18-03-2016
Ex-primeiro-ministro reconhece que o país quase sofreu uma catástrofe nuclear que forçaria a evacuação de 50 milhões de pessoas.
Em entrevista ao diário britânico The Telegraph , o ex-primeiro ministro do Japão Naoto Kan reconheceu pela primeira vez que frente ao desastre da central nuclear de Fukushima, com o perigo iminente de explosão de um dos seis reactores nucleares, chegou a considerar a possibilidade de decretar a evacuação da capital, Tóquio, e de todas as áreas dentro de um perímetro de 250 quilómetros do local conflagrado. “A existência futura de todo o Japão estava em jogo”, disse, acrescentando que “um acontecimento dessa escala, a evacuação de 50 milhões, teria sido como perder uma grande guerra.”
A catástrofe maior foi evitada com o bombeamento de água do mar para refrigerar os reactores, mas o gestor da central, Masao Yoshida, disse mais tarde ter pensado em fazer hara-kiri (um suicídio ritual) em desespero por não conseguir controlar a situação. Naoto Kan recorda o “arrepio na espinha” que sentiu quando recebeu a informação de que a central nuclear, afectada pelo terramoto e tsunami, estava sem energia eléctrica e que o sistema de refrigeração dos reactores deixara de funcionar. E das dificuldades que teve para obter informação fidedigna e da confusão em que o governo mergulhou. “De 11 de Março, quando ocorreu o incidente, até o dia 15, os efeitos [da contaminação radioactiva] estavam a expandir-se geograficamente”, recorda Kan. "De 16 a 20, conseguimos deter o avanço da radiação, mas a margem de que dispúnhamos era da largura de uma folha de papel. Se os tambores de combustível de todos os seis reactores tivessem derretido, Tóquio seria sem dúvida afectada.”
“ Acidente ainda está a decorrer”
Mesmo assim, foi necessário evacuar 400 mil pessoas dos arredores da central, num perímetro de 20 quilómetros, que se mantém até hoje uma zona proibida. E, na opinião de Kan, o acidente nuclear ainda está a decorrer: “Nos reactores 2 e 3 ainda estão os tambores de combustível radioactivo e existem ainda fugas de pequenos volumes de água radioactiva todos os dias, apesar do que diz a TEPCO”.
Naoto Kan, que saiu do governo no final daquele ano de 2011, no meio a inúmeras críticas pela forma como lidou com a crise, diz hoje que a experiência o transformou num convicto opositor ao uso de energia nuclear. “Mudei de opinião em 180 graus. Temos de olhar para o equilíbrio entre riscos e benefícios. O derretimento de um reactor pode destruir toda uma central e, apesar de improvável, o risco é demasiado grande”, afirma, criticando o seu sucessor, Shinzo Abe, por ter mandado religar algumas das centrais nucleares do Japão, que haviam sido desligadas depois do desastre de Fukushima. “Há um claro conflito entre a política do governo e a vontade do povo”, denuncia.