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Agricultura brasileira e o aquecimento global
Autor: Jean Marc von der Weid

10-06-2016

A agricultura tem relação com o aquecimento global como agente emissor de gazes de efeito estufa e vítima da elevação das temperaturas e do caos climático.

Quando se discute aquecimento global em geral os dedos acusadores são apontados para os combustíveis fosseis (carvão, petróleo e gás), para as cidades e as indústrias, mas poucos estão informados sobre o peso da agropecuária e, mais ainda, do sistema agroalimentar na emissão de GEE. É preciso notar, entretanto, que a agricultura está longe de ser uniforme e seus diferentes modelos tem incidências muito diferenciadas na emissão de GEE.A diferenciação dos modelos agrícolas passa pelas características socioeconômicas dos produtores e pela base tecnológica empregada. Grosso modo, podemos dizer que existem três modelos de produção agropecuária: aquele dito “moderno”, praticado por grandes empresas do agronegócio ou por alguns produtores familiares (agronegocinho), aquele dito “tradicional”, praticado por perto de 500 milhões de camponeses e aquele dito “agroecológico” às vezes confundido com “orgânico”, praticado por talvez 5 milhões de produtores, quase que essencialmente de pequeno porte e próximos, socialmente, do setor camponês tradicional.

O impacto do campesinato mundial no clima é bastante secundário e pouco dimensionado, já o do setor do agronegócio é gigantesco e o dos outros setores da cadeia agroalimentar são ainda maiores. Estes setores são os de produção de fertilizantes químicos, agrotóxicos, maquinário, indústria de processamento, refrigeração e congelamento e transporte de produtos agrícolas e atacadistas e varejistas. A participação destes últimos se dá pelas perdas de produtos agrícolas que são descartados em depósitos ao ar livre e acabam gerando forte emissão de GEE. Isto também vale, embora em menor escala, para as perdas ocorridas em restaurantes e residências e que tem o mesmo destino de um lixão.

A produção agropecuária do agronegócio, também chamada de convencional ou agroquímica, produz 11 a 15% dos GEE mas a expansão territorial do agronegócio tem um outro efeito que é ainda maior, o desflorestamento, que produz 15 a 18% dos GEE. Ou seja, a produção agropecuária representa entre 26 e 33% dos GEE emitidos por atividades humanas em todo o mundo.

O processamento e empacotamento de produtos alimentares implicam na emissão de 8 a 10% do total dos GEE, enquanto a refrigeração e congelamento são responsáveis por 2 a 4% dos GEE e o transporte de produtos agropecuários chega a emitir 5 a 6% dos GEE. Finalmente, as perdas nas várias etapas da cadeia alimentar emitem 3 a 4% dos GEE.

Somando a contribuição destes diferentes setores relacionados com a cadeia agroalimentar chegaremos a 44 a 57% das emissões de GEE. Outras pesquisas apontam para uma participação de 51% da geração de GEE apenas no subsetor pecuário desta cadeia. Seja como for, parece que agropecuária e sistemas associados representam mais da metade da geração de gases de efeito estufa de origem antropogênica.

O setor agrícola conhecido como agroecológico ou orgânico não só não emite GEE como tem alta absorção de GEE, em particular o Dióxido de Carbono.

O impacto do aquecimento sobre os três setores da agricultura também é bastante diferenciado. É preciso lembrar que o campesinato tradicional está localizado sobretudo em ecossistemas mais frágeis e vulneráveis como as zonas tropicais húmidas ou semiáridas na Ásia, África e América Latina. Já os produtores do agronegócio estão localizados sobretudo nas zonas temperadas da Europa e das Américas. Isto não quer dizer que não haja agronegócio em zonas de risco ou camponeses nas zonas mais favorecidas do ponto de vista climático mas a distribuição dominante é a indicada previamente. Ora, o efeito do aquecimento climático será muito mais severo e negativo nas áreas onde predominam os agricultores tradicionais. O IPCC prevê que a produção agrícola e pecuária da América Latina vai decrescer, que a segurança alimentar da Ásia vai ser ameaçada por secas e inundações e que a produção de cereais na África Subsaariana vai cair em 33%. No Brasil o Centro de pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Universidade de Campinas indica que a produção de soja pode cair até 24% e a de trigo até 41% até o ano 2020. A produção de café e de cacau em todo o mundo estará ameaçada pelo aumento da temperatura e pela emergência de novas pragas, fungos e doenças favorecida pelas novas condições climáticas.

