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‘Big Fish Theory’, de Vince Staples: prático mas pouco eficaz

14-07-2017 - Miguel Santos

Se há palavra que descreve Vince Staples é pragmatismo. O rapper oriundo de Long Beach, Califórnia, é extremamente prático na sua abordagem à música, à fama e à vida de forma geral; uma espécie de epítome do auto-controlo e da racionalidade. Rima de uma maneira límpida, prática, sem grande espaço para metáforas. É o tipo de rapper que nos explica claramente o que lhe vai na alma, construindo as letras por cima de instrumentais cada vez mais característicos e distintos dos seus contemporâneos. A sua música e as suas rimas contrastam com a típica “personagem” de um rapper nos dias de hoje, sem demonstrações de opulência ou simulação de um estilo de vida que nem sempre é tão magnânimo como os incontáveis videoclipes fazem parecer. O desvendar dessa cortina que separa os rappers dos “comuns mortais” é o principal tema do seu segundo álbum, “Big Fish Theory“.

Depois de uma descrição vívida das peripécias da sua adolescência no álbum de estreia “Summertime ‘06“, Staples continua a sua descrição biográfica abordando o ecossistema musical em que inevitavelmente se insere. O processo através do qual o faz é genuinamente seu: há qualquer coisa de muito pessoal em “Big Fish Theory”. Esse sentimento é espelhado não só pelas rimas mas também pelos colaboradores com quem Vince decidiu trabalhar neste álbum: nomes como GTA, Zack Sekoff e SOPHIE, alguns mais conhecidos e outros ainda a começar a dar os primeiros passos na música electrónica. Essa atmosfera musical algo atípica no hip-hop problematiza o glamour da vida de um rapper e a expõe a crítica acérrima de Staples. “Party People” mostra um cepticismo inerente às ansiedades que advêm do estatuto de celebridade; e “Yeah Right” declara sarcasticamente o desdém pelo que os outros rappers aparentam ter, auxiliado por um potente verso de Kendrick Lamar.

A sinceridade continua a ser o maior trunfo de Staples. Vemo-lo confessar a sua falta de familiaridade com o amor em temas como “Alyssa Interlude”, um bonito e acolhedor interlúdio que começa com um sample de uma entrevista a Amy Winehouse, uma artista que Vince admira e cujo documentário sobre a sua vida esteve na base do conceito de Prima Donna, o EP lançado pelo rapper no ano passado. É um momento estranhamente intimista e honesto, em que Vince descreve a saudade que sente de alguém que lhe era próximo. Mas dura pouco tempo: o seu lado “durão” é revitalizado logo de seguida, em “Love Can Be”, mostrando uma visão desacreditada do amor, focando-se nos seus principais aspectos negativos e interpolando “For Free?” de Kendrick Lamar, numa digna homenagem. O refrão suplicado de Damon Albarn (que surge em Big Fish Theory depois de uma colaboração de Staples em “Humanz“, o álbum mais recente de Gorillaz) é uma boa adição. Mas é em “745” que o desassossego amoroso de Staples é melhor transmitido com uma batida funk intoxicante e uma cadência tristonha do rapper (“This thing called love real hard for me/ This thing called love is a God to me”).

Contudo, fiel ao estilo que critica, e sem esquecer que o braggadocio é das facetas mais badaladas de um rapper, há bangers para testar o mais artilhado dos sistemas de som. É impossível não ficar contagiado pela energia exuberante de “Big Fish”, com um refrão “à patrão” proferido por Juicy J e versos em que Staples assegura que não se esqueceu de onde veio, ponderando o seu percurso sob uma batida profundamente digital. “Homage” é quase música de dança, potente e agressiva com um refrão em que Vince invoca repetidamente a plenos pulmões a sua determinação em ser superior a tudo e a todos. E em “Bagbak”, Staples deixa uma mensagem de aviso e impõe respeito, proferindo mais uma vez uma crítica social que já é conhecida na sua música (“Prison system broken, racial war commotion/ Until the president get ashy, Vincent won’t be votin’” e “The next Bill Gates can be on Section 8 up in the projects/ So ‘til they love my dark skin/ Bitch I’m goin’ all in”).

Big Fish Theory apresenta a outra face da celebridade, continuando a abordar os temas discutidos no EP Prima Donna e no curto filme que o acompanhou, em que Vince mostra visualmente as peripécias do estrelato, e as constantes pressões e atribulações a que os artistas estão sujeitos. À semelhança desse trabalho anterior, neste novo álbum a ideia de Staples é transmitida, mas a execução não é exactamente majestosa. Com pouco mais de meia hora, as doze músicas que o constituem soam primárias, pouco desenvolvidas, demasiado esqueléticas e convencionais em termos de estrutura. Sente-se uma falta de profundidade e acutilância, para uma pessoa que aparenta ser um especialista da observação da condição humana. Mas apesar de não ser a celebração bombástica de um estilo de vida que Staples evita quase religiosamente, não há como negar que o rapper tem um som cada vez mais próprio.

Poucos dias antes do lançamento de Big Fish Theory, Vince apresentou numa entrevista ao site Vulture uma visão que alguns talvez chamariam de “redutora” em relação à sua música: “But my job, I make the songs, I give them to the dealer. The dealer finds the buyer”. No entanto, a sua “leveza” em relação ao seu ofício não se traduz na sua música. O interesse pelo hip-hop existe, mas assenta na arte de fazer música, na criatividade que consegue transmitir, sempre da maneira mais fiel à sua visão. E essa missão em honrar a arte continua bem viva. Tem ambições artísticas bem definidas (“Put me in the MoMA [Museum of Modern Art] when it’s over with”, declara em “Crabs in a Bucket”, a faixa acelerada que inicia o álbum), e está focado. Mas o constante ritmo de festa intoxicante para espelhar o estilo de vida que nunca parece parar de festejar acaba por ser superficial, espelhando o que simula mas sem lhe dar a profundidade que não tem. É pragmatismo no seu estado mais puro, mas fazia bem a Staples sair do seu aquário e explorar mais o oceano.

Fonte: comunidadeculturaearte.com

 

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