto é particularmente verdadeiro agora, quando a taxa de desemprego está pouco acima dos 4%. Qualquer aumento significativo da procura agregada seria contrabalançado por um aumento correspondente nas taxas de juro. Desse modo, a “composição económica” da economia afastar-se-ia do investimento; e o crescimento, já de si anémico, abrandaria.

Um modelo alternativo aumentaria os rendimentos e impulsionaria o crescimento. Incluiria uma verdadeira reforma na fiscalidade das empresas, eliminando as artimanhas que permitem a algumas das maiores empresas do mundo pagar impostos irrisórios, em certos casos muito abaixo de 5% dos seus lucros, dando-lhes uma vantagem injusta sobre as pequenas empresas locais. Definiria um imposto mínimo e eliminaria o tratamento especial dos ganhos de capital e dos dividendos, obrigando os muito ricos a pagar pelo menos a mesma percentagem de impostos sobre o seu rendimento que os demais cidadãos. E introduziria uma taxa sobre o carbono, para ajudar a acelerar a transição para uma economia verde.

A política fiscal também pode ser usada para moldar a economia. Para além de oferecer benefícios a quem investe, desenvolve investigação, e cria empregos, impostos mais altos sobre a especulação de terrenos e imobiliária redireccionariam o capital para o investimento na melhoria da produtividade – a chave para a melhoria das condições de vida no longo prazo.

Pode esperar-se que uma administração de plutocratas – onde a maioria enriqueceu mais com actividades geradoras de renda do que através de empreendedorismo produtivo – se recompense a si própria. Mas a reforma fiscal proposta pelos Republicanos é uma dádiva às corporações e aos ultra-ricos maior do que muitos previam. Evita as reformas necessárias, e deixará o país com uma montanha de dívida; as consequências (redução do investimento, paragem do crescimento da produtividade, e desigualdade gritante) demorarão décadas a serem revertidas.

Ao tomar posse, Trump prometeu “esvaziar o pântano” de Washington, DC. Em vez disso, o pântano cresceu e tornou-se mais profundo. Com a reforma fiscal proposta pelos Republicanos, ameaça engolir a economia dos EUA.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico-social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

 

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