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O Direito Universal ao Rendimento do Capital
Autor: Yanis Varoufakis

11-11-2016

ATENAS – O direito à preguiça tem sido tradicionalmente reservado aos proprietários ricos, enquanto os pobres tiveram de lutar por salários e condições de trabalho decentes, subsídios de desemprego e de doença, cuidados de saúde universais, e outros atributos de uma vida digna. A ideia de que aos pobres deveria ser concedido um rendimento incondicional suficiente para subsistir tem sido um anátema não apenas para os grandes e poderosos, mas também para o movimento operário, que abraçou uma ética que gira em torno da reciprocidade, da solidariedade, e da contribuição para a sociedade.

Quando os esquemas de rendimento básico incondicional foram propostos há décadas, foram inevitavelmente recebidos por reacções escandalizadas de associações de empregadores, de sindicatos, de economistas, e de políticos. Recentemente, contudo, a ideia voltou a emergir, recolhendo apoio impressionante da esquerda radical, do movimento Verde, e até da direita libertária. Isto deve-se à ascensão das máquinas que, pela primeira vez desde o início da industrialização, ameaça destruir mais trabalhos do que os criados pela inovação tecnológica – e tirar o tapete aos profissionais de colarinho branco.

Mas se a ideia de um rendimento básico universal voltou, o mesmo aconteceu à resistência tanto da direita como da esquerda. Os direitistas apontam para a impossibilidade de recolher rendimento suficiente para financiar tais esquemas sem esmagar o sector privado, e para uma queda na oferta de trabalho e na produtividade, consequência da perda de incentivos para o trabalho. Os esquerdistas receiam que um rendimento universal enfraqueceria a luta para melhorar as vidas profissionais das pessoas, legitimaria os ricos ociosos, desgastaria os direitos de negociação colectiva arduamente conquistados (ao fortalecer empresas como a Uber e a Deliveroo), minaria os alicerces do estado social, encorajaria a cidadania passiva, e promoveria o consumismo.

Os apoiantes destes esquemas, tanto à esquerda como à direita, defendem que o rendimento básico universal apoiaria aqueles que já hoje contribuem com um valor inestimável para a sociedade, principalmente mulheres no sector dos cuidados de assistência, ou mesmo artistas que produzem obras públicas excelentes por praticamente nenhum dinheiro. Os pobres seriam libertados dos perversos atestados de pobreza do estado social, e uma rede de segurança que pode hoje emaranhar pessoas na pobreza permanente seria substituída por uma plataforma na qual poderiam esperar antes de alcançarem algo melhor. Os jovens ganhariam a liberdade de experimentarem várias carreiras e de estudarem tópicos que não são considerados lucrativos. Além disso, na actual e cada vez mais disseminada economia de espectáculo (NdT: no original, gig economy), com os sindicatos a encolher ao mesmo tempo que a sua capacidade para proteger os trabalhadores, seria restaurada a estabilidade económica que a maior parte das pessoas está a perder.

A chave para avançar é uma perspectiva nova sobre a ligação entre a origem do financiamento de um rendimento básico universal, o impacto dos robôs, e o nosso entendimento do que significa ser livre. Isto implica combinar três propostas: os impostos não podem constituir uma origem legítima para o financiamento de esquemas deste tipo; a ascensão das máquinas deve ser aceite; e um rendimento básico universal é o principal pré-requisito da liberdade.

A ideia de que vós trabalhais duramente e pagais os vossos impostos sobre o rendimento, enquanto eu vivo da vossa generosidade forçada, não trabalhando por escolha minha, é insustentável. Para que um rendimento básico universal seja legítimo, não pode ser financiado cobrando impostos à Joana para pagar ao João. É por isso que deve ser financiado não pelos impostos, mas pelos rendimentos do capital.

Um mito comum, promovido pelos ricos, é que a riqueza é produzida individualmente antes de ser colectivizada pelo estado, através da tributação. Na verdade, a riqueza foi sempre produzida de forma colectiva, e privatizada por aqueles que têm poder para fazê-lo: a classe proprietária. A terra arável e as sementes, formas pré-modernas do capital, foram desenvolvidas colectivamente durante gerações de esforço camponês, de que os senhorios se apropriaram sub-repticiamente. Hoje, cada smartphone inclui componentes desenvolvidos por subsídios governamentais, ou através da comunidade de ideias partilhadas, pelas quais a nunca foram pagos dividendos à sociedade.

Então, como deveria ser compensada a sociedade? A tributação é a resposta errada. As empresas pagam impostos por troca dos serviços que o estado lhes fornece, e não por injecções de capital que devam render dividendos. Existe portanto o argumento forte de que os comuns têm direito a uma parte do stock de capital e dos dividendos que lhe estão associados, reflectindo o investimento da sociedade no capital das empresas. E por ser impossível calcular a dimensão do estado e do capital social cristalizado em qualquer empresa, podemos decidir a parte do stock de capital que o público deveria deter apenas graças a um mecanismo politico.

Uma política simples seria promulgar legislação que fizesse uma percentagem do stock de capital (acções) de cada oferta pública inicial (IPO) ser canalizada para um Depósito de Capital para os Comuns, com os dividendos associados a financiar um dividendo básico universal (DBU). Este DBU deveria, e poderia, ser completamente independente dos pagamentos assistenciais, do subsídio de desemprego, e assim por diante, amenizando a preocupação de que poderia substituir o estado social, que corporiza o conceito de reciprocidade entre assalariados e desempregados.

O medo das máquinas que nos podem libertar dos trabalhos forçados é um sintoma de uma sociedade tímida e dividida. Os Luditas são dos actores históricos mais incompreendidos. O seu vandalismo sobre a maquinaria era um protesto não contra a automação, mas contra os arranjos sociais que os privavam das suas perspectivas de vida, diante da inovação tecnológica. As nossas sociedades devem acolher a ascensão das máquinas, mas garantir que estas contribuem para a prosperidade partilhada, concedendo a cada cidadão direitos de propriedade sobre as mesmas, e fazendo gerar um DBU.

Um rendimento básico universal permite novas perspectivas de liberdade e igualdade que aproximam blocos políticos até agora irreconciliáveis, ao mesmo tempo que estabilizam a sociedade e redinamizam a noção de prosperidade partilhada diante da inovação tecnológica de outra forma desestabilizadora. Evidentemente que os desacordos continuarão; mas serão sobre questões como a proporção de acções das empresas que devem ser transferidas para o Depósito, quanto apoio assistencial e subsídio de desemprego deve ser acumulado sobre o DBU, e qual o teor dos contratos de trabalho.

Qualquer pessoa que ainda não se tenha reconciliado com a ideia de “alguma coisa por nada” deveria colocar-se algumas questões simples: Não quereria eu que os meus filhos tivessem um pequeno fundo fiduciário que os protegesse do receio da indigência e lhes permitisse investir corajosamente nos seus verdadeiros talentos? Essa tranquilidade transformá-los-ia em indolentes ociosos? Caso contrário, qual é a base moral para negar a mesma vantagem a todas as crianças?

YANIS VAROUFAKIS
Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, é professor de Economia na Universidade de Atenas.

 

 

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