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O INFELIZ ANIVERSÁRIO DA ÁSIA
Autor: Barry Eichengreen

21-07-2017

AIX-EN-PROVENCE – Este mês assinala o 20º aniversário da crise financeira Asiática – ou, mais precisamente, do evento que desencadeou a crise: a desvalorização do baht tailandês. Embora estes aniversários não sejam propriamente motivo para comemoração, proporcionam pelo menos uma oportunidade de olharmos para trás e de examinarmos o que mudou – e, não menos importante, o que não mudou.

As causas da crise foram contestadas na altura, e permanecem controversas até hoje. Os observadores ocidentais atribuíram a culpa à falta de transparência dos países asiáticos e a uma relação demasiado próxima entre empresas e governos – aquilo que descreveram como “capitalismo de compadrio” (NdT: no original, crony capitalism). Por seu lado, os comentadores asiáticos culparam os fundos de investimentos especulativos, por desestabilizarem os mercados financeiros regionais, e o Fundo Monetário Internacional, por receitar um tratamento que quase matou o paciente.

Ambos os pontos de vista têm alguma validade. O balanço oficial do Banco da Tailândia exagerou extravagantemente as suas reservas disponíveis de moeda estrangeira, o que dificilmente constitui um exemplo de transparência financeira. Os especuladores estrangeiros apostaram activamente contra o baht, e os vendedores a descoberto (NdT: no original, short sellers) incluíram não só fundos especulativos, mas também bancos de investimento, nomeadamente um banco que simultaneamente aconselhava o governo tailandês quanto ao modo de defender a sua moeda. E quando aconselhou os países asiáticos quanto ao modo de gerir a crise, o FMI incorreu no erro (não pela última vez, note-se) da excessiva austeridade fiscal.

A um nível mais fundamental, a crise reflectiu a disparidade entre o modelo histórico de crescimento na Ásia e as circunstâncias actuais do continente. O modelo anterior dava ênfase a taxas de câmbio estáveis, que eram vistas como necessárias para a expansão das exportações. Salientava o investimento, independentemente de quanto fosse necessário para um crescimento de dois dígitos. E encorajava a contracção dos empréstimos externos que fossem necessários ao financiamento do nível exigido de formação de capital.

Mas em 1997 as economias do sudeste asiático tinham alcançado um estágio de desenvolvimento em que o investimento desenfreado, por si só, já não era suficiente para sustentar taxas de crescimento elevadas. Ao tornar-se dependente do crédito estrangeiro, o seu modelo de crescimento negligenciou os riscos.

Entretanto, o problema foi agravado por forças externas. A admissão da Coreia do Sul à OCDE obrigou o seu governo a desmantelar controlos de capitais, expondo a economia a entradas de dinheiro “quente” de curto prazo. De forma geral, os países sentiram a pressão do FMI e do Tesouro dos EUA para removerem restrições aos fluxos de capital, o que ampliou os riscos e agravou ainda mais os problemas com a manutenção de taxas de câmbio indexadas.

Este esboço da crise sublinha aquilo que mudou nos 20 anos seguintes.

Para começar, os países da crise ajustaram as suas taxas de investimento e expectativas de crescimento para níveis sustentáveis. Os governos asiáticos ainda dão ênfase ao crescimento, mas não a qualquer custo.

Em segundo lugar, os países do sudeste asiático apresentam hoje taxas de câmbio mais flexíveis. Na verdade, nenhuma delas é perfeitamente flexível, mas pelo menos os governos da região abandonaram as rígidas indexações ao dólar que estiveram na origem da vulnerabilidade ocorrida em 1997.

Em terceiro lugar, os países que tal como a Tailândia apresentavam grandes défices externos, o que intensificava a sua dependência do financiamento externo, hoje apresentam superávites. Estes superávites permitiram-lhes acumular reservas de moeda estrangeira, que funcionam como uma forma de seguro.

Em quarto lugar, os países asiáticos estão hoje a colaborar para proteger a região. Em 2000, no auge da crise, criaram a Iniciativa Chiang Mai, uma rede regional de trocas e créditos financeiros. E agora também têm o Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas, para regionalizar o fornecimento de financiamento para o desenvolvimento.

Estas iniciativas podem ser entendidas como uma reacção à infeliz experiência da Ásia com o FMI. Fundamentalmente, reflectem a emergência da China. Em 1997, uma China ainda insegura do seu papel regional não apoiou claramente o plano Japonês de criação de um Fundo Monetário Asiático. A sua falta de apoio acabou por selar o destino dessa proposta.

Desde então, a crescente autoconfiança e liderança da China ajudaram a promover a cooperação e criação de instituições regionais. Esta mudança, ocorrida tendo como pano de fundo 20 anos de forte crescimento chinês, é a mudança mais consequente na Ásia desde a crise.

Mas se a emergência da China representa o que mudou, também relembra como tudo permanece na mesma. A China ainda permanece fiel a um modelo que prioriza um objectivo de crescimento, e ainda depende de investimento elevado para atingir esse objectivo. O governo mantém as reservas de liquidez nos níveis que forem necessários para manter o motor da economia a funcionar, de uma forma que lembra perigosamente o que a Tailândia fez antes da sua crise.

Como o governo chinês aligeirou as restrições ao crédito estrangeiro mais rapidamente do que seria prudente, as empresas chinesas com ligações ao governo apresentam níveis elevados de endividamento externo. E ainda existe relutância em deixar flutuar a moeda, algo que desencorajaria as empresas Chinesas de acumularem um tão grande volume de obrigações em moeda estrangeira.

A China está hoje no mesmo ponto em que estavam os seus vizinhos do sudeste asiático há 20 anos: como eles, cresceu demasiado para além do seu modelo herdado de crescimento. Resta-nos esperar que os líderes Chineses tenham estudado a crise Asiática. De outro modo, estarão condenados a repeti-la.

Barry Eichengreen

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley; Pitt Professor de História e Instituições da Universidade de Cambridge American; e ex-conselheiro sénior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é Hall of Mirrors: A Grande Depressão, a grande recessão, e os usos - e abusos - de História.

 

 

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