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SALVAR O NOSSO MUNDO NATURAL: AGORA OU NUNCA
Autor: Enric Sala

13-03-2020

O mundo está numa encruzilhada. O futuro da vida no nosso planeta – e, consequentemente, o nosso próprio futuro – está em risco. A humanidade passou dos limites na sua busca pela riqueza. Investigações mostram  que alterámos mais de 75% do território global não coberto por gelo. Mais de metade da superfície habitável do planeta é actualmente usada para produzir alimentos, e os terrenos selvagens ocupam menos de 25% da Terra. Os oceanos foram igualmente atingidos. No último século, foi removido do mar  90% do pescado de grandes dimensões, e 63% das reservas foram alvo de pesca excessiva.

Para piorar a situação, as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) provenientes da indústria, da agricultura e da de florestação aumentaram significativamente desde 1970. Com a aceleração do aquecimento global provocado pelos humanos, não podemos continuar a ignorar a perda das áreas naturais nem a ameaça das alterações climáticas.

Já sabemos que se a conversão de território e as emissões de GEE não forem reduzidas até 2030, será impossível limitar o aquecimento global a 2 °C acima dos níveis pré-industriais, como previsto no acordo de Paris sobre o clima de 2015. Aliás, mesmo um aquecimento de 1,5 °C constituiria uma  ameaça séria  à biologia planetária, acelerando uma sexta extinção em massa que já está em curso. À medida que os ecossistemas se desfizerem, diminuirá a qualidade de vida para todas as espécies, incluindo para os humanos.

Quando os ecossistemas forem comprometidos, os bens naturais que proporcionam – ar e água limpos, polinização de culturas e protecção contra tempestades – decrescerão inevitavelmente. Estudos demonstram que a redução do acesso a água potável e a intensificação das tempestades e secas relacionadas com as alterações climáticas podem desalojar 100 milhões de pessoas só nos próximos 30 anos.

Os humanos não serão os únicos a sofrer num mundo em aquecimento. Afinal, partilhamos o planeta com cerca de nove milhões de espécies de plantas e animais. À medida que os ecossistemas entrarem em falência, espécies de grande e pequena dimensão serão cada vez mais pressionadas, e necessitarão de adaptar-se ou desaparecerão. Muitas extinguir-se-ão, e demorarão milhões de anos até que a Terra recupere a mesma amplitude e intensidade de biodiversidade. Com o planeta alterado de forma fundamental e irreversível, as implicações para a própria humanidade seriam imediatas e profundas.

Para evitarmos este cenário, temos primeiro de recordar que o acordo de Paris sobre o clima de 2015 foi sempre um acordo pela metade: aborda as causas do aquecimento global, mas omite a ameaça aos sistemas naturais de que toda a vida depende. Hoje, só protegemos 15% das terras e 7% dos nossos oceanos. Contudo, estudos demonstram que até 2030 temos de proteger o dobro das terras e o quádruplo dos oceanos, apenas para preservar ecossistemas essenciais e para evitar os efeitos mais catastróficos das alterações climáticas. A protecção das áreas naturais, portanto, é o elo que falta para manter a prosperidade num mundo em aquecimento.

Durante a preparação da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, que se realizará este ano em Kunming, na China, cientistas e outros interessados desenvolveram o Acordo Global para a Natureza. Sendo um plano calendarizado e de base científica para proteger 30 % das terras e dos oceanos até 2030, o Acordo Global é uma pedra angular para a conservação de 50% da Terra no seu estado natural até 2050. Durante a próxima década, precisamos de conquistar mais em termos de conservação do que o conseguido durante o século passado. Para concretizar este objectivo é necessária uma aceleração rápida e colectiva dos esforços de conservação em todo o mundo.

Tão importante quanto a extensão das terras e águas protegidas é a diversidade e a saúde das áreas naturais. As protecções terrestres têm de preservar os ecossistemas necessários às espécies ameaçadas, atenuar as alterações climáticas e preservar a biodiversidade. E, nos oceanos, a prevenção do colapso das espécies e a manutenção da pesca sustentável requer protecções exaustivas para habitats críticos, espécies ameaçadas e corredores migratórios.

Embora a tarefa seja desafiante, a protecção de 30% das terras e dos oceanos até 2030 é possível. Os cépticos dirão que precisamos de usar as terras e os oceanos para alimentar os previstos dez mil milhões de pessoas que partilharão o planeta em 2050, e que as protecções propostas são demasiado dispendiosas ou difíceis. Mas a investigação já demonstra que o objectivo dos 30% é alcançável usando as tecnologias actuais e assumindo os padrões de consumo actuais, desde que ocorram alterações na política, na produção e nos gastos de governos e empresas.

Além disso, a procura de alimentos necessários ao sustento da nossa população crescente pode ser satisfeita com os nossos actuais terrenos agrícolas, bastando para tal reduzir o desperdício alimentar. Mas também precisamos de revitalizar a pesca artesanal costeira, e desenvolver uma agricultura regenerativa que produza alimentos locais e mais saudáveis, e que ao mesmo tempo reconstitua os solos e absorva grande parte da poluição de carbono que emitimos para a atmosfera. Se redireccionarmos todos os anos uma parte do financiamento governamental que subsidia actividades piscatórias e agrícolas insustentáveis, podemos proteger as áreas naturais que proporcionam aos humanos “serviços ambientais” no valor de 125 biliões de dólares por ano. Se identificarmos e atenuarmos os riscos que a natureza representa para as empresas, podemos criar uma economia sustentável que beneficie tanto a humanidade como o mundo natural.

Temos uma oportunidade para conseguir isto. Proteger uma porção muito maior do mundo natural é um objectivo ambicioso. Mas é um objectivo que garantirá um futuro vibrante para a humanidade e para todas as espécies com que partilhamos este planeta. O Acordo Global para a Natureza, juntamente com o acordo de Paris, podem salvar a diversidade e a abundância da vida na Terra. O nosso próprio futuro depende de estarmos à altura do desafio.

ENRIC SALA

Enric Sala é Explorer-in-Residence na National Geographic Society.

 

 

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