Das sombrias profundezas à luz das estrelas
‘Commedia. Inferno’ no Gabinete Curiosidades Karnart

11-03-2016 - N.A.

No espaço da Karnart, na Avenida da Índia, Luís Castro e a sua equipa recriaram o Inferno de Dante, num exercício de grande originalidade e minudência. Ao longo de cerca de uma hora, cada espectador é convidado a fazer a viagem pelos nove círculos, à semelhança do poeta florentino e do seu companheiro e protector Virgílio, das sombrias profundezas onde se castigam os pecadores à redentora luz das estrelas.
 
Não será, por ventura, uma abordagem clássica (no sentido mais estrito do termo) aquela que Luís Castro propõe para a adaptação da Karnart do primeiro livro da   Comédia  do poeta florentino Dante Alighieri. Na verdade, como o próprio define   Commedia.Inferno, “esta é minha leitura plástica do clássico”, representada num conjunto de instalações que, guiados por dois cicerones, o público experiencia sensorialmente em toda a plenitude.  
 
Mas, para uma viagem plena pelos nove círculos do   Inferno, Castro e a sua equipa prepararam um guia onde cada espectador pode encontrar uma explicação das peças, uma contextualização e a sua relação com a narrativa de Dante. E é, precisamente, antes de iniciar a viagem, que os dois anfitriões de serviço (Isabel Gaivão e Marcos Marques) encaminham o público para uma “central de operações” onde é possível ficar a conhecer todas as entranhas do projecto, nomeadamente, o extenso trabalho de investigação e tratamento da obra, a partir da tradução de Fernanda Botelho para a edição do   Círculo de Leitores, com as célebres ilustrações de Gustave Doré (também disponível para consulta).
 
Munido de uma lanterna e do respectivo guião, o espectador encontra-se preparado para encarnar Dante na descoberta do local onde se castigam os pecadores, rumo ao centro da terra, onde vive Lúcifer. Apesar do “caminho” traçado, Castro sublinha que “o espectador é livre de escolher o seu percurso”, logo, “de criar a sua própria narrativa”, pois “aqui não pretendemos dar respostas nem interpretações”. Os   performers  são apenas guias silenciosos que interagem, pontualmente, com as instalações e convidam cada espectador “a olhar, a fixar, a ler, a sentir, a cheirar”.
 
Uma leitura plástica
Marcado, sobretudo, pelas ilustrações que Doré compôs para o   Inferno, sem descurar, porém, outras influências artísticas que se alimentaram do poema dantesco, Castro faz deste acontecimento   perfinst  – misto de instalação com performance, que caracteriza o trabalho desenvolvido pela Karnart – uma experiência gráfica tão desafiante quanto complexa. “Porque é exigente, colocamos nas mãos de cada espectador os instrumentos necessários para a ‘viagem’, tanto através do material distribuído como através da actuação dos performers”, sublinha o director artístico da companhia.
 
Para intensificar a descoberta dos caminhos do   Inferno, a leitura conta ainda com outra relevante componente: a paisagem sonora. Para o efeito, o artista plástico e co-director da Karnart, Vel Z, recorreu à música de Sergei Rachmaninov, “densa mas pacífica”, que aviva essa viagem repleta de sofrimento, rios infernais, monstros e demónios.

Commedia. Inferno   pode ser experienciada de 26 de Fevereiro a 26 de Março, no Gabinete de Curiosidades Karnart. Em Julho e Outubro,   A Divina Comédia prossegue, com as estreias de   Commedia.Purgatorio  e   Commedia.Paradiso, respectivamente.
 
[ texto de Frederico Bernardino | fotografias de Humberto Mouco/CML-ACL]

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