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TRUMP MATOU AS FINANÇAS VERDES?
Autor: Howard Davies

08-08-2025

Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Glasgow (COP26), em 2021, Mark Carney dominou o mundo financeiro como um colosso. Agora primeiro-ministro do Canadá, graças em grande parte ao apelo do presidente dos EUA, Donald Trump, para que o país se tornasse o 51º Estado americano, em 2021 ele era o Enviado Especial da ONU para Acção Climática e Finanças.

Na COP26, Carney anunciou a criação da Aliança Financeira de Glasgow para Emissões Líquidas Zero (Glasgow Financial Alliance for Net Zero - GFANZ, na sigla em inglês), mãe de três filhos precoces, a Aliança Bancária por Emissões Zero (Net-Zero Banking Alliance - NZBA), a Aliança das Seguradoras por Emissões Zero (Net-Zero Insurance Alliance - NZIA) e a iniciativa Gestores de Activos por Emissões Zero (Net Zero Asset Managers - NZAM). Na opinião de alguns cépticos, tudo isso significava um monte de zeros, mas Carney  assegurou a um mundo expectante que “não é blá blá blá” e que o zero líquido formaria a “infra-estrutura crítica do novo sistema financeiro”.

Sendo assim, até que ponto a iniciativa de Glasgow foi bem-sucedida? Em que ponta do espectro infra-estrutura crítica/blá-blá-blá nos encontramos?

Os anos que se seguiram não foram gentis com a sopa de letrinhas que Carney preparou. No início deste ano, os maiores bancos dos EUA - JP Morgan, Goldman Sachs e os demais -retiraram-se  do NZBA, claramente temendo a pressão política do novo governo de Trump.

Os grandes bancos dos EUA foram logo seguidos  pelos bancos canadenses, demonstrando pouca lealdade à criação de seu futuro premiê. Em Abril, os membros restantes diluíram os compromissos iniciais,  concentrando-se no alinhamento com um aumento máximo de temperatura de 2º Célsius, em vez de 1,5ºC, há muito cogitado, e abandonando a meta de conformidade líquida zero até 2050.

Mas isso não impediu o fluxo de saídas. No início deste mês, o HSBC  anunciou  sua deserção, e parece muito provável que outros façam o mesmo. Hoje, os membros representam apenas pouco mais da metade dos activos dos fundadores, mas ainda há alguns bancos comprometidos e o NZBA continua vivo.

Isso é mais do que se pode dizer de sua irmã mais nova, a NZIA. Mesmo antes da eleição de Trump, alguns procuradores-gerais de Estados controlados por republicanos, preocupados com promessas climáticas colaborativas, miraram os principais membros por motivos antitrust. Seus motivos podem ter sido bem diferentes, mas legalmente eles tinham razão. Os fundadores não haviam reflectido de modo adequado sobre as implicações das promessas que estavam fazendo. Após uma série de retiradas, em Abril de 2024, a NZIA entrou em colapso.

Houve uma espécie de substituição, na forma do Fórum para a Transição das Seguradoras para as Emissões Zero (Forum for Insurance Transition to Net Zero, em inglês). As obrigações de associação do fórum são mais flexíveis e não há metas ou obrigações de relatórios. Ele também alega ter se armado com advogados internos para se proteger contra qualquer possível violação futura da lei antitrust.

Para completar o conjunto, o terceiro filho, a NZAM, também sofreu uma onda de retiradas em Janeiro, liderada pela BlackRock. Isso levou a uma suspensão  de suas actividades e à remoção de sua lista publicada de signatários. Não está claro quando, se é que algum dia, a suspensão será suspensa.

Já contamos os filhos, mas e os pais? Tecnicamente, o GFANZ ainda existe, mas foi remodelado de forma significativa. Ele agora se descreve como um “Grupo de Directores” independente, sem qualificações prévias, e mudou seu foco, deixando de ser um guardião da rede zero para se tornar um facilitador de financiamento para financiar a transição energética - tarefa digna, mas longe do que foi previsto inicialmente.

É difícil ver esses eventos, em conjunto, como algo diferente de uma diluição significativa do compromisso do sector financeiro em apoiar a transição verde.

Mas onde estão os órgãos reguladores, que estavam exercendo pressão sobre seus funcionários para que se adiantassem e garantissem que fossem parte da solução para a mudança climática, em vez de vítimas do problema?

A Rede para Tornar Verde o Sistema Financeiro (Network for Greening the Financial System - NGFS) foi criada por uma coalizão de oito bancos centrais dispostos a isso em 2017. A coalizão incluía Reino Unido, França e China, mas não os Estados Unidos. Após a eleição de  Joe Biden em 2020, o Federal Reserve, que se orgulha de sua independência política, decidiu aderir, mas acabou se retirando no início deste ano.

Contudo, nesse caso outros bancos centrais continuam comprometidos. Alguns, como o Banco da Inglaterra, deixaram de enfatizar seus testes de stress climático, mas os membros da NGFS, hoje na casa dos 140, ainda acreditam que o aumento das temperaturas médias ameaça a ruptura económica e que a transição energética criará vencedores e perdedores.

Uma análise recente da NGFS sugere  que os riscos económicos são maiores do que se pensava até então. Se bancos e seguradoras não entenderem as implicações, eles poderão ser afectados negativamente, acrescentando instabilidade financeira às outras ameaças que enfrentamos.

Não faria sentido imaginar, porém, que o resto do mundo pode continuar como antes. Há sinais inequívocos de que os EUA estão pressionando os órgãos reguladores internacionais a rebaixar seu trabalho relacionado ao clima. O último comunicado do Conselho de Estabilidade Financeira notou  que “embora muitos membros achem que há necessidade de mais trabalho, alguns acham que o trabalho concluído até o momento é suficiente”, e parece que os “alguns” dominaram os “muitos”. Da mesma forma, o Comitê da Basileia rebaixou seu trabalho sobre divulgações relacionadas ao clima e removeu qualquer exigência de cumprimento.

O Comité da Basileia recusou  uma solicitação dos EUA para dissolver sua força-tarefa climática, mas os representantes dos EUA simplesmente não aparecem, o que claramente afecta sua eficácia.

Ou seja, para onde vamos agora? Todas as evidências científicas sugerem que o impacto do aquecimento global sobre o sector financeiro está crescendo sem trégua, mas a resistência dos EUA a qualquer ação resultante por parte das empresas ou de seus reguladores está ficando mais firme. O resultado de um confronto entre uma força irresistível e um objeto imóvel é notoriamente difícil de prever.

Nesse caso, minha aposta é na força irresistível. Um resultado ruim, talvez o primeiro no mundo dos seguros, ilustrará a importância de reforçar nossas defesas. Mas, mesmo assim, os órgãos reguladores não americanos precisam manter a pressão.

Howard Davies

Howard Davies, o primeiro presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido (1997-2003), é presidente do Grupo NatWest. Foi director da London School of Economics (2003-2011) e desempenhou as funções de vice-governador do Banco de Inglaterra e de director-geral da Confederação da Indústria Britânica.

 

 

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