| Busca dos portugueses pelo eldorado luxemburguês chega ao grande ecrã
04-03-2016 - MP
«ElDorado» retrata pessoas ‘normais’, as suas ilusões e desilusões, as duras condições de trabalho num país que não é o seu. O documentário acompanhou três anos na vida de quatro emigrantes portugueses recém-chegados ao Luxemburgo.
Realizado por Rui Eduardo Abreu, Thierry Besseling e Loïc Tanson, a película foi seleccionada para o Luxembourg Film Festival e para o Taiwan International Documentary Festival e estreia a 16 de Março nas salas de cinema do Grão Ducado.
“É uma história sobre pessoas que não estamos habituados a ver nos filmes e sobre duras condições de trabalho. São as trajectórias de quatro pessoas, as suas ilusões e desilusões, num país que não é o seu”.
Alguns dias depois de terem visto a película ser seleccionada para o Luxembourg Film Festival, e prestes a vê-la estrear nas salas de cinema luxemburguesas, é assim que Rui Eduardo Abreu, Thierry Besseling e Loïc Tanson descrevem «ElDorado», o seu mais recente projecto.
Tendo como tema central a dinâmica da imigração portuguesa no Luxemburgo, o documentário - que tem estreia agendada para 16 de Março - segue, ao longo de um período de três anos, o percurso de quatro emigrantes portugueses recém-chegados ao país: Fernando, um português de meia idade, que procura escapar à crise económica em Portugal; Carlos, um desempregado de longa duração e ex-presidiário, prestes a ser pai; Jonathan, um adolescente com dificuldades escolares e em busca da sua vocação; e Isabel, uma portuguesa com um passado de violência e que procura um novo começo. São estes os rostos das histórias que os três realizadores convidam a conhecer.
Uma temática que surge de forma bastante pessoal para cada um destes jovens cineastas. Thierry Besseling e Loïc Tanson, os dois realizadores luxemburgueses presentes no projeto, trabalham juntos há já cerca de sete anos, sendo criadores de várias curta-metragens sobre as dinâmicas da infância - os sonhos e memórias característicos dessa faixa etária.
Já Rui Eduardo Abreu, nascido em Portugal em 1981, estudou antropologia visual em Paris, seguido de um mestrado na École de Documentaire de Lussas, tendo trabalhado ainda na criação de audiovisuais para várias companhias de teatro parisienses, antes de participar naquele que é o primeiro trabalho conjunto dos três realizadores.
“Todos nós temos, de alguma forma, laços e ligações com esta comunidade de emigrantes. E isso torna (a experiência) diferente para mim, para o Loïc e para o Rui”, revelou Thierry. Inicialmente, tinham previsto três curtos filmes de 30 minutos, mas acabaram por decidir reunir a pesquisa realizada por cada realizador, num único filme.
Ultrapassar clichés
«ElDorado» surge assim, como uma película de 83 minutos “com os pés no chão, bastante firmada na realidade” e um capítulo final mais subjectivo onde espectadores e personagens encontram uma “liberdade” nova.
Um documentário que pretende ultrapassar clichés e “falar de situações e questões reais” que nem sempre são fáceis de abordar.
“Muitas pessoas acreditam no Luxemburgo como o ElDorado, onde tudo é possível, e, no fundo, nós mostramos o outro lado – algo que algumas pessoas não querem ver e que acaba por afetar todos”, explicam.
Vidas reais
Num país onde 40 por cento da população é descendente de emigrantes e onde 65 por cento da população activa inclui nacionalidades distintas da luxemburguesa, os emigrantes portugueses formam uma das maiores comunidades estrangeiras no país, estimando-se que representem entre 16 a 20% da população total do Grão-Ducado.
Esta é, no entanto, a primeira película sobre a emigração portuguesa no país: “a ideia central, aqui, era mostrá-los (aos emigrantes portugueses) num filme, algo que nunca tinha sido feito. Queríamos colocá-los sob os holofotes, foi essa a principal razão para o fazermos”, explicam.
