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Vangelis, o compositor que nos trouxe a música do Olimpo

13-10-2017 - Lucas Brandão

Vangelis, de seu nome Evangelos Odysseas Papathanassiou, é um dos mais notabilizados compositores de música para trabalhos cinematográficos. O seu currículo estende-se, contudo, para além da colaboração com realizadores e produtores (tem um Óscar no pecúlio), mas também na produção de álbuns numa série vasta de géneros, incluindo a música eletrónica, a clássica, e a ambiental. Começando em pequenas bandas, foi ganhando asas, e conheceu vários contextos de trabalho, inclusive com vocalistas de bandas conceituadas. Numa carreira que se estende por quase 70 anos, o grego assume um papel vanguardista e pioneiro no desenvolvimento autónomo e íntegro da música eletrónica, para além da sua envolvência com todo o contexto envolvente e proeminente deste ramo artístico.

Vangelis nasceu a 29 de março de 1943, em Agria, perto da cidade portuária grega de Volos. Como músico, começou precocemente e de forma autodidata, começando a usar o piano, instrumentos de percussão, e outros elementos que tinha à sua disposição para produzir a sua própria música. Todo o seu crescimento musical não contou com as normais aulas instrumentais, e nunca contou com um rico conhecimento ao nível das notações de leitura e escrita musicais, desinteressando-se completamente disto na própria fase em que foi lecionado. No entanto, aos seis anos, os seus pais colocaram-nos numa escola de música, na capital grega de Atenas. Este passo seria seguido pelo estudo de pintura, arte que ainda pratica, na Escola de Belas Artes da cidade.

Aos doze anos, tornou-se interessado em jazz e no rock n’ roll, formando várias bandas em tempos de escola para se divertir. Entre outras, nos anos 60, fez parte dos The Formynx, que causaram sensação na Grécia com o seu pop-rock. Cantando em inglês, com Vangelis a redigir as letras, lançaram nove singles de êxito, embora nunca concretizassem um eventual filme sobre o seu trabalho, do realizador Theo Angelopoulos. Período de grande agitação estudantil, permitiu a que, em 1968, Vangelis se juntasse aos seus compatriotas Demis Roussos, Loukas Sideras, e Anargyros Kouloris, para fundar a banda de rock progressivo Aphrodite’s Child. Foi, precisamente, em Paris, que encontraram uma casa, apesar de viajarem por toda a Europa. Ao single “Rain and Tears”, seguiu-se a gravação de dois álbuns, que venderam à volta de 20 milhões de cópias. Entre eles, “666” (1972), baseado no último livro bíblico da Revelação, contando com a participação da voz da cantora grega Irene Papas. No entanto, várias tensões entre os membros do grupo levaram a que, um ano antes do trabalho ser lançado, se desse a cisão do grupo. Mesmo assim, a parceria entre Roussos e Vangelis permaneceu ativa, com este a produzir várias iniciativas musicais de Roussos, e com o cantor a prover vocais para a futura banda sonora do filme “Blade Runner” (1982, dirigido por Ridley Scott).

Eventualmente, o grego deu volumetria à sua carreira a solo, produzindo música para vários filmes da realização de Filippos Fylaktos, para além de “To Prosopo tis Medousas” (1967, de Nikos Koundouros). Os anos 70 trouxeram algumas experiências com uma banda de músicos londrinos, que viriam a tornar-se álbuns sem o consentimento de Vangelis – “Hypothesis” e “The Dragon”, de 1971. Após alguns litígios legais por estas divulgações, viria, já em França, a acompanhar o trabalho de Frédéric Rossif, na produção de documentários da vida animal, onde pôde experimentar diversas fragrâncias naturais e adequadas aos cenários retratados. Seguir-se-iam filmes gauleses, tais como “L’Apocalypse des Animaux” e “Amore”, este de Henry Chapier (ambos datados de 1973), e álbuns totalmente autónomos do cinema, como “Fais que Ton Rêve Soit Plus Long que La Nuit” (1972, inspirado nos motins estudantis de 1968), e “Earth” (1973). Este trabalho, de cariz mais percussivo, apresenta recortes bizantinos, e um elenco musical apetrechado, como o guitarrista da sua ex-banda Silver Koulouris, e o vocalista tunisino-francês F.R David, formando um trio, de nome Odyssey, que lançaria o single “Who” (1974).

