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COMIDA, E NÃO AÇO, É NOSSO MAIOR DESAFIO AMBIENTAL
Autor: Adair Turner

23-04-2021

Discussões sobre política ambiental tendem a focar em quem vai pagar o preço de se ter uma economia de carbono zero, com um foco particular em sectores industriais como os de aço e cimento. Mas os custos gerais são espantosamente baixos, e nosso maior desafio está no sistema alimentar, e não nos produtos industriais.

último relatório do Comité de Mudanças Climáticas do Reino Unido, por exemplo, mostra que cortar para zero líquido as emissões de gases do efeito estufa até 2050 no Reino Unido diminuiria o PIB britânico em apenas 0,5%. O relatório “Tornando a Missão Possível” da Comissão de Transições Energéticas estima um total semelhante de 0,5% do PIB mundial para reduzir as emissões dos sistemas de energia, prediais, industriais e de transporte a zero até o meio do século.

Estas estimativas estão muito abaixo daquelas produzidas por estudos mais antigos. O seminal Relatório Stern da Economia das Mudanças Climáticas, publicado em 2006, sugeriu custos de 1-1,5% do PIB para obter apenas 80% de redução das emissões.

Esta bem-vinda mudança reflecte a queda dramática e inesperada dos custos para tecnologias-chave – com os custos de eletricidade eólica no próprio país em queda de 60%  em apenas dez anos, queda de mais de 80% nas células foto voltaicas e de 85% nas baterias. São custos tão baixos hoje que usar produtos e serviços de carbono zero em muitos setores será até melhor para os consumidores.

Por exemplo, os futuros “custos totais ao sistema” para se ter sistemas de electricidade próximos do carbono zero – incluindo-se todo o armazenamento e a flexibilidade necessários, com fontes imprevisíveis como o vento e o sol – em geral ficarão abaixo daqueles dos sistemas actuais baseados em combustíveis fósseis. E, dentro de dez anos, consumidores do mundo todo estarão melhor comprando carros eléctricos, pagando um pouco menos pelos veículos e muito menos pela energia que os move do que pagam pelo diesel e gasolina que compram hoje.

Em alguns sectores duros-na-queda como aço, cimento e fretes, porém, é provável que a descarbonização imponha um custo significativo. Muito antes de 2050, o aço de carbono zero poderia ser fabricado usando-se hidrogénio como agente de redução em lugar do carvão coque, ou adicionando-se captura e armazenamento de carbono às fornalhas convencionais. Porém, fazê-lo pode aumentar os custos em 25% , ou em cerca de US$ 100 pela tonelada do aço. Navios de longa distância poderiam ser movidos a amónia ou metanol, mas os gastos com combustível poderiam subir mais de 100%, e as tarifas de frete, 50%. Como Bill Gates diz em seu novo livro, Como Evitar um Desastre Climático, em alguns sectores há a questão do “pedágio do custo verde” na comparação com a tecnologia emissora de carbono actual.

De modo que é fundamental focar pesquisa e desenvolvimento e investimentos do capital de risco em tecnologias inovadoras que possam diminuir este custo. Mas também é importante reconhecer que mesmo que o “pedágio verde” demore para passar, o custo de descarbonizar estes sectores será tão baixo que os consumidores sequer vão notá-lo.

Pergunte-se quanto aço você comprou no ano passado. A menos que você seja um director de compras, a resposta mais provável é nenhum, directamente. Em vez disso, consumidores compram indirectamente o aço embutido nos produtos e serviços que consomem – em carros, máquinas de lavar ou serviços de saúde prestados em um hospital construído com aço. Os números da Associação Mundial do Aço (World Steel Association, no original em inglês) indicam  que o “verdadeiro uso per capita do aço” está entre 300 e 400kg (661-882 libras) anuais na Europa e nos Estados Unidos. Ou seja, se o preço do aço aumentasse US$ 100 por tonelada, os consumidores ainda estariam pagando US$ 30-40 a mais.

Este custo trivial reflecte a diferença crucial entre o custo verde dos produtos intermediários e o “preço do consumidor verde” nos produtos finais. Uma alta no preço do aço, mesmo que de apenas 25%, pesará menos de 1% do preço dos automóveis. As taxas de frete podem subir 50%, mas isso aumentaria o preço de roupas importadas ou comida em um volume igualmente trivial.

Porém, os custos mais altos dos produtos intermediários ainda representam um dos principais desafios de política económica. Uma empresa de aço que se comprometa com uma meta de carbono zero se posicionará em esmagadora desvantagem caso seus competidores não façam o mesmo. Impor um preço ao carbono dos sectores industriais pesados poderia dar conta deste problema, mas somente se o preço fosse aplicado em escala global ou combinado a tarifas de carbono externo contra países que não queiram aplicar a cobrança.

No frete, a regulamentação da Organização Marítima Internacional poderia assegurar que todas as empresas avançassem juntas, e o impacto dos custos ao consumidor fosse trivial.

Em contraste, os preços dos alimentos e as preferências alimentares do consumidor são questões não-triviais. Poucos de nós compram aço directamente, mas todos compram comida, que mesmo nos países ricos representa de 6 a 13% do gasto doméstico total, e muito mais no caso dos grupos de renda menor. Para os consumidores, um custo de 10% a mais pela comida faria muito mais diferença do que um custo de 100% a mais pelo aço.

No sector de comida, além disso, a produção de carne é altamente baseada em emissões intensas. As emissões de metano do gado e do estrume têm um efeito no aquecimento global maior do que três gigatons de dióxido de carbono da produção do aço, e cinco gigatons adicionais de CO 2  vêm de mudanças no uso do solo, como quando uma floresta é convertida em área de cultivo de soja para alimentar o gado.

Também aqui, soluções tecnológicas podem ser possíveis, mas ainda há enormes desafios. Os consumidores não ligam para o tipo específico de aço que consomem indirectamente, mas os comedores de carne têm opiniões fortes sobre a textura e o gosto de seus bifes da vazia, que a produção de carne sintética ainda não consegue reproduzir. Além disso, ainda que o custo verde da carne sintética esteja caindo na comparação com a carne animal, ele ainda precisa estar próximo de zero para evitar impacto material nos orçamentos dos consumidores.

Isto poderia mudar, contudo, se as pessoas decidissem que se contentariam com menos carne e dietas com mais vegetais, que também são mais baratas. Neste caso, poderia acontecer com a comida o mesmo que com o transporte rodoviário, com os consumidores se beneficiando da mudança para o carbono zero em vez de lidarem com a carga de custos.

ADAIR TURNER

Adair Turner, presidente da Comissão de Transições de Energia, foi presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido de 2008 a 2012. Seu livro mais recente é Between Debt and the Devil.

 

 

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