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O Ambiente Precisa de um Tribunal Penal Internacional
Autor: Phyllis Omido

09-06-2017

NAIROBI – O anúncio dos vencedores do Prémio Goldman Environmental deste ano constitui uma oportunidade para homenagear os líderes activistas. Além disso, é também o momento para reconhecer a coragem que é necessária na prossecução dos seus esforços (e dos esforços de muitos outros).

Quando a minha estimada amiga Berta Cáceres e eu ganhámos o prémio em 2015, Berta disse no seu discurso de agradecimento: "Dei a minha vida pelo serviço da mãe terra". Pouco tempo depois, Berta foi assassinada nas Honduras. A sua história é trágica, mas não é única. Na verdade, poucos meses depois, Isidro Baldenegro López, outro agraciado com o Prémio Goldman Environmental, foi abatido a tiro.

Nunca houve uma época tão perigosa para os activistas ambientais. Veja-se a violência desencadeada contra os defensores ambientais que protestavam contra o Dakota Access Pipeline nos EUA. A polícia foi acusada de usar força excessiva para tentar dispersar os membros da tribo sioux Standing Rock e os seus apoiantes, que argumentavam que o projecto iria contaminar a água e danificar locais de sepultamento sagrados.

Felizmente, ninguém foi morto durante estes protestos. Contudo, noutros locais, em democracias mais frágeis, os defensores do ambiente que se insurgem contra os poluidores estão a pagar com a própria vida. Um relatório da Global Witness documentou 185 assassinatos em 16 países, só em 2015. Isto representa quase o dobro do número de jornalistas mortos no mesmo ano.

A minha experiência pessoal sublinha os perigos com que se defrontam os defensores do ambiente. Durante oito anos, a minha comunidade na zona rural do Quénia — Owino Uhuru — foi exposta a um envenenamento por chumbo tóxico causado pela actividade de uma fundição licenciada pelas autoridades governamentais. Para a Organização Mundial da Saúde, o envenenamento por chumbo mede-se a partir de um nível cinco microgramas por decilitro. O nível mais elevado de chumbo registado em Owino Uhuru foi de 420 microgramas por decilitro. No caso altamente divulgado de contaminação em Flint, Michigan, as leituras mostraram 35 microgramas por decilitro.

Quando a minha comunidade descobriu que estava a ser envenenada, reagiu. Escrevemos cartas ao governo e organizámos protestos pacíficos. Com o apoio da minha comunidade, fundei o Center for Justice, Governance, and Environmental Actio (CJGEA), com o objectivo de levar o Estado e as empresas a responsabilizarem-se por assegurar um ambiente limpo e saudável.

Em Fevereiro de 2016, o CJGEA entrou com uma acção judicial contra seis agências governamentais e duas entidades empresariais, mas nada aconteceu. Um ano depois, quando publicámos anúncios públicos nos jornais locais da nossa intenção de interpor uma acção judicial contra duas empresas, a agitação instalou-se.

Apesar de Berta, Isidro e tantos outros terem sido assassinados, eu não tinha plena consciência do perigo que enfrentava ao desafiar uma poderosa operação apoiada pelo governo. Passado pouco tempo, recebi um telefonema assustador, alertando-me para estar muito atento ao meu filho. Foram atacados activistas ambientais na comunidade, as suas casas foram cercadas por criminosos armados com catanas. O filho de um aliado próximo foi raptado — sendo, felizmente, mais tarde libertado — por homens não identificados.

Seria de esperar que o Estado protegesse os seus cidadãos de tais tácticas, aliás, a começar pelo envenenamento. Não infringimos nenhuma lei; pelo contrário, respeitamos a Constituição do Quénia, que garante o direito dos cidadãos a um ambiente seguro e saudável. No entanto, provavelmente, o comportamento do Estado não deveria surpreender-nos. Afinal de contas, em 2015, o governo do Quénia votou na Assembleia Geral da ONU — juntamente com apenas outros 13 — contra uma resolução das Nações Unidas que exortava à protecção dos defensores dos direitos humanos.

A natureza proporciona o suficiente para as necessidades de todos, mas não para a ganância de todos. À medida que os recursos naturais se tornam mais escassos, as terras africanas, exuberantes e ricas em minerais, estão a tornar-se mais lucrativas para os investidores que visam maximizar os lucros. No entanto, embora os governos devessem acolher as oportunidades de crescimento económico e de criação de emprego, não deveriam permitir que as empresas prejudicassem o ambiente e ameaçassem a saúde e os meios de subsistência das populações.

Tal como o demonstram histórias como a de Berta, Isidro e a minha, não podemos continuar a depender de organismos do Estado, tais como os órgãos de aplicação da lei nacional, para garantir este resultado, e muito menos para investigar e julgar crimes contra o planeta e contra aqueles que lutam por ele. É por isso que o mundo precisa de uma entidade jurídica independente, reconhecida internacionalmente, à qual as comunidades e os activistas possam recorrer para combater os crimes ambientais.

A nomeação, em Março de 2012, do primeiro relator especial da ONU para os direitos humanos e o ambiente constituiu um passo positivo. Mas precisamos de um sistema com garra. Há vinte anos, o Tribunal Penal Internacional foi instituído para julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Um tribunal semelhante deveria fazer o mesmo relativamente aos crimes contra o ambiente e os seus defensores.

Silenciar as vozes que lutam para defender as leis e os regulamentos ambientais é autodestrutivo. Morrem pessoas e morre o planeta. As pessoas que lutam para evitar estas mortes merecem protecção, para evitar mais vítimas.

Phyllis Omido

Phyllis Omido, activista ambiental do Quénia e vencedora do Prémio Goldman do Meio Ambiente de em 2015, é uma das Vozes Novas de Aspen de 2017 a seguir.

 

 

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