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O que a economia americana necessita de Trump
Autor: Joseph E. Stiglitz

25-11-2016

NOVA IORQUE – A vitória impressionante de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos tornou algo muito claro: que muitos americanos (especialmente, americanos brancos do sexo masculino) se sentem deixados para trás. Não é apenas um sentimento: muitos americanos foram verdadeiramente deixados para trás. Isto pode ser tão facilmente confirmado pelos dados económicos como pela sua raiva. E, como já defendi várias vezes, um sistema económico que não satisfaça grandes grupos da população é um sistema económico falhado. O que deverá fazer o presidente eleito Trump quanto a isto?

Durante o último terço de século, as regras do sistema económico americano foram reescritas de forma a servirem alguns no topo, prejudicando ao mesmo tempo a economia como um todo, e especialmente os 80% mais pobres. A ironia da vitória de Trump foi ter sido o Partido Republicano, que ele hoje lidera, quem insistiu na globalização extrema e quem combateu os enquadramentos políticos que teriam atenuado os traumas a ela associados. Mas a história tem importância: a China e a Índia estão hoje integradas na economia global. Além disso, a tecnologia evoluiu tão depressa que o número global de empregos na indústria está a diminuir.

A implicação disto é que não existe maneira para que Trump possa devolver aos EUA um número significativo de empregos bem pagos na indústria. Poderá devolver a indústria, com tecnologias industriais avançadas, mas com poucos empregos. E poderá trazer de volta os empregos, mas serão empregos com baixos salários, e não os empregos com elevadas remunerações da década de 1950.

Se Trump estiver a falar a sério sobre o combate à desigualdade, terá de reescrever outra vez as regras, de maneira a que satisfaçam toda a sociedade, e não apenas pessoas como ele.

O primeiro ponto da agenda será incentivar o investimento, restabelecendo assim a robustez do crescimento a longo prazo. Especialmente, Trump deveria dar ênfase aos gastos em infra-estruturas e pesquisa. Lamentavelmente para um país cujo êxito económico se baseia na inovação tecnológica, a porção do PIB destinada ao investimento em investigação fundamental é mais reduzida hoje do que era há meio século.

Uma melhoria das infra-estruturas ampliaria os rendimentos do investimento privado, que também se tem retraído. Uma garantia de melhor acesso a financiamento financeiro às empresas de pequena e média dimensão, incluindo às empresas lideradas por mulheres, também estimularia o investimento privado. Um imposto sobre o carbono proporcionaria um triplo benefício: um aumento do crescimento, decorrente da reconversão empresarial associada a um maior custo das emissões de dióxido de carbono; um ambiente mais limpo; e receitas que poderiam ser usadas para financiar infra-estruturas e iniciativas directas para diminuir o fosso económico da América. Mas dada a posição de Trump como alguém que nega as mudanças climáticas, não será provável que venha a tirar dividendos desta área (o que também poderá induzir o mundo a aplicar tarifas sobre produtos dos EUA fabricados de formas que violem regras globais e definidas para combater alterações climáticas).

Também é necessária uma abordagem integrada para melhorar a distribuição de rendimentos da América, que é das piores dentre as economias avançadas. Embora Trump tenha prometido aumentar o salário mínimo, é improvável que leve a cabo outras alterações críticas, como o fortalecimento dos direitos e do poder de negociação colectiva dos trabalhadores, ou a limitação das remunerações e do carácter financeiro dos cargos de gestão.

A reforma regulamentar deve ir para além da limitação dos danos que o sector financeiro pode causar, e garantir que o sector serve a sociedade de forma genuína.

Em Abril, o Conselho de assessores económicos do Presidente Barack Obama divulgou um resumo que demonstrava uma crescente concentração de mercado em vários sectores. Isto traduz-se em menos concorrência e em preços mais altos, modos tão seguros de redução do rendimento real quanto uma redução directa dos salários. Os EUA precisam de combater estas concentrações do poder de mercado, incluindo as mais recentes manifestações da chamada economia colaborativa (NdT – sharing economy no original).

