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Sexta-feira 17 de Maio de 2024  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

INÉDITOS DE ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
Para assinalar o Dia Mundial da Poesia

18-03-2016 - N.A.

Assinalando o Dia Mundial da Poesia que se celebra a 21 de Março, a Agenda Cultural de Lisboa lançou um desafio ao poeta António Carlos Cortez: assumindo como mote a célebre afirmação de Adorno –  é impossível escrever um poema depois de Auschwitz  -, pedimos-lhe que enunciasse os motivos pelos quais considera ser importante cultivar o género poético em pleno século XXI. Como resposta, enviou-nos o texto intitulado  Poesia, Auschwitz & David Bowie , acompanhado de um poema inédito incluído no seu mais recente livro,  Animais Feridos  (Dom Quixote).

O oitavo volume poético de António Carlos Cortez, que reúne 70 poemas sobre este “nosso tempo tétrico”, é lançado na Livraria Buchholz, no próximo dia 21, pelas 18h30. Nuno Júdice fará a apresentação do livro, com leitura de poemas pelo autor e pelo actor Luís Lucas. LAE
 
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POESIA, AUSCHWITZ
& DAVID BOWIE

Gunter Grass, no seu livro  Escrever Depois de Auschwitz (Dom Quixote), observou que ao poeta, ao escritor, só lhes restava «escrever sobre o tempo que passa». Para mim, depois de Auschwitz, escrever poesia não é apenas registar o tempo, é reconstruí-lo na linguagem.

Depois de Auschwitz, outras fracturas exigiram a intervenção da palavra poética: do Vietname ao Iraque, da Jugoslávia à Síria... Escrever poesia, sim, mas com imensas dúvidas: que pode um poema contra as atrocidades perpetradas por tiranos? Quando o fosso entre ricos e pobres nos faz ver que 1% de seres humanos detém 99% das riquezas mundiais, que pode a poesia? Portugal tem dois milhões de pobres... o fascismo continua de outra maneira: a inveja, a diluição cultural, a alienação, a boçalidade... «Cá nesta Babilónia, donde mana/ matéria quanto mal o mundo cria», escreveu Camões. Mas aqui estamos e David Bowie não deixou de profetizar em «Lazarus», canção do seu último álbum, Blackstar, uma futuridade, um apocalipse. Escrevo poesia para resistir aos «burrocratas», lembrando Herberto.

Sei que Peter Sloterdick pode ter razão: enfrentam-se, a nível global, os três «ismos» da ira: o neoliberalismo de matriz americana, o fanatismo islâmico e o Pós-Comunismo e sei que a poesia pode ser ainda uma forma de apedrejar este «tempo detergente» que detesto, parafraseando Ruy Belo. No meu próximo livro, Animais Feridos (Dom Quixote) a poesia é ainda a minha maneira de estar sozinho. Não é uma ambição minha.

MORTOS-VIVOS

E não temos palavras para ser
Regressamos em silêncio aos dormitórios
No olhar trazemos o vazio
e dentro do vazio somos carnívoros
Saímos para a noite embriagados
O rosto que temos não nos chega
Os olhares vítreos são mesmo de vidro
com suas lâminas compramos o prazer
Não temos palavras para ver
somos corvos e chacais e somos cobras
E um rio tumular percorre os corpos:
o grito de Munch o rio de lama
em peitos tatuados    em sexos
esculpidos    De  piercings na língua
os olhos injectados  nós somos

 

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