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68: sonho e realidade sem julgamento moral

11-05-2018 - Léa Maria Aarão Reis

No célebre filme de Bernardo Bertolucci, em Paris, três jovens adoradores de filmes se reúnem em jogos sexuais e cinematográficos desafiando a moralidade burguesa.

Em 2003 quando Bernardo Bertolucci, um dos cineastas mais brilhantes da fase áurea do cinema italiano, filmou Os Sonhadores (The dreamers para o mercado internacional ou Il Sognatori, título original), a geração de 1968 envelhecera e já se tinha algum entendimento histórico do que significara o ‘’ano que nunca terminou’’ como ficou conhecido o período das grandes manifestações e protestos de rua ao redor do mundo com conotações e motivos diversos dependendo do quadro social e do regime político vigente em cada país.

Bertolucci tinha então 62 anos.

Os Sonhadores pode ser visto como um filme ambíguo. Como um filme político. Ou como um poema político. Por um lado trata como pano de fundo (mas pontual), a ação direta dos jovens, nas ruas de Paris a partir do fecho da mítica cinemateca francesa e da expulsão do seu director legendário, Henri Langlois. Mas o núcleo central do filme é a narrativa da relação sexual de dois jovens irmãos gémeos e amantes, estudantes envolvidos no chien lit e do vínculo que estabelecem com um jovem americano estudando em Paris. Os três adoradores de filmes.

Os Sonhadores é baseado no livro do poeta e jornalista escocês Gilbert Adair – The holy inocents. Ele também assina o roteiro cuja narrativa transcorre no circuito fechado, no huis clos do apartamento burguês, em Saint Germain, dos pais dos meninos que saem para férias. Fora, os protestos de rua vão adquirindo força até a que a violência policial explode, numa esplendorosa sequência final.

A polémica em torno deste Bertolucci se deu e se dá até hoje porque alguns não vêem os jovens auto-encarcerados no apartamento e no triângulo amoroso em si, que se estabelece, alienados e engolfados por uma onda de sensualidade, homossexualismo, e incesto com tintas de sadismo como um escape ao contexto externo revolucionário que incendeia as ruas naquele momento - como outros querem.

Ao contrário, vêem os personagens empreendendo um mergulho em si mesmos, paradigmas da quebra de dogmas e preconceitos, e rompendo uma das últimas fronteiras das interdições da sexualidade livre em um tempo de notável ruptura de padrões de comportamento.

Matthew, Isabelle e Théo são os sonhadores. Respectivamente, os óptimos atores Michael Pitt, Eva Green e Louis Garrel. Eles brincam com jogos sexuais e com desafios cinematográficos e são embalados por uma fabulosa trilha musical: canções de Janis Joplin, Jimi Hendrix, Bob Dylan, Françoise Hardy, Michel Polnareff, Charles Trenet, The Doors, The Greateful Dead e o triunfal Non, je ne regrette rien de Piaf.

Nem no livro de Adair nem no filme de Bertolucci e muito menos na inquietação revolucionária dos jovens daquela geração de 68 havia – pelo menos naquele momento não havia - lugar para julgamento moral.

Os Sonhadores é mais um filme sedutor na obra de quem sempre se esmerou na harmonia estética e no bom gosto dos seus trabalhos, obras acabadas de arquitetura traduzida para a linguagem cinematográfica. Não fosse ele filho de um brilhante professor universitário de Arte, de Bolonha, um marxista.

O céu que nos protege, O conformista, 1900, O último imperador, O pequeno Buda, Assédio, até O último tango estão entre os mais fascinantes nesse sentido – poesia e sofisticação. Ou como disse um crítico alemão sobre o cinema de Bertolucci: é a conjunção de Marx com Freud.

Não fosse Bernardo, como seus muitos amigos fraternos do cinema novo brasileiro o chamam, carinhosamente – um poeta.

“O cinema é a linguagem da poesia,’’ diz Bertolucci que reencontrou no budismo - ‘’mais uma filosofia que uma religião’’ - a alegria de viver. “Uma alegria de viver que eu havia perdido. Passei dois anos com os tibetanos e economizei muito dinheiro em tranquilizantes.’’

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