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O RISCO MAL CALCULADO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS
Autor: Dambisa Moyo

17-03-2017

NOVA IORQUE – Os líderes empresariais e os investidores à escala mundial estão imensamente atónitos relativamente a dois tipos de risco: o macroeconómico e o geopolítico. No curto prazo, isto significa uma concentração nos aumentos iminentes das taxas da Reserva Federal dos EUA e nas próximas eleições em França e na Alemanha. A longo prazo, isto significa a consciencialização de riscos estruturais como a dívida soberana elevada, as alterações demográficas e a escassez de recursos naturais. Mas existe um terceiro risco, sem dúvida mais pernicioso, à espreita sob o radar da maior parte dos decisores: as doenças infecciosas.

De acordo com Tom Frieden, antigo director dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, o mundo está perante um risco mais elevado do que nunca de ameaças globais à saúde. As pessoas viajam mais longe e com maior frequência. As cadeias de abastecimento, incluindo as de produtos alimentares e de medicamentos, estendem-se por todo o mundo. Um caso mal tratado de, por exemplo, tuberculose (TB) na Ásia ou na África pode surgir num hospital nos EUA dentro de dias.

Neste contexto, os cientistas estão preocupados com o aumento recente das epidemias de doenças como o Zika, o Ébola e a gripe aviária. Estão, além disso, alarmados com o ressurgimento de doenças potencialmente fatais, como a gripe, o VIH, a malária e a tuberculose.

Com efeito, em termos de fatalidades, as recentes epidemias e pandemias de doenças são muito diferentes das epidemias de gripe à escala mundial do passado. Enquanto a epidemia de SARS de 2003 causou 774 mortes e a epidemia do vírus Ébola de 2014-2015 vitimou 11 310 pessoas, a epidemia de gripe 1918-1920 custou a vida a 100 milhões de pessoas, ou seja, mais de cinco vezes o número de vítimas mortais da guerra mundial que acabava de terminar. Na verdade, cerca de 5 % da população mundial morreu.

No entanto, os riscos de doenças infecciosas que enfrentamos actualmente podem aumentar substancialmente, devido ao aumento da resistência antimicrobiana (RAM). De acordo com a Organização Mundial da Saúde, "todos os anos, 480 000 pessoas desenvolvem tuberculose multirresistente, e a resistência aos medicamentos começa também a complicar a luta contra o VIH e a malária." A resistência aos antibióticos, adverte a OMS, está agora presente em todos os países, o que coloca os doentes em risco de piores resultados clínicos e em maior risco de morte, aumentando simultaneamente o fardo que pesa sobre os sistemas de saúde.

A Directora-Geral da Saúde de Inglaterra, Sally Davies, alertou para o facto de a impotência dos medicamentos poder tornar-se catastrófica caso não seja tida em conta. Ela estima que em 2050 as infecções resistentes aos medicamentos poderiam causar a morte de uma pessoa "a cada três segundos." O estudo sobre a RAM estima que, nessa altura, cerca de dez milhões de mortes poderão ocorrer anualmente, a um custo cumulativo para a produção económica global de 100 biliões de dólares. Colocando isto em perspectiva, o PIB mundial actual totaliza 74 biliões de dólares por ano.

No entanto, as potenciais consequências humanas e económicas a longo prazo da RAM não são amplamente reconhecidas pelo público nem, em particular, pelos mercados financeiros. Na verdade, a protecção contra ameaças à saúde pública é um domínio essencial em que os mercados não são eficazes. Em resultado, os governos suportam normalmente os custos associados à prevenção e ao tratamento.

Com os orçamentos governamentais já sobrecarregados, será difícil fazer face à intensificação do fardo que a RAM representa para a saúde. No entanto, não é provável que os governos actuem rapidamente no sentido de atenuar este risco. Pelo contrário, a experiência indica que os governos se esquivam frequentemente a alinhar a despesa pública com problemas subjacentes ou crescentes como as ameaças à saúde pública, até atingirem um ponto de crise.

No ano passado nos EUA, morreram mais pessoas vítimas de cancro do que em combate. Na verdade, as 580 000 mortes causadas pelo cancro no ano passado superam as cerca de 430 000 mortes anuais em combate, em média, na Primeira Guerra Mundial, na Segunda Guerra Mundial, na Guerra da Coreia, na Guerra do Vietname e na Guerra do Golfo. No entanto, a despesa da administração pública com o cancro ascende a, aproximadamente, 4 mil milhões de dólares por ano. ou seja, o equivalente a pouco mais de 0,5 % do orçamento militar anual de cerca de 718 mil milhões de dólares.

É evidente que as decisões do governo em matéria de dotação orçamental são complicadas e têm de responder a imperativos políticos. Os militares dos EUA empregam cerca de três milhões de pessoas, o que torna o país no maior empregador do mundo. Além disso, existe uma pressão política substancial por parte de alguns círculos eleitorais no sentido de atribuir maior prioridade ao domínio militar dos EUA.

Porém, não se trata apenas de uma questão de quanto se gasta; é também uma questão de "quando" se gasta. Os governos não esperam que estale uma guerra para investir nas forças armadas. No entanto, tendem a aguardar o eclodir de uma crise antes de investirem na luta contra as doenças infecciosas.

O mundo gastou 15 mil milhões de dólares na sua resposta de emergência à epidemia de SARS e 40 mil milhões de dólares na resposta ao Ébola. Em 1918, a resposta a crises relativa à pandemia da gripe custou cerca de 17,5 biliões de dólares. Se os países tivessem gasto mais na atenuação do risco de epidemia destas doenças — por exemplo, reforçando os seus sistemas de cuidados de saúde e promovendo o uso responsável de antibióticos — esses avultados pagamentos de emergência poderiam não ter sido necessários. No mínimo, teriam provavelmente sido menos avultados.

Neste sentido, a luta contra as doenças infecciosas apresenta características muito semelhantes à luta contra as alterações climáticas. Embora a ameaça seja substancial, não é imediata, e por isso os governos persistem em prosseguir outras prioridades, permitindo que a ameaça cresça, em grande medida longe da vista. Consequentemente, não tem um preço adequado para os mercados.

Quando a crise estalar, a verdadeira dimensão da ameaça tornar-se-á clara. Nessa altura, porém, a sua contenção será muito mais difícil e dispendiosa, resultando num número muito maior de mortes. Infelizmente, esse momento pode estar mais perto do que esperam os governos ou os investidores.

Dambisa Moyo

Dambisa Moyo, economista e autora, faz parte do conselho de administração de várias corporações globais. Ela é a autora de Dead Aid, Winner Take All, e How the West Was Lost .

 

 

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