Ainda durante esse ano, e com a saída do teclista Rick Wakeman, o grego considerou a hipótese de colaborar a tempo inteiro com os Yes, mas abdicou de se juntar a esta banda, cujo vocalista Jon Anderson viria a formar um dueto de sucesso com Vangelis – Jon & Vangelis. O helénico, em 1975, passou a viver em Londres, onde assinou um contrato com a editora RCA Records, e onde criou o seu próprio estúdio – Nemo Studios. Cinco álbuns seriam lançados até ao final da década, com a eletrónica a fluir em “Heaven and Hell” (1975, estreado em pleno Royal Albert Hall), “Albedo 0.39” (1976), “Spiral” (1977), “Beaubourg” (1978), e em “China” (1979), onde a simbologia mitológica e experienciada estaria muito presente. Céu e inferno conheceriam figuração no primeiro da lista, com o segundo a abordar o universo, “Spiral” a filosofia taoista, o seu sucessor a visita ao polo cultural parisiense Centre Georges Pompidou, e “China” a abordar a herança cultural e musical do país homónimo. Para além disso, foi produtor do álbum “Phos” (1976), da banda compatriota Socrates Drank the Conium. Porém, isto não impediu a colaboração do artista com o cinema, onde era muito acarinhado e já algo reconhecido. Para isso, contribuíram as bandas sonoras de “Do You Hear the Dogs Barking?” (1975, de François Reichenbach), o filme “Missing” (1982, do greco-francês Costa-Gavras), o documentário “Pablo Picasso Painter” (1981, após o fazer para documentários dos pintores Georges Braque e Georges Mathieu), “Sauvage et Beau” (1984) e “De Nuremberg à Nuremberg” (1989, três trabalhos do seu amigo Fréderic Rossif). Estes, para além dos internacionais “Antarctica” (1983, de Koreyoshi Kurahara), e “The Bounty” (1984, de Roger Donaldson).

Pouco antes dos anos 80 chegarem, Vangelis voltou a juntar-se à atriz e cantora Irene Papas, desta feita para gravar “Odes” (1979), que geraria um sucesso retumbante no seu país com o folk imprimido por ambos. Este seria sucedido por “Rapsodies” (1986), mas sem antes mais uma mão cheia de álbuns a solo: o satírico “See You Later” (1980), o microscopicamente natural “Soil Festivities” (1984), o elementar mas invisível “Invisible Connections” (1985), o retrospetivo e mascarado “Mask” (1985), e “Direct” (1988), o primeiro a ser gravado após o grego sair dos Nemo Studios. Foi uma década em que enviou música para o cientista Carl Sagan, a ser usada na edição especial de “Cosmos: A Personal Voyage” (1980); para além da efetivação da dupla Jon & Vangelis, com os álbuns “Short Stories” (1980), “The Friends of Mr. Cairo” (1981), “Private Collection” (1983), e “Page of Life” (1991). Formaria, entretanto, parceria com a cantora italiana Milva, colaborando em músicas de língua alemã e italiana; e comporia para trabalhos dramáticos e para bailados, tais como “Elektra”, coordenado por Michael Cacoyannis.

O melhor da carreira de Vangelis surgiria nas entrelinhas de todos esses trabalhos, começando com a banda sonora do filme “Chariots of Fire” (1981), do cineasta Hugh Hudson. Apesar das circunstâncias do filme se passarem na década de 20, a escolha musical do grego foi heterodoxa, sustentada essencialmente no trabalho com sintetizadores, e com outros elementos eletrónicos. Não obstante, as faixas arrastam e percorrem a própria lentidão e perpetuação das glórias apresentadas em pleno filme, eternizando-se, não só para dentro, mas também para os próprios e futuros Jogos Olímpicos. Deste trabalho, viria um Óscar para Melhor Filme, e outro para Melhor Banda Sonora Original, este destinado diretamente ao compositor. Este seria o seu primeiro trabalho de proa no mundo cinematográfico, seguindo-se logo pelo seu segundo em “Blade Runner”. Passando-se este num cenário distópico e futurista, complementado por uma chuva incessante e inexpugnável, Vangelis presentou o filme com uma coleção musical que ajuda a adensar a carga energética e expectante das contingências cinematográficas. De seguida, novamente por convite de Ridley Scott, o grego voltaria a conhecer honras na composição musical aplicada ao cinema, em “1492: Conquest of Paradise” (1992). Na celebração do 500º aniversário da viagem de Cristóvão Colombo até à América, é num contexto de navegação e de exploração que a música acaba por se integrar, iluminando e reforçando as diversas identidades que se cruzam neste trabalho

Nestes anos 90, Vangelis produziu mais cinco álbuns, sendo eles o quotidiano “The City” (1990, gravado em Roma), o sensual “Voices” (1995), o marinho “Oceanic” (1996), e os clássicos “Foros Timi Ston Greco” (1995) e “El Greco” (1998). Nesta década, voltaria aos bailados, na adaptação de “Medea”, que também contou com Irene Papas. Os trabalhos audiovisuais não cessaram, e colaborou em “Bitter Moon” (1992, de Roman Polanski), “The Plague” (1992, do argentino Luis Puenzo), e “Cavafy” (1996, do compatriota Yannis Smaragdis), para além de uma série de documentários do ecologista francês Jacques Costeau.

