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ÁGUA E SANEAMENTO: A CRISE ESQUECIDA
Autor: Kevin Rudd

18-09-2020

A crise de covid-19 deixou clara a importância do acesso a água limpa, saneamento e higiene. Como nós sabemos agora, lavar as mãos é uma das melhores defesas na linha de frente do combate ao vírus. No entanto, três bilhões de pessoas - quase metade da população do planeta - não têm acesso a locais para lavagem de mãos básica, cerca de um terço (2,2 bilhões de pessoas) não têm acesso a água potável, e quase o dobro (4 , 2  biliões )  vivem sem acesso a serviços adequados de saneamento de qualquer tipo.

A situação é ainda pior nas Ilhas do Pacífico, onde a parcela da população sem um acesso garantido a água potável é o dobro da média mundial, e onde os indicadores de saneamento são menores que os da África subsaariana. Como temos visto em países como a Papua Nova Guiné, a ausência de equipamentos para manutenção de higiene básica dificulta muito o combate ao vírus, uma vez que ele se instaure.

Contudo, apesar de nosso conhecimento sobre o problema, água e saneamento continuam indo para o fundo da pauta política global. É raro ver um político disposto a inaugurar uma fábrica de tratamento de esgoto com o mesmo entusiasmo que mostra ao cortar a fita inaugural de uma escola ou hospital. Porém, o problema não é tanto de ausência de vontade política, mas sim de incapacidade de aproveitar oportunidades políticas. Afinal, é difícil pensar em outro serviço público tão importante quanto o de entrega de água limpa e saneamento.

O problema real, de facto, são as finanças. Durante muito tempo, os governos têm encarado água e saneamento como um ralo das finanças públicas, em vez de oportunidade de investimento. Como resultado, tradicionalmente eles têm confiado em impostos, tarifas e transferências para subsidiar o sector. E embora as pessoas de modo geral estejam dispostas a pagar pelo acesso ou melhoria destes serviços, os serviços penam para cobrir os custos de operações básicas ou manutenções sem apoio adicional.

Isto não faz sentido politicamente, considerando-se que as pessoas querem e precisam desesperadamente desses serviços. Mas também não faz sentido do ponto de vista económico. As perdas anuais associadas com serviços inadequados de água e saneamento hoje totalizam cerca de US $ 260 biliões (1,5% do PIB global) por ano, enquanto cada dólar investido em água e saneamento tem um retorno quatro vezes maior em resultados económicos, educacionais e de saúde - e todos podem servir à pauta económica e social mais ampla de um governo.

O maior desafio é convencer os governos a ver o sector como activos que vão gerar retornos económicos e financeiros altos sem estourar o orçamento. Tal mudança de mentalidade também dará força a outras reformas há muito necessárias. Existem amplas oportunidades de melhorias em planeamento e gestão sectoriais, direccionamento de subsídios, políticas económicas de recuperação de custos e regimes de tarifas, além da necessidade de novos impostos específicos e outras opções de subvenção cruzada.

Alguns governos já buscam estas oportunidades. A Missão Swachh Bharat (Missão Índia Limpa), do primeiro-ministro indiano Narendra Modi, por exemplo, tem ajudado a focar a atenção nacional nos problemas de água e saneamento, assim como medidas recentes do presidente Muhammadu Buhari, na Nigéria. Enquanto isso, outros governos estão ampliando o acesso a mecanismos de finanças reembolsáveis criados para diminuir riscos e obter recursos financeiros colectivos nas esferas doméstica, municipal ou federal.

No Quénia, por exemplo, a agência reguladora da água está trabalhando com o Banco Mundial para adoptar “notas-sombra de crédito” e atrair mais financiamento. Na Indonésia, o governo tem usado bolsas para os lares de renda mais baixa para melhorar os serviços daqueles que mais precisam. No Peru, uma combinação de incentivos e assistência directa está sendo usada para melhorar a oferta de serviços do governo local. E em países como Kiribati e as Ilhas Marshall, no Oceano Pacífico, governos estão garantindo acesso a novos fundos climáticos, ou recorrendo a títulos de impacto social para atrair fontes novas de financiamento.

A Aliança Global das Nações Unidas sobre Saneamento e Água para Todos reuniu essas e outras opções de financiamento em um manual intitulado Água e Saneamento: Fazendo o Investimento Público Funcionar. O manual fornece aos governos exemplos práticos de como financiar o fornecimento de água e saneamento de formas política e economicamente viáveis.

Sem uma correcção de rumo, os desafios diante deste sector crítico vão só aumentar à medida que o aquecimento global, as emergências globais de saúde e outros riscos sistémicos continuarem a crescer. A pandemia de covid-19 vem aprofundando as dificuldades de provedores de serviço que já estavam em apuros financeiros no mundo todo. Mas a crise também representa uma oportunidade rara de ver e fazer coisas de modo diferente.

Como água e saneamento são centrais para a resposta a emergências, lideranças mundiais e ministros de finanças têm todos os motivos para buscar acção imediata nesta frente, inclusive nas reuniões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional no mês que vem. Investir em água e saneamento gera empregos, incentiva empresas e diminui o peso de longo prazo nos orçamentos públicos. Mas, indo directamente ao ponto, é algo que melhora de modo radical a vida da população, principalmente das mulheres e meninas.

Para aqueles que ocupam cargos públicos, não há muitas oportunidades em que um investimento único pode reduzir mortes prematuras e doenças, aumentar a expectativa de vida, melhorar a qualidade de vida e garantir a privacidade, segurança e dignidade de todos. Pois investir em água e saneamento faz tudo isso e mais.

É hora dos legisladores do mundo todo - dos governos doadores e instituições financeiras aos bancos nacionais e cooperativas locais - aproveitarem a oportunidade que a crise está criando. Há uma enorme oferta de opções de financiamento no cardápio, e as potenciais recompensas são enormes.

KEVIN RUDD

Kevin Rudd, um ex-primeiro ministro da Austrália, é presidente do Asia Society Policy Institute em Nova York e presidente de alto nível da Parceria Global das Nações Unidas sobre Saneamento e Água para Todos.

 

 

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