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ALEMANHA: DESEQUILÍBRIO OU DESCONTROLO
Autor: Barry Eichengreen

19-05-2017

HAMBURGO – Para o presidente dos EUA, Donald Trump, a força económica de um país mede-se pelo seu saldo de transacções correntes: as suas exportações de bens e serviços, deduzidas das importações. Esta ideia é, claro está, um disparate económico do pior tipo. Sustenta a doutrina conhecida como mercantilismo, que inclui um conjunto ultrapassado de crenças desacreditadas há mais de dois séculos. O mercantilismo sugere, entre outras coisas, que a Alemanha é a economia mais forte em todo o mundo, porque apresenta o maior excedente de transacções correntes.

Em 2016, a Alemanha apresentava um excedente de transacções correntes de aproximadamente 270 mil milhões de euros (297 mil milhões de dólares), ou de 8,6% do PIB, tornando-a num alvo óbvio para a ira de Trump. E o seu excedente comercial bilateral de 65 mil milhões de dólares com os Estados Unidos torna-a num alvo ainda mais irresistível. Pouco importa que, como membro da zona euro, a Alemanha não tenha uma taxa de câmbio para manipular. Esqueça-se que a Alemanha está relativamente aberta às exportações dos EUA, ou que os seus decisores estão sujeitos à regulamentação anti-subsídio da União Europeia. Ignore-se o facto de que os saldos bilaterais são irrelevantes para o bem-estar, já que os países apresentam excedentes com alguns parceiros comerciais e défices com outros. Tudo o que interessa a Trump é ter encontrado o seu bode expiatório.

No mundo real, a explicação para o excedente externo da Alemanha não está na manipulação da sua divisa, ou na sua discriminação relativamente a importações, mas sim no facto de poupar mais do que investe. A correspondência da diferença entre a poupança e o investimento e a diferença entre as exportações e as importações não decorre de qualquer teoria económica; é uma identidade contabilística. Os alemães, colectivamente, gastam menos que aquilo que produzem, e a diferença necessariamente aparece como exportações líquidas.

A Alemanha tem uma taxa de poupanças elevada por uma boa razão. A sua população está a envelhecer mais rapidamente que a maioria. O seu povo sensato está a poupar sensatamente para a sua reforma. Estão a acumular activos agora, para poderem convertê-los mais tarde, quando aumentarem os rácios de dependência dos idosos.

É por isso que o conselho que os líderes alemães recebem dos conselheiros da Casa Branca, e mesmo de alguns economistas alemães (que a Alemanha estaria melhor se abandonasse o euro e deixasse a sua moeda valorizar-se) faz pouco sentido. Alterar a taxa de câmbio não diminuiria o incentivo dos Alemães para a poupança.

Além disso, permitir a valorização da taxa de câmbio desencorajaria o investimento nos sectores de bens intensivos em capital. De facto, uma moeda mais forte poderia aumentar o investimento em serviços, ao aumentar o preço relativo dos bens não transaccionáveis. Mas o incentivo ao investimento em serviços teria de ser enormemente reforçado, dado que o sector não apresenta intensidade de capital, para compensar o menor investimento em indústrias exportadoras.

Melhor que remexer na moeda seria abordar directamente a poupança e o investimento. Este é o ponto em que diferem os dois principais partidos concorrentes às próximas eleições na Alemanha. Os democratas cristãos da chanceler Angela Merkel sugerem reduzir impostos. Isto faz sentido na medida em que o governo alemão é um importante aforrador líquido; o excedente orçamental para 2016 atingiu o resultado recorde de 23,7 mil milhões de euros.

O problema é que não existem garantias de que as famílias alemãs, elas próprias vorazes aforradoras, gastem o rendimento adicional. Ampliar os créditos fiscais ao investimento às empresas alemãs pode ser mais eficaz para impulsionar o consumo, mas fazê-lo seria politicamente problemático num país em que a parte do trabalho no rendimento nacional já está a diminuir.

Os sociais-democratas de Martin Schulz, por outro lado, defendem o aumento dos gastos públicos, especialmente através de investimentos em infra-estruturas. No actual ambiente europeu de taxas de juro próximas de zero, é reduzido o risco de que o investimento público adicional desencoraje o investimento privado. E a Alemanha tem enormes necessidades não satisfeitas na área da saúde e da educação, e nas infra-estruturas de comunicações e transportes.

Alguns contestarão que as infra-estruturas e os serviços públicos são bens não transaccionáveis, e que gastar mais nos mesmos não impulsionará as importações nem reduzirá o saldo das transacções correntes. Mas se o governo, numa economia no pleno emprego, redireccionar recursos para a produção de bens não transaccionáveis, as famílias e as empresas terão de encontrar outros modos para satisfazerem a sua procura por bens transaccionáveis. O único modo seguro para fazer isso é adquirindo importações adicionais, aumentando inevitavelmente a despesa com importações.

A questão, em última análise, é saber porque deve a Alemanha tentar reduzir o seu excedente de transacções correntes. Uma resposta consiste em sair da mira de Trump. Uma resposta melhor, apresentada pelo Fundo Monetário Internacional, é que isso seria bom para uma economia mundial em que o investimento escasseia, como mostram os níveis mínimos históricos das taxas de juro. Seria bom para a Europa do sul, que precisa de exportar mais, mas só pode fazê-lo se alguém, como a maior economia da Europa do norte, importar mais.

Sobretudo, um aumento do investimento em infra-estruturas, saúde e educação, seria bom para a própria Alemanha. O investimento público bem direccionado pode aumentar a produtividade e estimular as condições de vida, e fazer face às fraquezas económicas da Alemanha. Por exemplo, existem exactamente zero universidades Alemãs no top 50 global. O aumento do financiamento público teria um impacto importante. “A economia mais forte do mundo” consegue fazer melhor.

Barry Eichengreen

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley; Pitt Professor de História e Instituições da Universidade de Cambridge American; e ex-conselheiro sénior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é Hall of Mirrors: A Grande Depressão, a grande recessão, e os usos - e abusos - de História.

 

 

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