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Uma visão radicalmente realista sobre o clima
Autor: Barbara Unmüssig

09-11-2018

De acordo com o mais recente relatório efectuado pelo Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC) - a principal autoridade científica sobre o aquecimento global a nível mundial - evitar que as temperaturas globais aumentem mais do que 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais é um objectivo viável. A posição do PIAC representa um passo na direcção do tipo de "realismo radical" que muitos intervenientes da sociedade civil defendem há muito.

O PIAC não aposta em propostas de geo-engenharia - por exemplo, a captura em águas profundas de grandes quantidades de dióxido de carbono atmosférico ou "o escurecimento do Sol" por pulverização da atmosfera com aerossóis - para combater o aquecimento global. Estas soluções amplamente teóricas poderiam ter consequências incalculáveis para as pessoas e para os ecossistemas, não só piorando a crise do clima, como também as outras crises sociais e ecológicas que enfrentamos.

Em vez disso, o PIAC concentra-se, em primeiro lugar, na forma como podemos evitar ultrapassar o limiar de 1,5 ºC. Afirma que é necessário descarbonizar a economia mundial imediatamente para assegurar que as emissões globais de CO 2 diminuem cerca de 45% até 2030 e que atingem o zero até 2050.

Alcançar este objectivo exigirá não apenas transformar a actividade económica, como também enfrentar a dinâmica do poder destrutivo e as desigualdades sociais. O "Radical Realism for Climate Justice", uma nova antologia publicada pela Fundação Heinrich Böll, define as estratégias desenvolvidas pela sociedade civil internacional e pelos movimentos sociais para realizar tais mudanças.

De acordo com a mensagem central do PIAC, é urgentemente necessária uma redução politicamente gerida da produção de combustíveis fósseis. Isto significa pôr um travão à produção e à exploração de petróleo, de carvão e de gás. Tal como observa o grupo Oil Change International, isto não significa uma acção abrupta ou aterrorizada que poderia levar a uma “interrupção súbita e drástica da produção de combustíveis fósseis, paralizando activos, prejudicando as economias, os trabalhadores e das comunidades dependentes do sector da energia”.

Na construção do sector das energias renováveis, deveríamos evitar replicar sistemas que fomentaram a desigualdade e enraizaram a dinâmica do poder destrutivo no sector dos combustíveis fósseis e de outras indústrias. Isto significa substituir uma abordagem baseada no mercado e focada no investidor para a produção de energia por uma estratégia que trate a energia como um bem público, ao mesmo tempo que concebe uma mudança no sentido da apropriação social e da gestão do abastecimento de energia.

Alicerçada na soberania da energia e na auto-determinação, esta abordagem poderia estimular uma descarbonização mais rápida, inclusivamente mediante o enfraquecimento do poder dos interesses instituídos para resistir à mudança. Isto também facilitaria a reestruturação dos sistemas de energia de modo a responder às necessidades sociais e ecológicas.

Outra transformação ao nível de sistema que facilitaria grandes reduções das emissões seria a criação de uma economia circular sem resíduos, em que tudo o que produzimos e consumimos retornaria com segurança à natureza ou seria reciclado e reutilizado. Consideremos a produção têxtil, que em 2015 gerou emissões de gases com efeito de estufa equivalentes a 1,2 mil milhões de toneladas de CO 2 . Estas emissões maciças - superiores ao total combinado de todos os voos internacionais e da navegação marítima - reflectem uma cultura de "moda efémera" que produz peças de vestuário o mais barato possível com a expectativa da renovação constante do guarda-roupa das pessoas. Se cada peça fosse substituída metade das vezes do que é habitual, o total de emissões de gases com efeito de estufa cairia para 44%.

Uma economia circular sem resíduos para o sector têxtil incluiria não só uma maior utilização do vestuário produzido, como também melhoraria a reciclagem e o reaproveitamento de materiais para evitar processos de eliminação de resíduos que geram emissões, como a incineração. As principais vantagens viriam da introdução de processos de produção com menos resíduos.

Deviam igualmente ser dados passos importantes em matéria de uso dos solos (que abrange a agricultura e mudanças no ordenamento). Tal como demonstra o movimento internacional de trabalhadores rurais La Via Campesina, as emissões do sistema industrial de produtos alimentares - incluindo as provenientes da produção, dos fertilizantes, do transporte, da transformação, da embalagem, da refrigeração e dos resíduos dos produtos alimentares e da desflorestação associada à expansão da agricultura industrial - representam 44-57% do total global.

Um sistema de produção agro-ecológico baseado na soberania alimentar, na agricultura em pequena escala e na agro-ecologia poderia, defende a La Via Campesina, reduzir as emissões de carbono provenientes da agricultura em poucas décadas. Está provado que esta abordagem funciona: pequenos agricultores, camponeses, pescadores, comunidades indígenas, trabalhadores rurais, mulheres e jovens já alimentam 70% da população mundial, recorrendo apenas a 25% dos seus recursos agrícolas.

É igualmente necessário restaurar os ecossistemas naturais que foram destruídos. As florestas e as turfeiras, em particular, podem capturar várias centenas de gigatoneladas de CO 2   da atmosfera. A sua restauração protegeria não apenas a biodiversidade, mas também a população local, incluindo as comunidades indígenas cujos direitos de posse de terras têm sido sistematicamente violados. Na verdade, a manutenção e expansão da área sob a gestão dos povos indígenas e das comunidades locais permitiria proteger mais de 1 000 GtCO 2   de reservas de carbono.

De acordo com o relatório da Aliança para o Clima, a Terra, a Ambição e os Direitos, as abordagens baseadas nos ecossistemas no sector do uso dos solos e as mudanças agro-ecológicas nos sistemas de produção e de consumo alimentar poderiam gerar o equivalente a 13 GtCO 2   por ano em emissões evitadas, e quase o equivalente a 10 GtCO 2   anualmente em carbono capturado até 2050. O resultado seria 448 GtCO 2   em remoções cumulativas até 2100 - cerca de dez vezes as emissões anuais globais actuais.

Limitar a temperatura global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais é a nossa melhor esperança no sentido de travar os efeitos de uma crise climática nascida de injustiças históricas e de desigualdades arraigadas. A única forma de ser bem sucedido será empreender uma mudança para um novo sistema sócio-económico. Isto significa abandonar a obsessão relativa ao crescimento do PIB - que facilitou a proliferação de padrões de produção e de consumo que gram enormes quantidades de resíduos e fomentou a desigualdade e a injustiça económica e social - a favor de uma abordagem centrada nos bens públicos que sirva genuinamente para melhorar a vida das pessoas.

Exigir uma tal transformação não é uma "ingenuidade nem algo "politicamente inviável". É radicalmente realista. De facto, é a única forma de podermos alcançar a justiça social e, ao mesmo tempo, proteger o nosso ambiente das devastadoras alterações climáticas.

BARBARA UNMUSSIG

Barbara Unmussig é presidente da Fundação Heinrich Böll.

 

 

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