O regressivo sistema fiscal da América, que alimenta as desigualdades ao ajudar os ricos (e mais ninguém) a enriquecer, também deve ser alvo de reformas. Uma meta óbvia será a eliminação do tratamento especial aplicado aos ganhos de capital e aos dividendos. Uma outra é garantir que as empresas paguem impostos, talvez baixando o imposto sobre o rendimento das sociedades que invistam e criem emprego na América, e aumentando-o para as que não o façam. Contudo, sendo um beneficiário importante do sistema actual, as promessas de Trump quanto a reformas que beneficiem os Americanos comuns não são convincentes; como é habitual com os Republicanos, as alterações fiscais beneficiarão principalmente os ricos.

Trump também ficará aquém das expectativas quanto à igualdade de oportunidades. Garantir educação pré-escolar para todos e investir mais em escolas públicas é fundamental para que os EUA evitem tornar-se num país neo-feudal onde as vantagens e as desvantagens sejam passadas de uma geração para a próxima. Mas Trump mantém-se virtualmente silencioso quanto a este tema.

O restabelecimento da prosperidade partilhada obrigaria a políticas que expandissem o acesso a habitação e a cuidados médicos acessíveis, que garantissem reformas com um mínimo de dignidade, e que permitissem a cada Americano, independentemente do seu património familiar, conseguir uma educação pós-secundária proporcional às suas capacidades e interesses. Mas embora consiga ver Trump, um magnata do imobiliário, a apoiar um enorme programa de habitação (com a maior parte dos lucros a ser distribuída a investidores como ele próprio), a sua prometida rejeição da Lei dos Cuidados de Saúde Acessíveis (Obamacare) deixaria milhões de Americanos sem seguro de saúde. (Pouco depois da eleição, já sugeriu que poderia mover-se com cuidado nesta área).

Os problemas colocados pelos americanos excluídos, que são consequência de décadas de negligência, não serão resolvidos rapidamente nem por ferramentas convencionais. Uma estratégia eficaz deverá considerar soluções menos convencionais, que os interesses corporativos Republicanos terão dificuldade em favorecer. Por exemplo, os contribuintes poderiam ser autorizados a aumentar a sua contribuição para a reforma por via de depósitos adicionais nas suas contas de Segurança Social, recebendo aumentos proporcionais nas suas prestações de reforma. E políticas abrangentes de apoio à família e de baixas por doença ajudariam os americanos a alcançarem um equilíbrio trabalho/vida menos desgastante.

Da mesma forma, uma opção pública para o financiamento à habitação poderia dar direito, a todas as pessoas que paguem regularmente impostos, a uma hipoteca com entrada de 20%, adequada à sua capacidade de reembolso de dívida, e a uma taxa de juro ligeiramente superior àquela a que o governo se financia e honra a sua própria dívida. Os pagamentos seriam canalizados através do sistema do imposto sobre rendimentos.

Muito mudou desde que o Presidente Ronald Reagan começou a esvaziar a classe média e a desviar os benefícios do crescimento para quem estava no topo, e as políticas e instituições dos EUA não acompanharam as mudanças. Desde o papel das mulheres no mercado de trabalho à ascensão da Internet e à maior diversidade cultural, a América do século XXI é fundamentalmente diferente da América da década de 1980.

Se Trump quer ajudar verdadeiramente aqueles que ficaram para trás, deverá ir além das batalhas ideológicas do passado. A agenda que delineei não é apenas relativa à economia: tem a ver com fomentar uma sociedade dinâmica, aberta, e justa, que cumpra a promessa dos valores mais acarinhados pelos Americanos. Mas embora seja, por um lado, consistente com as promessas eleitorais de Trump, por outro lado é a sua antítese.

A minha nebulosa bola de cristal mostra regras a serem reescritas, mas não uma correcção dos graves erros da revolução Reagan, um marco na viagem sórdida que deixou tanta gente para trás. Em vez disso, as novas regras piorarão a situação, excluindo ainda mais pessoas do sonho Americano.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico-social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

 

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