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As catástrofes são discriminatórias — a resposta às catástrofes não deve sê-lo
Autor: Bharati Sadasivam

12-10-2018

Quando os deslizamentos de terras devastaram parte da província de Khatlon no Tajiquistão no início de 2009, a aldeia de Baldzhuvan encontrava-se melhor preparada do que a maioria. Bibi Rahimova, uma organizadora da comunidade local, alertara as pessoas durante anos para os perigos de viverem numa zona de terreno instável. Por conseguinte, quando a encosta cedeu, as 35 famílias de Baldzhuvan foram evacuadas com segurança e não houve registo de mortes.

Rahimova fazia parte de um grupo de emergência da vila que recebeu formação por parte da Oxfam Internacional no domínio da redução dos riscos de catástrofe; os esforços que envidou antes, durante e após os deslizamentos de lamas tornaram-na uma heroína na região acidentada do oeste do Tajiquistão. Porém, o seu heroísmo teve ainda outros efeitos: serviu como um lembrete de que é possível salvar vidas quando as mulheres são incluídas no processo de planeamento e recuperação de situações de catástrofe.

As catástrofes naturais afectam desproporcionalmente mulheres e crianças, especialmente nos países onde o nível sócio-económico das mulheres é baixo. Por exemplo, quando a Oxfam fez o levantamento do número de vítimas mortais causadas pelo tsunami de Dezembro 2004 no Oceano Índico, verificou que o número de mortes de mulheres foi quase quatro vezes superior ao número de mortes de homens; na India, na Indonésia e no Sri Lanka, 60-80% do número de vítimas mortais eram mulheres. Estes rácios repetiram-se num sem número de outras catástrofes. O problema começa com a forma como as catástrofes são divulgadas nos meios de comunicação social, dando-se pouca atenção às diferenças no número de homens e mulheres afectados.

Muitos factores contribuem para o risco desigual, mas o preconceito de género é uma das causas principais. Nos países pobres, as mulheres são quase sempre as principais cuidadoras e o facto de serem responsáveis por crianças, pessoas idosas, doentes e incapacitados pode atrasar as evacuações. Quando um terramoto atingiu o sudoeste da Turquia em 2011, o número de vítimas mortais entre mulheres e crianças foi significativamente mais elevado do que o correspondente número de homens, porque muitas cuidadoras encontravam-se em casa naquele momento.

A investigação também sugere que os sistemas de alerta precoce falham requentemente no reconhecimento de que os homens e as mulheres têm reacções e atitudes diferentes relativamente às informações sobre catástrofes. Após as cheias que inundaram partes do território sérvio em 2014, grupos de reflexão constataram que as mulheres tinham aguardado pela notificação oficial para procederem à evacuação, enquanto os homens basearam o seu êxodo em informações divulgadas nas redes informais. Não será demais concluir que se as instruções oficiais se tivessem atrasado ou não existissem, mais mulheres teriam morrido. O trabalho fora de casa não assegura necessariamente a protecção contra os riscos relacionados com as catástrofes. Consideremos o comércio têxtil, uma indústria dominada por mulheres que também é conhecido por instalar fábricas em edifícios inseguros que estão frequentemente entre os mais vulneráveis aos terramotos.

A somar a estes perigos, as mulheres que sobrevivem a catástrofes enfrentam frequentemente desafios relacionados com a violência sexual e a violência baseada no género durante a fase da recuperação. Nos alojamentos ou nos acampamentos provisórios, as mulheres e as raparigas são mais vulneráveis à violência e ao tráfico e enfrentam muitas vezes situações sanitárias deficitárias, falta de privacidade e acesso limitado a produtos de higiene menstrual e aos serviços de saúde reprodutiva. Embora os responsáveis pela gestão dos esforços de recuperação possam compreender intuitivamente as necessidades das mulheres, o planeamento e a resposta às situações de catástrofe fracassam ao não terem em conta as diferenças das necessidades e das preocupações das mulheres e dos homens.

De facto, alguns acordos internacionais começam a enfantizar as diferenças de género nas consequências das catástrofes naturais e das catástrofes causadas pelo Homem. Um exemplo recente é o Quadro de Sendai para a Redução dos Riscos de Catástrofe de 2015, que foi adoptado na sequência do terramoto e do tsunami do Japão em 2011. Esta resolução insta os signatários a considerarem o género em todas as fases da atenuação da catástrofe - desde a preparação até à reconstrução.

Ainda assim, muito trabalho está por fazer, na medida em que quatro domínios exigem uma atenção urgente. O primeiro prende-se com a necessidade essencial de aumentar o número de mulheres nas equipas de busca e salvamento, em parte porque é mais provável que as mulheres saibam a localização das casas com crianças e ocupantes idosos. Esta é uma das principais razões pela qual uma equipa de bombeiros e de socorristas em Kraljevo, na Sérvia, tem trabalhado desde 2016 para aumentar o número de mulheres nas suas fileiras.

O segundo prende-se com o aumento do número de mulheres que participam nos trabalhos de aconselhamento pós-catástrofe, especialmente em regiões onde as mulheres sobreviventes podem não estar tão à vontade para falar com os homens sobre os seus traumas.

O terceiro prende-se com a necessidade de adaptar o financiamento relacionado com as catástrofes às circunstâncias únicas das mulheres. Na Bósnia e Herzegovina, os programas de reconstrução introduzidos após as inundações em 2014 atribuíram elevada prioridade às concessões de alojamento para mães solteiras e canalizaram fundos de reabilitação para as empresas com um elevado número de mulheres entre os seus trabalhadores.

Talvez o desafio o mais importante seja assegurar que um maior número de mulheres tenham uma palavra a dizer nas decisões relativas à redução do risco e à resposta ao mesmo. Uma das formas de alcançar este objectivo é os líderes e as autoridades da comunidade adoptarem a lista de controlo de 20 pontos elaborada pelo Gabinete das Nações Unidas para a Redução do Risco de Catástrofes, que identifica formas de tornar o planeamento da calamidade mais reactivo ao género. A lista incentiva também os meios de comunicação social a divulgarem as diferenças de género no domínio do risco e da vulnerabilidade às catástrofes.

Finalmente, as comunidades e as autoridades responsáveis pela gestão de catástrofes em todo o mundo devem adoptar estratégias específicas de género em todas as fases do planeamento e da resposta às situações de catástrofe; um relatório recente publicado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e a ONU Mulheres poderia servir como um guia útil e prático.

Embora as catástrofes afectem comunidades inteiras, são as mulheres que suportam frequentemente a maior para do prejuízo. Se não modificarmos as nossas respostas para resolver os diferentes efeitos das catástrofes sobre as mulheres e sobre os homens — como a população de Baldzhuvan pode atestar — estas continuarão a promover a discriminação.

BHARATI SADASIVAM

Bharati Sadasivam é consultora regional de género do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para a Europa Oriental e Ásia Central.

 

 

 

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