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A política das taxas de juro negativas
Autor: YANIS VAROUFAKIS

02-09-2016

ATENAS – Os objectos de desejo têm um preço. Só as coisas más, como os resíduos tóxicos, têm um preço negativo, o equivalente a uma taxa paga a alguém disposto a fazê-los desaparecer. Isto significa que as taxas de juro negativas representam uma nova perspetiva do dinheiro – e que passou a ser “mau”?

Nas economias de mercado, o dinheiro é a medida do valor dos bens e serviços. E as taxas de juro são o preço dessa métrica – do próprio dinheiro. Quando o preço é zero, não faz diferença se o dinheiro é mantido debaixo de um colchão ou se foi emprestado, porque não há nenhum custo para dinheiro guardado ou emprestado.

Mas como é que o preço do dinheiro – o qual, afinal de contas, faz o mundo girar ou, como Karl Marx diz, “transforma todas as minhas incapacidades nos seus inversos” – pode ser zero? E como é que é possível ficar negativo, como está agora em grande parte da economia global, com pessoas endinheiradas do mundo a “subornar” governos para contraírem empréstimos de mais de 5,5 biliões?

A resposta só pode ser de um tipo que os economistas detestam: filosófica, política e, consequentemente, uma pura explicação positivista. Por outras palavras, a resposta deve ocupar-se da essência do dinheiro.

No mercado agrícola, os vendedores que têm muitas batatas por vender começam a baixar o preço até atingirem um certo nível (possivelmente muito baixo, mas ainda assim positivo) com o qual vendem todas as batatas. No sentido inverso, desde a crise financeira global de 2008, sempre que o preço do dinheiro baixa, a procura cai e a poupança excessiva sobe. Claramente, o dinheiro não é como a batata ou como qualquer outra “coisa” bem definida.

Para entender como o dinheiro pode ser um bem supremo das nossas sociedades, mesmo que tenha um preço negativo, ajuda começar com a constatação de que, ao contrário das batatas, o dinheiro não tem nenhum valor privado intrínseco. A sua utilidade depende do que o seu titular consegue que os outros façam. O dinheiro, para recordar a definição de Lenin sobre política, tem a ver com “quem faz o quê a quem”.

Imagine que é um empreendedor com dinheiro no banco ou tem um banco ansioso por emprestar grandes somas para investir na sua atividade empresarial. Passa noites sem dormir, a imaginar se deve investir num novo produto – ou seja, se deve explorar o seu acesso ao dinheiro de modo a criar um leque de outras pessoas que irão trabalhar em seu nome. Na nossa atual grande deflação, o que mais o preocupa é o sentimento e o futuro poder de compra dos seus clientes. Serão capazes e estarão dispostos a comprar o seu produto novo em quantidades e a preços suficientemente elevados?

Suponhamos que, privado do seu sono, liga o rádio ou a TV apenas para ouvir que a líder da Reserva Federal dos EUA, Janet Yellen, e o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, estão a pensar reduzir mais as taxas de juro. Irá alegrar-se com a perspetiva de que os seus custos de financiamento irão descer? Ficará motivado para investir o seu dinheiro, agora que aufere de juros baixos (quiçá, até mesmo negativos)?

Não e não. A sua reação será, possivelmente, mais de alarme: “Oh, meus Deus! Se a Janet e o Mario estão a considerar mais um corte nas taxas de juro, devem ter boas razões para acreditar que a procura manter-se-á baixa!” Então, você abandona o seu plano de investimento. “É melhor contrair um empréstimo quase sem nenhum custo”, pensa, “e adquirir mais ações da minha empresa, aumentar o seu preço, ganhar mais na bolsa e depositar no banco os lucros para os dias mais cinzentos que se avizinham”.

E por isso é que o preço do dinheiro baixa, mesmo que a sua oferta floresça. Os banqueiros centrais que nunca previram a Grande Deflação estão agora, atarefadamente, a tentar encontrar uma saída com modelos económicos e econométricos que poderiam nunca explicar, muito menos apontar para soluções. Relutantes em questionar o dogma político de que os bancos centrais devem ser apolíticos, recusam-se a pensar no dinheiro como sendo mais do que uma “coisa”. E, então, continuam a procurar uma resolução tecnocrata para um problema que clama por uma solução política filosoficamente astuta.

É uma busca inútil. A partir do momento em que o preço do dinheiro (juros) atingiu o zero, os bancos centrais têm tentado comprar montanhas da dívida pública e privada de bancos comerciais no sentido de lhes darem um incentivo para emprestarem livremente. O BCE até chegou ao ponto de pagar aos bancos para emprestarem dinheiro às empresas enquanto, ao mesmo tempo, punia-os por não emprestarem (através de taxas de juros negativas para excessos de reservas).

Mas os banqueiros e as empresas, ao verem estas medidas como reações desesperadas às expectativas inflacionárias auto-realizáveis, entraram numa greve de investimento, ao mesmo tempo que usam o dinheiro do banco central para inflacionar os preços dos seus próprios bens (ações, arte, imóveis e assim por diante). Isto não contribuiu nada para derrotar a Grande Deflação; só tornou os ricos mais ricos, um resultado que de alguma forma reforçou a crença dos banqueiros centrais na independência do banco central.

Nem todos os banqueiros centrais, felizmente, são incapazes de responder criativamente à Grande Deflação. Andy Haldane, economista-chefe no Banco de Inglaterra, sugeriu corajosamente que todo o dinheiro deveria tornar-se digital, o que iria permitir impor, em tempo real, taxas de juro negativas a todos os cidadãos, obrigando-nos assim a gastar à vez. John Williams, presidente e CEO do Banco da Reserva Federal de São Francisco, defendeu recentemente que a Grande Deflação só poderia ser derrotada com a focalização simultânea no nível de preços e no rendimento nacional nominal – semelhante ao Novo Acordo com uma ação conjunta da Fed e do governo.

O que separa estes banqueiros centrais da multidão é a sua prontidão para descartarem o mito da política monetária independente, de aceitarem que o dinheiro é a mais política das mercadorias, de desafiarem a santidade do dinheiro e de admitirem que derrotar a Grande Deflação requer uma agenda política progressista.

Simone Weil disse uma vez: “Se quiser saber como é realmente um homem, preste atenção às suas ações quando perde dinheiro”. Da mesma forma, se quisermos conhecer verdadeiramente as nossas sociedades, devemos prestar atenção a como reagem às taxas de juro negativas.

YANIS VAROUFAKIS
Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, é professor de Economia na Universidade de Atenas.

 

 

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