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ENTREVISTA A JOSÉ BARAHONA

16-12-2016 - N.A.

A propósito de 'Estive em Lisboa e Lembrei de Você’

Nos últimos dez anos, José Barahona andou para lá para cá entre Brasil e Portugal, acabando por fazer um filme sobre essa experiência. Com uma diferença fundamental: Barahona faz aquilo que o apaixona e tem obra que dá provas do trabalho e da honestidade do seu olhar. Já o olhar de Sérgio, o protagonista deEstive em Lisboa e Lembrei de Você, um brasileiro que conta a sua história de imigração, da última vez que olha para nós, parece resignado a um destino que só o filme resgata, porque se é infeliz a história de Sérgio, é-o, mas à sua maneira.  

O que é que do livro de Luiz Ruffato se mantém no seu filme?
Isso é muito difícil de responder. Houve muita coisa que tive de deixar de fora. As primeiras versões do argumento, e o argumento final, contém muita improvisação, foi quase um processo de edição do livro, de escolha do que me interessava ou não me interessava para construir a espinha dorsal do filme.

A decisão de adaptar este livro foi decisão sua ou uma encomenda?
Estava no Brasil e deram-me o livro por ter a ver com Portugal. Li-o e fiquei a matutar nele. No início queria fazer uma coisa ainda mais documental do que fiz, para saber mais da história de vida dos brasileiros que tinha conhecido em Lisboa, com quem convivo menos agora porque muitos foram-se embora. Qual era a história deles para trás. Porque tinham vindo, o que pensavam. Eu estava a ir para o Rio, então era uma coisa quase cruzada. Era ideal para fazer naquele momento, montar uma coprodução entre Portugal e Brasil, em que eu estava cá e lá.

A história de Sérgio (o protagonista) está mais próxima da personagem do livro ou é antes uma amálgama de histórias de brasileiros que vieram para Portugal para trabalhar?
A história dele está muito próxima da história do romance. Mas a história do romance é já de si uma amálgama de histórias que Ruffato também ouviu, e que depois transformei com outras histórias que conheci ou que ouvi contar. Luiz Ruffato revê o seu livro e a sua personagem no filme, embora diga que é outra coisa, e ainda bem que é outra coisa.

Li algures que Luiz Ruffato se reviu muito na voz do ator, no modo como diz o texto para a câmara. Gostava de saber se esse foi para si o elemento que levou à escolha do Paulo Azevedo (Sérgio) ou se houve outras características que levaram a essa decisão?
O casting que fiz com vários atores era uma parte desse monólogo. Estava convencido de que quem conseguisse fazer aquilo para a câmara, faria o resto, porque aquilo é o mais difícil para um ator. O Paulo Azevedo foi o melhor, fez muito bem. Ele é mineiro [a mesma origem de Sérgio] e preparou-se muito. Embora aquela linguagem não seja o que no Brasil se chama de “mineirês” mas antes o “ruffatês”, uma criação que o Ruffato faz a partir do “mineirês”.

O filme apresenta uma diversidade de registos de interpretação: tem atores, não-atores e pessoas que fazem delas próprias. Até que ponto assumiu esse risco e tinha fechada a decisão sobre todos os intervenientes antes da rodagem?
O processo foi-se transformando muito. No início queria fazer um documentário a partir do livro. Achava que ia chegar a Cataguases [Minas Gerais], onde a personagem principal nasceu e vive no início do filme, e ainda iria encontrar alguém que quisesse vir imigrar para Lisboa ou que tivesse esse sonho, e que pudesse construir o filme através de alguém. Percebi depois que não, por várias razões: porque nós já estávamos em crise e que ninguém no Brasil queria vir para Lisboa. Mas, também, porque a realidade nunca é igual à ficção, embora por vezes a ficção seja um espelho da realidade. Embora a maior parte dos emigrantes que estão em Lisboa sejam de Minas Gerais, em Cataguases ninguém veio para Lisboa ou para Portugal. E pensei, vamos fazer um filme que tem um ator principal que é o eixo de todo o filme e as coisas que estão à volta são documentais. Outras personagens mais complexas foram também feitas por atores profissionais. Costumo dizer que o filme é um híbrido. O Paulo Azevedo é um mineiro que mora em São Paulo. Um emigrante dentro do Brasil. Sair do estado de Minas Gerais é como nós irmos para Paris. As diferenças culturais também são muito grandes de Estado para Estado.

