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Trump, o multilateralista relutante
Autor: Barry Eichengreen

03-03-2017

FLORENÇA – Donald Trump não assumiu a presidência dos EUA como um multilateralista convicto. Com isto, concordam representantes de todos os quadrantes políticos. Entre as suas declarações de campanha mais controversas incluíam-se sugestões de que a OTAN era obsoleta, uma posição que pressagia o pior quanto à sua atitude com outras organizações e alianças multilaterais.

Na semana passada, porém, Trump recuou, tranquilizando uma plateia no Comando Central dos EUA em Tampa, na Florida (o quartel-general para as forças dos EUA que operam no Médio Oriente). “Apoiamos veementemente a OTAN”, declarou, explicando que a sua “questão” com a Aliança tinha a ver com as plenas e adequadas contribuições financeiras de todos os membros, e não com disposições fundamentais de segurança.

Esta opinião mais flexível reflete um novo reconhecimento, que poderá advir das reuniões de segurança ou do facto de estar a ocupar a Sala Oval, de que o mundo é um lugar perigoso. Até mesmo um presidente empenhado em pôr a “América em primeiro” parece reconhecer que um modelo através do qual os países possam satisfazer objectivos partilhados não é uma coisa má.

A questão atual é saber se o que é verdadeiro para a OTAN é também verdadeiro para o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, e o Comité de Supervisão Bancária de Basileia. O histórico de Trump durante a campanha e no Twitter não é animador. Já em 2012, tweetou críticas ao Banco Mundial por ter “relacionado a pobreza com as ‘mudanças climáticas’ ” (as aspas são suas). “E ainda nos admiramos por que são ineficazes as organizações internacionais”, reclamou.

Do mesmo modo, em julho passado, sugeriu a possibilidade de que os Estados Unidos poderiam abandonar a OMC, se a sua capacidade de impor tarifas fosse condicionada. E prometeu repetidamente, durante a campanha presidencial, abandonar o acordo de Paris para o clima. Mas a evolução da posição de Trump relativamente à OTAN sugere que ele ainda poderá ver mérito no trabalho com estas organizações, à medida que vai reconhecendo que também a economia mundial é um lugar perigoso.

A seguir à eleição, Trump reconheceu ter o espírito aberto sobre o acordo de Paris para o clima. A sua posição pareceu ser menos no sentido da negação da existência do aquecimento global, do que no sentido da insistência de que as políticas atenuadoras das mudanças climáticas não imponham um fardo despropositado sobre as empresas Americanas.

O caminho para limitar o fardo da concorrência sobre os produtores dos EUA é, claramente, garantir que os outros países também exijam às suas empresas que tomem medidas para atenuar as mudanças climáticas, mantendo dessa maneira a igualdade de condições. E isto é precisamente aquilo em que consiste o acordo de Paris.

O mesmo pode ser dito das normas do Comité de Basileia para a adequação de capital. Deter mais capital não está isento de custos para os bancos dos EUA, como conselheiros como Gary Cohn, anteriormente no Goldman Sachs e actualmente responsável pelo Conselho Económico Nacional, presumivelmente dizem ao presidente, de manhã, à tarde e à noite. A igualdade de condições nesta área significa exigir aos bancos estrangeiros que também detenham mais capital, que é precisamente o objetivo do processo de Basileia.

Trump poderá também vir a apreciar as vantagens de trabalhar com o FMI quando rebentar uma crise na Venezuela, ou no México, como consequência das suas próprias políticas. Em 1995, o Tesouro dos EUA alargou a assistência financeira ao México através do Fundo de Estabilização Cambial. Em 2008, a Reserva Federal criou um acordo cambial recíproco (NdT: swap line, no original) no valor de 30 mil milhões de dólares com o Brasil, para ajuda durante a crise financeira global. Mas imaginem a indignação com que os apoiantes de Trump acolheriam um “resgate pago pelos contribuintes” destinado a um país estrangeiro, ou a ira dos responsáveis Mexicanos por terem de garantir assistência junto do mesmo governo Trump que é responsável pelos males do seu país. Ambas as partes prefeririam certamente trabalhar através do FMI.

Trump não pode estar satisfeito, com a urgência aplicada pelo governo Obama na recondução do seu candidato, Jim Yong Kim, como presidente do Banco Mundial. Mas reconhece claramente os benefícios da ajuda ao desenvolvimento. Embora tenha dito que os EUA deveriam “deixar de enviar ajuda externa aos países que nos odeiam”, também observou que a incapacidade de ajudar os países pobres pode fomentar a instabilidade.

Esta poderia ser uma área onde Trump privilegiaria a ação bilateral, permitindo-lhe aplacar os seus críticos mais conservadores, ao insistir que não seriam aplicados fundos dos EUA no planeamento familiar, ao mesmo tempo que receberia elogios por qualquer assistência que prestasse. Ao mesmo tempo, minimizar o papel dos EUA no Banco Mundial criaria um vácuo que seria preenchido pela China, a bête noire de Trump, tanto nessa instituição como devido às atividades do Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas, liderado pelos chineses.

O verdadeiro teste para a posição de Trump quanto ao multilateralismo será o modo de abordagem à OMC. Persuadir o Congresso dos EUA a chegar a acordo sobre uma reforma do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e singulares, uma iniciativa de construção de infra-estruturas avaliada em 1 bilião de dólares, e um substituto para a reforma da saúde iniciada por Obama não será fácil, no mínimo. Conseguir isso obrigará a ter paciência, que não é o naipe mais forte de Trump. Isto sugere que ele se sentirá pressionado a fazer aquilo que conseguir e de forma unilateral.

Uma coisa que ele pode fazer de forma unilateral é impor direitos sobre as importações, em potencial violação das regras da OMC. Descobriremos em breve se essas regras o impedirão.

Barry Eichengreen

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley; Pitt Professor de História e Instituições da Universidade de Cambridge American; e ex-conselheiro sénior de políticas do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é Hall of Mirrors: A Grande Depressão, a grande recessão, e os usos - e abusos - de História.

 

 

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