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A NECESSIDADE DA REMISSÃO DA DÍVIDA A FAVOR DO CLIMA
Autor: Shamshad Akhtar, Kevin P. Gallagher, Stephany Griffith-Jones, Jörg Haas, Ulrich Volz

28-08-2020

Aproxima-se uma crise global da dívida.  Ainda antes de a COVID-19 se espalhar pelo mundo, o Fundo Monetário Internacional emitiu um alerta sobre o peso da dívida pública dos países em desenvolvimento, referindo que metade de todos os países de baixo rendimento estavam “em situação de risco elevado de virem a estar ou de já estarem sobre-endividados”. À medida que a crise económica se vai agravando, esses países estão a vivenciar contracções exorbitantes de produção, ao mesmo tempo que os esforços de alívio e recuperação da COVID-19 exigem um enorme aumento nas despesas.

De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, os pagamentos por parte dos países em desenvolvimento das respectivas dívidas públicas externas custarão entre 2,6 e 3,4 biliões de dólares só em 2020 e 2021.Consequentemente, os analistas de mercado sugerem agora que quase 40% da dívida externa soberana dos mercados emergentes e de fronteira podem estar em risco de incumprimento no próximo ano.

Pior, as medidas para enfrentar esta crise da dívida colidirão de frente com os esforços globais para combater as alterações climáticas, a desigualdade e outras crises mundiais crescentes. Precisamos, portanto, de pensamentos criativos sobre como promover vários objectivos ao mesmo tempo. Temos de alcançar uma forte recuperação da crise que foi induzida pela pandemia e mobilizar biliões de dólares para a transição para uma economia mais estável a nível financeiro, socialmente inclusiva e de baixo carbono.

Em Abril, os ministros das finanças do G20 aprovaram uma Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida para suspender temporariamente o serviço da dívida para os países mais pobres do mundo enquanto gerem a crise provocada pela COVID-19. Infelizmente, poucos países devedores aceitaram esta oferta, temendo as reacções dos mercados e das agências de classificação. Além disso, os credores do sector privado recusaram-se amplamente a oferecer uma tolerância significativa por conta própria, eliminando assim os esforços dos governos.

Na ausência de novas formas de apoio à liquidez e grande alívio da dívida, a economia mundial não pode regressar aos níveis de crescimento anteriores à pandemia sem correr o risco de graves dificuldades climáticas e agitações sociais. Os cientistas climáticos dizem-nos que, para se cumprir as metas estabelecidas no Acordo climático de Paris, as emissões globais líquidas de dióxido de carbono têm de cair cerca de 45% até 2030 e 100% até 2050. Tendo em conta que os efeitos das alterações climáticas já estão a ser sentidos em todo o mundo, os países precisam urgentemente de aumentar os seus investimentos relacionados com a adaptação e mitigação climáticas.

Mas isso não será possível se os governos estiverem atolados numa crise de dívida. No mínimo, as exigências do serviço da dívida levarão os países a tentar obter receitas de exportação a qualquer custo, inclusive cortando custos em infra-estruturas resilientes ao clima e intensificando o uso de combustíveis fósseis e a extracção de recursos.  Este percurso de acontecimentos depreciaria ainda mais os preços das matérias-primas, criando um ciclo ruinoso para os países produtores.

À luz destas preocupações, o G20 apelou ao FMI “para explorar ferramentas adicionais que poderiam satisfazer as necessidades dos seus membros à medida que a crise evolui, recorrendo a experiências relevantes de crises anteriores”.  Uma dessas ferramentas que deveria ser considerada é um mecanismo da “remissão da dívida a favor do clima”. Nas décadas de 1980 e 1990, os países em desenvolvimento e os respectivos credores envolveram-se em “trocas da dívida pela natureza”, por meio das quais o alívio da dívida estava vinculado a investimentos em reflorestação, biodiversidade e protecções para os povos indígenas.

Este conceito deveria ser agora alargado para incluir investimentos centrados nas pessoas que enfrentem as alterações climáticas e a desigualdade. Os países em desenvolvimento necessitarão de recursos adicionais se quiserem ter alguma hipótese de deixar os combustíveis fósseis no solo, investir o suficiente na adaptação climática e criar oportunidades de emprego no século XXI. Uma fonte de tais recursos é o alívio da dívida condicionado a esses investimentos.

Uma ferramenta política deste tipo não só nos colocaria no caminho da recuperação, mas também poderia ajudar a prevenir futuros problemas de sustentabilidade da dívida que pudessem surgir à medida que mais reservas de combustíveis fósseis e infra-estruturas não resilientes se fossem tornando “activos”. Além disso, o declínio dramático no custo da energias renováveis representa uma oportunidade para um grande impulso no investimento em infra-estruturas de energia com zero de carbono, que por si só ajudaria a desagravar a pobreza energética e o crescimento insustentável.

Alguns economistas estimam que colocar a economia mundial na trajectória necessária para limitar o aquecimento global a 1,5 ºC geraria cerca de 150 milhões de empregos em todo o mundo. Simultaneamente, o Production Gap Report do Programa das Nações Unidas para o Ambiente mostrou que os planos de produção actuais empurrariam as emissões atmosféricas para lá do limite do que é sustentável. Então, para se cumprir as metas do Acordo climático de Paris, mais de 80% de todas as reservas comprovadas de combustíveis fósseis terão de permanecer no solo.

Dadas as realidades da crise climática, seria disparatado incluir investimentos de alto risco na extracção de combustíveis fósseis e infra-estruturas adequadas como parte de qualquer estratégia de recuperação Felizmente, com a remissão das dívidas a favor do clima, poderíamos conduzir activamente a transição para uma economia de baixo carbono, ao mesmo tempo que estabilizamos os preços das matérias-primas e fornecemos espaço fiscal para os países em desenvolvimento investirem em resiliência e desenvolvimento sustentável.

Não há dúvida de que muitos países precisarão do alívio da dívida para responderem de forma eficaz à crise da COVID-19 e para protegerem nessa altura as suas economias do clima de uma forma socialmente inclusiva. Para muitas pessoas nos países mais vulneráveis ​​às alterações climáticas, conseguir os recursos para esses investimentos é uma questão de sobrevivência.

O G20 pediu ao FMI para desenvolver novas ferramentas e estratégias para apresentar nas suas cimeiras deste Outono. Um ambicioso acordo global para trocar as dívidas por acções climáticas e igualdade social deveria ser colocado no topo da agenda.

SHAMSHAD AKHTAR

Shamshad Akhtar, ex-governador do Banco do Estado do Paquistão, é presidente do Conselho de Administração do Karandaaz Paquistão.

KEVIN P. GALLAGHER

Kevin P. Gallagher é Professor de Política de Desenvolvimento Global e Director do Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston.

STEPHANY GRIFFITH-JONES

Stephany Griffith-Jones é Emeritus Fellow no Institute of Development Studies da University of Sussex e Financial Markets Director da Initiative for Policy Dialogue da Columbia University.

JÖRG HAAS

Jörg Haas é chefe de política internacional na Fundação Heinrich Böll.

ULRICH VOLZ

Ulrich Volz, Investigador Sénior do Instituto Alemão de Desenvolvimento, é Director do Centro SOAS para Finanças Sustentáveis e Leitor em Economia na Universidade SOAS de Londres.

 

 

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