A produção das áreas mais importantes do agronegócio, a América do Norte e a Europa, poderá ser favorecida pelo aquecimento global mas vai ser necessária uma grande reestruturação tecnológica para adaptar as culturas e criações às novas condições. Por outro lado, os sistemas produtivos do agronegócio estão ameaçados por outros fatores que levam à sua insustentabilidade: a destruição dos solos, a crescente carência de minério de fósforo e potássio para a produção de fertilizantes químicos, o encarecimento dos combustíveis fósseis (mesmo que estejamos passando por um hiato na tendência histórica aumento dos preços destes combustíveis) e a crescente ineficiência no controle de pragas, fungos, invasoras e doenças pelos agrotóxicos.

A urgência do enfrentamento do processo de aquecimento global é inversamente proporcional com o grau de seriedade com que os responsáveis políticos e atores econômicos olham para este dramático evento. As decisões dos fóruns internacionais que tratam deste problema são tímidas e não obrigatórias, deixando enormes chances de não serem seguidas.

Os dados científicos, admitidos por quase todo mundo menos um pequeno grupo de cientistas quase sempre relacionados com interesses diretos ou indiretos de indústrias que seriam diretamente afetadas pelas medidas de restrição às emissões de GEE, são brutais.

Quando foi realizada a Cúpula do Clima em Cancun, 2010, os governos de todo o mundo concordaram com reduzir as emissões de GEE de modo a limitar a elevação de temperatura média anual global a 2º graus centigrados no ano de 2050. Muitos cientistas avisaram, à época, que esta meta já era inalcançável e que uma elevação de 2,5 a 3º C era mais provável, sem que se excluísse uma elevação de 6º C no pior cenário.

Para que se tenha uma ideia prática sobre o que estes números significam lembremos que a ultima vez em que a temperatura global ficou 3º C acima da média no período Pliocênico, há 3 milhões de anos, o nível do mar era superior ao atual em 25 metros. O último aquecimento da ordem de 4º C, ocorreu há 55 milhões de anos, no começo do período Eocênico e o nível do mar era 75 metros acima do atual. Para que a elevação de temperatura se limite a 2º C em 2050 teria sido necessário congelar as emissões de GEE nos níveis de 2010 mas o que está ocorrendo é uma aceleração das emissões.

As propostas discutidas até agora se concentram na redução das emissões oriundas do uso de combustíveis fósseis, em particular nos transportes, no aquecimento de residências, na geração de energia elétrica e na indústria. A única referência, indireta, ao impacto da agricultura aparece na proposta de reduzir os desmatamentos. O que é preciso é atacar a produção de GEE pela agricultura e no sistema agroalimentar tão ou mais radicalmente que nas outras fontes de emissões.

A ciência e a prática da agricultura ecológica já comprovaram que este sistema não só não emite os mais poderosos GEE emitidos pela agricultura convencional (metano (CH4) e óxido nitroso N20), como ele é capaz de absorver o CO2 em excesso na atmosfera.

Pelo momento as medidas agrícolas de redução das emissões de GEE pela agricultura dos países da União Europeia não tem sido mais do que um deslocamento de algumas culturas com maior intensidade de emissões para países do terceiro mundo. Se incluirmos na conta das emissões europeias aquelas contidas nas suas importações agrícolas o resultado não é uma diminuição mas um aumento das emissões daquela região.

Calcula-se que apenas como efeito da perda de matéria orgânica pelos solos a partir da expansão da agricultura convencional ao longo do século passado foram emitidos cerca de 200 a 300 bilhões de toneladas de CO2 que hoje se acumulam na atmosfera. Por outro lado, algumas pesquisas indicam que sistemas de produção agroecológica podem sequestrar perto de sete toneladas de CO2 por hectare por ano. Isto significa que este volume acumulado de CO2 pode ser sequestrado nos solos com produção agroecológica em 20 anos, se todos os 2 bilhões de hectares de culturas existentes no mundo fossem convertidos para este sistema. É claro que esta conversão, mesmo se fosse decidida unanimemente e implementada de forma coerente e sustentada em todo o mundo, levaria mais de 20 anos mas a boa notícia é que o ritmo do sequestro é mais acentuado no inicio do processo, nos primeiros 10 anos. O custo desta conversão não é alto nem exige descobrir novas tecnologias mas simplesmente aplicar o que já se sabe em grande escala. O complicador deste aumento de escala é que ele não se dá em grandes propriedades e grandes culturas mas com a multiplicação de pequenas e médias unidades de produção diversificada o que implica na literal obliteração do atualmente todo poderoso agronegócio. Mas se queremos salvar a agricultura no Brasil e, de quebra, construir um país viável, não podemos nos preocupar com os cerca de 60 mil grandes proprietários de grande porte mas com os 200 milhões de brasileiros.

Jean Marc von der Weid*
Fundador da AS-PTA e coordenador do programa de politicas públicas desta entidade.

 

 

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