Já em contexto de novo milénio, arrancou-o com a peça “The Tempest”, da encenação do húngaro György Schwaidas, adaptado de William Shakespeare. No rescaldo do sucesso bastante adaptado de “Chariots of Fire”, trouxe música para diversos eventos desportivos, como “Sport Aid” (1986), para além de músicas para o Campeonato do Mundo de Atletismo, em 1997; para os Jogos Olímpicos de 2000 e de 2004, e o hino do Mundial de futebol de 2002. Isso não o impediu de outros compromissos, tais como a sinfonia coral e orquestral “Mythodea” (2001), e “Alexander” (2004, de Oliver Stone). Recentemente, organizou música para a abertura de um anfiteatro aberto no Qatar, na cidade de Doha, onde decorreu o quarto fórum da Aliança de Civilizações das Nações Unidas, em 2011; preparou a banda sonora do documentário ambiental “Trashed” (2012, de Candida Brady), do filme “Twilight of Shadows” (2014, do argeliano Mohammed Lakhdar-Hamina), e peças musicais, que redundariam num disco lançado em 2016, para os retratos visuais e animados da missão espacial Rosetta. Durante a sua carreira, acabou por confirmou toda a vocação pela fusão entre mitologia, espaço, e ciência, as três paixões que constam e versam em toda a sua música. Ainda assim, pouco é aquilo que se sabe da sua vida pessoal, pois privilegiou sempre a pacatez e a privacidade. Pelas constantes viagens que empreendeu, escolheu não ter filhos, embora se tenha casado por duas ocasiões, primeiro com a fotógrafa Veronique Skawinska, em 1976; e depois com a cantora e sua colaboradora Vana Verouti. Uma das aptidões que mostrou ter foi a da pintura, tendo exibido setenta quadros seus em Valência, Espanha, no ano de 2003.

Musicalmente, há muito onde se pode posicionar e interligar a personalidade criativa e artística do grego, numa multiplicidade muito sui generis. Assim, pode ser associado à música eletrónica (muito a partir dos sintetizadores e demais instrumentos que tanto apregoou), à ambientalista, ao próprio rock progressivo (culminando na banda que formou nos anos 70), à clássica, à experimental, e até ao jazz. A gama de utensílios musicais que foi usando variou e derivou do estilo que pretendia imprimir na sua música, chegando aos próprios instrumentos acústicos e aos coros. Na sua perspetiva, interessava mais o som e a vibração do que o meio através do qual produzia ambos, no auge de uma espécie de eletrónica sinfónica, onde a orquestra era homenageada e honrada na forma como se empregavam os sintetizadores.

Quanto ao seu processo de composição musical aplicada a trabalhos multimédia, o helénico opta por ver um trecho do projeto para o qual vai prover com a sua música, formando e formalizando um conceito daquilo que irá colocar em prática. Esse conceito musical amadurece, e envolve-se com a ideia de tornar múltipla e desconstruída a composição, através de vários teclados, tornando-a o mais ampla possível. Conforme a preferência e a utilidade, Vangelis decide coordenar uma ou várias orquestras, que dispõem de uma variedade de instrumentais, tais como címbalos, harpas, cítaras, e até duduks (uma espécie de flautas). Para além disso, e já no processo de gravação, utiliza uma técnica de gravação multicanal, a partir de um sistema que lhe permitia captar sons diferentes para uma só faixa, e de gravar todas as músicas de forma simultânea. Mesmo avesso ao uso de software para a gravação, a sua opinião é a de que a composição musical é mais científica que artística. No entanto, considera a música como uma grandes forças do universo, prévia a todos os seres humanos, mas capaz de os encantar com a sinestesia sensorial que provoca, em plena era negra da “poluição musical”.

Vangelis é um dos nomes mais conceituados da composição musical moderna, muito por conta do trabalho que desenvolveu ao lado do cinema e da televisão. As várias honras que recebeu (destacam-se as de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras e da Legião de Honra francesas, para além de ter um pequeno planeta com o seu nome, e uma medalha concedida pela NASA por serviço público) consagram, mais do que um músico, uma referência a nível social e cultural, capaz de desenvolver e de aprimorar a descoberta do papel da composição musical nestes planos. O seu virtuosismo captou e capta muitos, em especial pela associação aos míticos projetos cinematográficos com os quais colaborou. No entanto, muito mais é aquilo que constitui um repertório recheado e variado, capaz de agradar vários ouvidos, e de abranger uma galáxia musical, repleta de planetas cientificamente provados de existência e de essência. Tanto a eletrónica, a clássica, a experimental, a vanguardista; todas estas se cruzam nesta galáxia de emoções e de sensações providas e promovidas por uma música de únicos e marcantes sons e vibrações. Um Olimpo acessível a este grego de trato e de sonoridade inesquecível.

Fonte: Comunidade Cultura e Arte

 

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