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Pelo meu relógio a Europa está a morrer

30-05-2014 - David Pinheiro

Acidental ou premeditada, a data de edição do novo álbum dos Mão Morta não poderia ser mais oportuna. No dia seguinte à Europa ter votado o seu suicídio. O avanço da extrema-direita, a vitória em França, a eleição de um populista como Marinho Pinto e o desinteresse generalizado dos cidadãos no continente que habitam são sinais entrelaçados com o vídeo dos bracarenses que tanto brado deu na semana passada.

Pelo Meu Relógio São Horas de Matar deve ter sido o que pensaram, entre outros, Marine Le Pen e o ex-Bastonário da Ordem dos Advogados , um defensor da despenalização da violência familiar. E mataram mesmo. A Europa já era incapaz de olhar para fora do seu umbigo na representação maioritária de tecnocratas e políticos de carreira mas é o crescendo de popularidade de forças extremistas que faz temer o pior. O que foi nos últimos anos uma violência disfarçada sob a forma de exercício do medo tem agora campo aberto para jogar ainda mais com as emoções fragilizadas dos cidadãos europeus e explorar um momento de fragilidade e vazio de referências.

A guerra despiu o seu disfarce. A partir de hoje, está instalada entre nós. Na Holanda, por exemplo, o Partido da Liberdade de Geert Wilders, conhecido pelas posições anti-islâmicas e eurocépticas, ficou abaixo das previsões mas, ainda assim, em segundo lugar. E na Grécia, a vitória do partido da esquerda radical e anti-austeridade Syriza contrasta com a ascenção do partido de extrema direita Aurora Dourada, que muitos acusam de ser neo-nazi e que obteve 9,37 por cento dos votos, tornado-se na terceira força política do país. O que aí vem é inimaginável mas há que temer o pior. A Europa receosa, o bastião da educação, dos valores e dos costumes vê sair-lhe o tiro pela culatra. É nos EUA que os cidadãos estão a autorizados a ter uma arma para legítima defesa mas é no Velho Continente que a batalha é instalada.

O comportamento eleitoral é tão somente uma consequência do mundo em que vivemos. Todos os dias se dissemina o ódio e o extremismo nas redes sociais. No mais moderno dos mundos, o poder cultiva a mais antiga das estratégias. Dividir para reinar. A estratégia deu frutos. A mobilização popular falhou. O voto emocional pesou naqueles que vendem a mensagem mais barata. A miséria e a fome são a fertilidade dos ditadores. Tal e qual como nas ruas em que se compra o pão mais barato porque não há dinheiro para viver acima da sobrevivência.

É aqui que entra o vídeo de Rodrigo Areias para Horas de Matar, primeiro single do muito aconselhável novo álbum dos Mão Morta, legitimamente defendido por uma vontade irreprimível de narrar a decadência quando os restantes actores musicais se alheiam do real. Se a canção ganhou honras de acontecimento nas redes sociais foi pelas imagens simplificadas do autor do western português Estrada de Palha e habitual parceiro visual de Legendary Tigerman, mas um olhar mais atento entronca nas mesmas questões que assolam a Europa.

O vídeo é uma válvula de escape, um “vamos partir tudo” tão populista quanto as mais perigosas campanhas europeias caucionadas pelas eleições. Provavelmente, nem os Mão Morta nem o realizador previam tantos estragos. E nenhuma das partes pretendeu mais do que criar um simulacro da insatisfação social mas Horas de Matar é não só uma imagem punk retardada de um caso raro de relevância e independência ao longo de 30 anos agora celebrados como a agitação de uma bandeira populista onde as emoções são mais volúveis: nas redes sociais.

Nem a canção nem a sua construção imagética têm obviamente o mesmo peso que o resultado eleitoral mas a virtude de uma banda como Mão Morta sempre foi a elevação do discurso, mesmo quando banhado em sangue ou violência, em fundo rock’n’roll impetuoso ou outras texturas densas. A canção ainda é uma arma, o gatilho uma responsabilidade e Adolfo Luxúria Canibal um jurista/vocalista responsável pronto a desmascarar os populistas e não a ser confundido com eles.

 

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