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GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA 2.0
Autor: Hans-Helmut Kotz e Susan Lund

15-09-2017

WASHINGTON, DC – Na década em que a crise financeira teve início, em Agosto de 2007, os contornos das finanças a nível mundial sofreram uma alteração drástica. O valor total dos fluxos de capitais transfronteiriços diminuiu 65% nos últimos dez anos, o que reflecte, em particular, a forte redução das actividades

A questão para nós reside em saber de que modo números como estes podem informar-nos sobre o estado de saúde actual das finanças globais. Serão uma prova de que a "globalização financeira" - o movimento internacional de capitais - fez marcha atrás? Caso o tenha feito, seria algo assim tão negativo?

A actual contenção reflecte uma maior aversão ao risco e uma maior consciencialização, uma vez que a bolha começou a rebentar no final de 2007. Contudo, de acordo com um  estudo recente   do McKinsey Global Institute, o que está a surgir é uma versão mais resiliente da integração financeira global.

Antes da crise, os grupos bancários transfronteiras aumentaram, enquanto muitos dos maiores bancos do mundo se expandiram internacionalmente, concedendo mais empréstimos entre si e investindo noutros activos estrangeiros. Após a criação do euro, por exemplo, os bancos da zona euro aumentaram significativamente. Os activos externos detidos pelos bancos da zona euro (e pelas respectivas filiais) aumentaram de 6,6 biliões de dólares em 2000 para 23,4 biliões de dólares em 2007. O que é mais importante, a maior parte desse crescimento sucedeu dentro da própria zona euro, onde surgiu um mercado bancário europeu integrado, levando algumas pessoas a acreditar que uma moeda comum e regras partilhadas eram sinónimo de que o risco do país quase desaparecera.

O que se torna claro hoje é que muitas instituições se deixaram simplesmente envolver na mentalidade do rebanho, em vez de levar a cabo estratégias empresariais prudentes. Então, picados pela crise financeira nos EUA e, posteriormente, pela crise da zona euro, os principais bancos globais reduziram a sua presença no estrangeiro, vendendo algumas empresas, saindo de outras e permitindo a caducidade de empréstimos vencidos. Desde 2007, os bancos globais venderam, pelo menos, dois biliões de dólares de activos.

Os bancos suíços, do Reino Unido e dos EUA retrocederam todos, mas os bancos da zona euro estão no seu epicentro. Desde o início da crise, os bancos da zona euro reduziram os activos externos em 7,3 biliões de dólares, ou 45%. Quase metade deste montante é uma carteira retraída entre os mutuários da zona euro, particularmente os bancos. A percepção de que a concessão de empréstimos dentro do espaço monetário era um processo "quasidoméstico" caiu por terra.

Com o evoluir da crise financeira, o envolvimento do sector privado — através do "perdão parcial de dívidas" e da "recapitalização interna" — tornou-se uma opção ameaçadora. Do ponto de vista do risco, os mercados internos - onde os bancos tinham a vantagem do conhecimento da balança e dos mercados — tornaram-se comparativamente mais atractivos. Na Alemanha, por exemplo, o rácio de activos estrangeiros em relação aos activos totais nos três maiores bancos passou de 65% em 2007 para 33% em 2016. Não se tratava apenas de reduzir o balanço geral; os activos internos aumentaram 70% durante o mesmo período.

O que surgiu na zona euro, e não só, foi um sistema financeiro potencialmente mais estável, pelo menos no que diz respeito ao sector bancário. Os bancos foram obrigados a refazer o seu capital, e a existência de novas regras sobre liquidez reduziu a alavancagem e a vulnerabilidade. Os testes de esforço e a preparação para a resolução — os chamados "testamentos em vida" do sector — originaram uma enorme falta de incentivo para a complexidade. Tudo isto tornou as operações estrangeiras igualmente menos atractivas.

Uma mistura mais diversificada de fluxos de capitais transfronteiriços indica também uma maior estabilidade. Embora os fluxos anuais totais de empréstimos transfronteiriços tenham sofrido uma diminuição de dois terços, o investimento estrangeiro manteve-se melhor. O IDE é, de longe, o tipo de fluxo de capital mais estável, reflectindo as decisões estratégicas a longo prazo das empresas. O IDE e os investimentos de carteira representam agora 69% dos fluxos de capitais transfronteiriços, ante 36% em 2007.

Uma última medida de estabilidade é o facto de os desequilíbrios globais, incluindo os fundos próprios e a balança de capitais, estarem a diminuir. Em 2016, estes desequilíbrios diminuíram para 1,7% do PIB global, contra os 2,5% registados em 2007. Além disso, os défices e os excedentes restantes encontram-se repartidos por um número maior de países do que no período anterior à crise. Em 2005, os EUA absorveram 67% dos fluxos de capital líquidos globais. Até 2016, essa parcela tinha diminuído para metade. Entretanto, a China foi responsável por 16% do excedente de capital líquido a nível mundial em 2005; no ano passado, totalizou apenas 1%. Além disso, salvo raras excepções, como a Alemanha e os Países Baixos, os desequilíbrios também diminuíram na zona euro. Actualmente, os países em desenvolvimento voltaram a importar capital.

Nada disto deve constituir um convite à complacência. Um sistema financeiro global, mais bem tecido, acarreta inevitavelmente um risco acrescido de contágio. É sempre possível que os excessos se façam de novo sentir; de facto, os mercados accionistas e imobiliários de algumas economias avançadas estão a registar um aumento para novos níveis, embora as perspectivas de crescimento sejam medíocres. A volatilidade nos fluxos de capital brutos também continua a ser motivo de preocupação. Desde 2010, um terço dos países em desenvolvimento e dois terços das economias avançadas enfrentam grandes flutuações no total de entradas de capital. Os fluxos de empréstimos são particularmente instáveis; mais de 60% dos países registaram algum nível de flutuação anual, sendo a alteração média igual a 7,7% do PIB para as economias avançadas e 3% do PIB para os países em desenvolvimento.

Alguns observadores argumentam que é necessário fazer mais para conter os riscos no sistema; na medida em que o risco transitou simplesmente dos bancos para os bancos sombra, tais observadores são capazes de ter razão. Contudo, de um modo geral, há indícios de maior resiliência e maior estabilidade em toda a parte. As medidas tomadas ao longo dos últimos dez anos implicam, por conseguinte, uma menor fragilidade quando a próxima crise se fizer sentir, o que claramente irá acontecer.

HANS-HELMUT KOTZ

Hans-Helmut Kotz, director de programas do SAFE Policy Center na Universidade Goethe em Frankfurt, é professor visitante de economia e professor residente residente no Centro de Estudos Europeus da Universidade de Harvard.


SUSAN LUND

Susan Lund é parceira do McKinsey Global Institute.

 

 

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