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Os idos da crise climática
Autor: Éloi Laurent

22-03-2019

Nos Idos de Março (15 de Março), o dia em que os antigos romanos deviam pagar as suas dívidas, jovens oriundos de 60 países de todo o mundo organizarão uma manifestação escolar junto de líderes do mundo da imprensa para acções mais urgentes sobre as alterações climáticas. É uma tragédia que as gerações mais jovens sejam forçadas a tomar posição contra a injustiça de que serão vítimas, devido a opções tomadas por outras pessoas; porém, ao mesmo tempo, é profundamente reconfortante testemunhar o seu poder e a sua paixão em tentarem alterar o rumo da história.

As preocupações sobre a injustiça intergeracional da crise climática estão associadas à desigualdade actualmente existente. Seguindo as pegadas do seu homónimo papal, Francisco de Assis (nomeado Santo Patrono da Ecologia em 1979), o Papa Francisco observou, na sua encíclica de 2015, que “enfrentamos não duas crises distintas, uma ambiental e outra social, mas antes uma única crise complexa que é simultaneamente social e ambiental”.

Isto significa que a transição necessária para uma economia sustentável do ponto de vista ecológico não pode ignorar os desafios já hoje enfrentados por muitas pessoas. Mas tal como os problemas das alterações climáticas e da desigualdade caminham a par, o mesmo acontece com as soluções. A adopção das energias renováveis, por exemplo, pode também produzir enormes benefícios para a saúde, criar empregos, e melhorar outros indicadores de bem-estar social. Com efeito, segundo a Comissão Lancet, “enfrentar as alterações climáticas poderá ser a maior oportunidade global para a saúde no século XXI”.

Como as gerações mais jovens já reconheceram, os nossos sistemas económicos não podem continuar a basear-se na lógica das contrapartidas, e devem começar a seguir a lógica da sinergia socio-ambiental. Felizmente, um número crescente de decisores políticos está também a chegar a esta conclusão.

Considerem-se as propostas nos Estados Unidos para um “New Deal Verde”, concebido para resolver a “injustiça sistémica” que impulsiona as crises ecológicas do presente, cujo maior fardo é carregado por “comunidades vulneráveis e na linha da frente”. As provações e calamidades que estas populações – que incluem crianças, idosos, desfavorecidos e muitas minorias étnicas – já sofrem cairão sobre nós se continuarmos a destruir o nosso habitat cegamente e com abandono.

Ou considere-se uma recente carta aberta co-subscrita por muitos dos maiores economistas mundiais, que apela a “dividendos de carbono” do tipo proposto pelo economista James K. Boyce. É certo que uma tal política ajudaria a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Mas só seria bem-sucedida se incluísse medidas para assegurar que os mais vulneráveis não são prejudicados pela introdução de um preço para o carbono. Em princípio, os recentes protestos em França terão servido de aviso para os decisores políticos que considerem esse rumo. As políticas ambientais têm de ser também políticas sociais.

Um país que está a fazer progressos notáveis no sentido da sinergia socio-ambiental é a China. Agora que a guerra do governo contra a poluição começou a mostrar resultados, pessoas de muitas regiões do país estão a aproveitar os benefícios da melhor qualidade do ar. Segundo o Índice de Qualidade do Ar, recentemente publicado pelo Energy Policy Institute, a exposição contínua a partículas em suspensão na atmosfera pode implicar uma menor esperança de vida nas comunidades afectadas. Contudo, ao reduzir a poluição local, especialmente nas áreas urbanas, a China não está apenas a melhorar o bem-estar dos seus cidadãos; está também a reduzir a poluição por dióxido de carbono em termos globais.

Os decisores políticos na Europa também estão a defender propostas concretas para se atingirem as metas da igualdade sustentável. Por exemplo, um relatório da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu reconhece que “a desigualdade é uma questão ambiental tal como a degradação ambiental é também uma questão social”. Nestes termos, o relatório oferece uma série de recomendações para reduzir emissões em sectores essenciais como a indústria pesada e a agricultura, apoiando simultaneamente as comunidades que serão mais afectadas.

Por definição, todas as políticas que sejam concebidas em torno da sinergia socio-ambiental produzirão benefícios mútuos relativamente à desigualdade e às alterações climáticas. Mas, de forma igualmente importante, também beneficiarão a humanidade, tanto no presente como no futuro.

A verdade é que as nossas sociedades serão mais justas se forem mais sustentáveis, e serão mais sustentáveis se forem mais justas. As sociedades que se tenham tornado mais frágeis do ponto de vista social e político devido à desigualdade estarão mal preparadas para enfrentar os choques ambientais decorrentes das alterações climáticas. E à medida que as condições ecológicas continuarem a deteriorar-se, devemos preparar-nos para testemunhar uma explosão de injustiças, novas e antigas.

“Porque me deveria preocupar com as gerações futuras?” é uma pergunta alegadamente atribuída a Groucho Marx: “o que é que elas fizeram por mim?” No dia 15 de Março, jovens de todo o mundo lembrar-nos-ão de que essa pergunta é irrelevante. Enquanto a nossa dívida para com a prosperidade aumenta cada vez mais, os jovens estão meramente a pedir que os ajudemos, ajudando-nos a nós próprios.

ÉLOI LAURENT

Éloi Laurent é Investigador Sénior no OFCE (Centro de Pesquisa Económica da Sciences Po, Paris), professor da Escola de Administração e Inovação da Sciences Po e professor convidado da Universidade de Stanford. Ele é o autor do próximo livro A Nova Economia Ambiental - Sustentabilidade e Justiça.

 

 

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