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FALEMOS DE GEOENGENHARIA
Autor: David Keith

29-03-2019

As negociações sobre as tecnologias de geoengenharia terminaram num impasse na Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente em Nairobi, no Quénia, na semana passada, quando uma proposta apresentada pela Suíça de nomear um painel de especialistas da ONU para o assunto foi retirada devido a desacordos por motivos de linguagem. Isto é lamentável, porque o mundo precisa de um debate público sobre novas maneiras de reduzir os riscos climáticos.

Sem entrar em especificidades, o impasse derivou de uma disputa no seio da comunidade ambiental relativamente ao crescente interesse científico na geoengenharia solar – a possibilidade de reflectir intencionalmente uma pequena quantidade de luz solar de volta para o espaço, ajudando desse modo a combater as alterações climáticas. Alguns grupos ambientalistas da sociedade civil, convencidos de que a geoengenharia solar será prejudicial ou indevidamente utilizada, opõem-se a investigações adicionais, à análise de políticas, e ao debate sobre o tema. Outros, incluindo alguns grupos ambientais importantes, apoiam a investigação cautelosa.

Ao reflectir a luz do sol para longe da Terra – talvez através da injecção de aerossóis na estratosfera – a geoengenharia solar poderia compensar parcialmente o desequilíbrio energético causado pela acumulação de gases com efeito de estufa. A investigação feita a partir da maioria dos principais modelos climáticos sugere que a geoengenharia solar pode reduzir riscos climáticos importantes, como as alterações na disponibilidade da água, na precipitação extrema, no nível dos oceanos e na temperatura. Mas qualquer versão desta tecnologia acarreta riscos próprios, incluindo a poluição atmosférica, os danos à camada de ozono, e alterações climáticas não previstas.

Contudo, a investigação sobre a geoengenharia solar é altamente controversa. Isto limitou o financiamento da investigação a alguns pequenos programas à volta do mundo, embora um número cada vez maior de climatologistas esteja a começar a trabalhar neste tópico usando fundos existentes para a investigação climática.

A que se deve a controvérsia? Muitos temem, e com bons motivos, que os interesses associados aos combustíveis fósseis explorarão a geoengenharia solar para se oporem aos cortes de emissões. A grande maioria dos que pesquisam a geoengenharia solar ou que defendem a sua inclusão nos debates sobre política climática também apoiam medidas muito mais enérgicas para a redução de emissões. Mesmo assim, é muito provável que os Grandes Fósseis (NdT: no original,Big Fossil;   termo utilizado para descrever organizações que dependem da utilização de combustíveis fósseis ) – desde as grandes multinacionais energéticas até às regiões dependentes do carvão – acabem por usar a discussão da geoengenharia para combater as restrições às emissões.

Mas esse risco não é motivo suficiente para abandonar ou suprimir a investigação na geoengenharia solar. Os ambientalistas gastaram décadas a lutar contra a oposição dos Grandes Fósseis à protecção do clima. E embora a evolução tenha sido insuficiente até agora, registaram-se alguns sucessos. O mundo gasta agora mais de 300 mil milhões de dólares por ano em energia com baixo teor de carbono, e os jovens estão a trazer uma nova energia política para a luta por um clima mais seguro.

O debate aberto sobre a geoengenharia solar não enfraqueceria o compromisso dos defensores do ambiente, porque estes sabem que as emissões devem ser completamente eliminadas para conseguirmos um clima estável. No pior dos casos, um debate dessa natureza poderia tornar algumas pessoas do amplo e pouco envolvido centro da batalha climática menos interessadas em cortes de emissões no curto prazo. Mas mesmo isto não é certo; existem evidências empíricas de que a consciencialização pública sobre a geoengenharia aumenta o interesse no corte de emissões.

É sensato concentrarmo-nos na redução de emissões, e é razoável preocuparmo-nos com o facto de que o debate sobre a geoengenharia solar poderia distrair-nos desse combate. Mas é errado deixarmo-nos levar por uma monomania em que os cortes de emissões se tornem o único objectivo da política climática.

Independentemente de ser vital, a eliminação das emissões só deixa de aumentar o fardo de dióxido de carbono na atmosfera. O CO 2   da era dos combustíveis fósseis, e as alterações climáticas resultantes, persistirão. Precisamos de uma adaptação que aumente a resiliência às alterações climáticas. Mas a adaptação por si só não é solução. Nem a geoengenharia solar é solução. Nem mesmo a remoção de CO 2   da atmosfera – outro conjunto emergente de tecnologias que foi considerado na proposta apresentada pela Suíça em Nairobi.

Como afirmou o escritor americano H.L. Mencken, “existe sempre uma solução bem conhecida para cada problema humano – simples, plausível, e errada”. Os problemas complexos como as alterações climáticas raramente têm uma solução única.

A minha esperança é que as reduções das emissões, a geoengenharia e a remoção de carbono possam funcionar em conjunto para reduzir os efeitos humanos e ambientais das alterações climáticas para além do que é possível apenas com as reduções das emissões.

Será esta esperança justificada? A comunidade científica da geoengenharia é reduzida e dominada por um grupo restrito de membros, a maioria dos quais são (como eu) brancos, homens, e provêm da Europa ou da América. O pensamento de grupo (NdT: no original, groupthink ) é uma nítida possibilidade. Podemos facilmente estar errados. Seria imprudente aplicarmos a engenharia solar apenas baseados na esperança e em investigações iniciais.

Em vez disso, um programa de investigação internacional e de acesso livre poderia, no espaço de uma década, melhorar substancialmente a compreensão dos riscos e a eficácia da geoengenharia solar. Um tal programa custaria uma pequena porção das somas actualmente despendidas na climatologia, e muito menos de 0,1% dos gastos necessários à redução de emissões. Um programa sensato reduziria o pensamento de grupo através do aumento da diversidade dos investigadores, e do estabelecimento de uma tensão deliberada entre equipas de investigação que desenvolvam cenários específicos de implementação e outras incumbidas de examinar de forma crítica como poderão esses cenários fracassar.

A governação constitui o desafio mais árduo para a geoengenharia. Um programa de investigação global deveria, por conseguinte, ser associado a um debate internacional alargado sobre estas tecnologias e a sua governação. Esse debate foi infelizmente interrompido em Nairobi na semana passada.

Embora a minha geração não vá usar a geoengenharia solar, parece plausível que antes de meados deste século uma catástrofe climática dramática obrigará alguns governos a fazê-lo. Ao anteciparem agora o debate e a investigação sobre a geoengenharia, os líderes políticos poderão estar à espera de eliminar os riscos de utilização indevida futura. Mas, na verdade, a sua posição poderá aumentar este perigo.

Os humanos raramente tomam boas decisões se escolherem a ignorância em vez do conhecimento, ou se preferirem a política da porta fechada ao debate aberto. Em vez de mantermos as gerações futuras no escuro relativamente à geoengenharia solar, devíamos esclarecê-las o máximo que conseguirmos.

DAVID KEITH

David Keith, professor de física aplicada na Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard (SEAS) e professor de políticas públicas na Kennedy School of Government de Harvard, é o fundador da Carbon Engineering.

 

 

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