Acompanhamos os momentos em que ele está a falar para a câmara e pensamos que se está a dirigir a alguém: da polícia, dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras… No final, a câmara afasta-se e vemos que fala para nós, o filme coloca-se claramente do lado da ficção. Nalgum momento pôs uma outra hipótese, de que ele estivesse a falar para alguém no filme?
Isso é uma pergunta interessante porque é a base do filme e o que o distingue. O que era para mim evidente desde o início era fazer a reconstrução documental de uma entrevista, que é aquilo que Ruffato faz no romance. A primeira coisa que pensei fazer foi um falso documentário: pôr-me a mim como realizador a entrevistar o Sérgio ou um ator a fazer de realizador. Mas depois de várias versões do argumentou pensei que não queria fazer um filme sobre cinema, um filme dentro do filme.

Este filme tem coisas que não queremos ver quando vamos ao cinema. Que procuramos esconder debaixo do tapete. Apesar de existir também algum romantismo, ficamos com uma personagem derrotada, a quem sucede um conjunto de pequenas crueldades da vida de todos os dias. 
Muitos espectadores dizem-me que o filme é tão realista. Apesar de existir o artifício da ficção que fica bem patente no final, realmente não tem um final feliz. Não tem o final dessas histórias de escape, que também gosto de ver para sair fora da realidade.

Num momento do filme observamos um sujeito na rua com um cartaz que diz “Compre este homem”. Parece uma situação atirada para o rebuliço quotidiano para observar de que modo as pessoas lhe respondem. Até que ponto a rodagem em exteriores foi uma situação mais controlada ou antes aberta a este tipo de experimentação?
Abrimos totalmente o espaço para mergulhar no rebuliço do quotidiano. Até porque muitas vezes a questão económica faz a estética. Seria impossível para esta produção fechar o Chiado. Mas desde o início sabia que ia ser assim. Quer aqui em Lisboa quer em Cataguases. Talvez isso seja o expoente em todo o filme, porque há o ator que está a contracenar com os transeuntes, noutras cenas dois atores estão a contracenar entre eles num ambiente não controlado e a câmera está mais longe.

Como é que planearam o tempo das rodagens no Brasil e em Portugal?
Filmámos primeiro em Cataguases. Eu vim a Lisboa antes da filmagem em Cataguases fazer uma pré-preparação e deixar alguém a fazer pesquisa de casting e décors. Foram quase dois filmes distintos. Parámos dois meses e viemos filmar em Lisboa. Mantive o director de fotografia e o director de som e o resto da equipa era diferente. Mas a filmagem em si foi curta. Duas semanas no Brasil e outras duas em Portugal.

O que motivou a sua ida para o Brasil para fazer cinema? Mais possibilidades de trabalhar decorrentes do aumento dos apoios às artes? E quais são os sinais dados pela nova presidência daquele país relativamente a esta situação?
Há pouco mais de dez anos que tenho uma ligação próxima ao Brasil porque sou casado com uma brasileira que também faz cinema – é a produtora do meu filme. E tudo se mistura. Para mim o cinema é a vida e a vida é o cinema. 24 horas por dia. Vou ao Brasil todos os anos. No Brasil há muito mais portas onde bater para se conseguir financiamentos. Cada Estado tem as suas leis de apoio e incentivo ao cinema. Existe principalmente uma lei de mecenato que funciona. Cá não se vê a Galp a financiar o cinema e lá a Petrobras e outras empresas fazem-no. O meu filme foi financiado pela Energisa que é de Cataguases. Depois tivemos o apoio para a finalização do ICA. Em relação à parte política, a classe artística do Brasil tem muita força e incomoda muito. O Chico Buarque, o Caetano Veloso, a Sônia Braga são personalidades que têm muita força. O governo golpista prefere tentar manter os artistas quietos, não fazendo grandes ondas, para se tentar manter no poder. Por isso não acabou com o ministério da Cultura e, por enquanto, não houve diferenças na política cultural. 

[ por Ricardo Gross | fotografias de Humberto Mouco ]

 

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