Algo que exigiu uma pesquisa exaustiva aos três cineastas. Num total de sete anos de duração do projecto, estimam que aproximadamente dois tenham sido inteiramente dedicados a conhecerem melhor a comunidade portuguesa no Luxemburgo.
“Passámos muito tempo em cafés, em escolas, apenas para conhecer pessoas e ter uma ideia do que seria interessante para nós e para o filme”, referem, acrescentando que “estas quatro personagens foram, de longe, as mais interessantes”.
“Tentamos ter alguém que estivesse a acabar de chegar ao país - era algo importante para nós - e queríamos também analisar os problemas na educação e na integração”, especificam.
Contactaram os emigrantes portugueses sobretudo através de organizações. Houve quem quisesse aderir e quem se recusasse a participar no projecto: “também existia a questão de quem estava confortável e aceitava a presença da câmara nas suas vidas”, explicam.
Da mesma forma foi necessário encontrar a distância certa para poder retratar, de uma forma algo isenta, a vida destes emigrantes, com quem conviveram ao longo de quase cinco anos.
“Foi necessário não sermos completamente amigos deles, mantermos uma relação algo profissional. E eles também aceitaram isso. Foi um processo, para todos nós, encontrarmos a distância certa”.
Por outro lado, foram três realizadores atrás da câmara. “Como éramos três pessoas, aquele que estava mais sintonizado com os ‘personagens’, tinha sempre dois colegas a alertá-lo para a forma como os estava a retratar. Mas, sim, prestamos alguma atenção para não nos envolvermos demasiado, emocionalmente”, confessam.
Relembram, no entanto, que não pretendem fazer um retrato exaustivo da emigração portuguesa no Grão-Ducado.
“Nós só seguimos estas quatro pessoas e contamos as suas histórias. Não tivemos a pretensão de ser exaustivos, portanto não sentimos essa responsabilidade”. As conclusões finais, afirmam, ficam a cargo de quem assistir à película. “Nós só contamos uma história, cada espectador pode formar a sua própria opinião sobre como estas quatro (histórias) se relacionam com a da emigração”.
Razões semelhantes àquelas que invocam quando se fala sobre a possibilidade de serem “julgados” pelos clichés associados à comunidade imigrante portuguesa.
“Ao filmá-los (às personagens) durante tantos anos, estamos a retratá-los de uma forma muito pessoal. Estamos a contar as suas histórias pessoais, portanto o cliché, em si próprio, deixa de existir. O que os espectadores vão ver são as vidas destas pessoas, e não apenas a fachada delas”, afirmam.
Num país onde o número de emigrantes portugueses altamente qualificados não é elevado, os três realizadores querem que «ElDorado» permita a todos “ver estes portugueses ‘como pessoas’, enquanto elas próprias, e não como a senhora das limpezas, ou quaisquer que sejam os clichés”.
A expectativa é terem conseguido criar uma película, não apenas sobre vida dos emigrantes portugueses no Luxemburgo, mas sobre cidadãos, independentemente dos países de destino ou origem, à procura de uma vida melhor. “É uma história universal, com sentimentos universais”, referem.
Um álbum de família
Os quatro portugueses retratados já assistiram ao documentário, na sua versão final, e ficaram “emocionados e surpreendidos”, segundo os três realizadores. “É um pouco como quando pegamos num álbum de família e nos lembramos de como éramos mais novos, e de todos aqueles momentos”.
Depois da “lisonjeadora” selecção para o Luxembourg Film Festival, onde ocorreu a antestreia - e, mais recentemente, para o Taiwan International Documentary Festival-, o foco é agora “chegar ao maior número de pessoas possíveis”, e não apenas às cadeiras de festivais de cinema.
Nem, tão-somente, às comunidades portuguesas no país. “É uma história sobre quatro pessoas a viver no Luxemburgo, pode ser interessante para qualquer pessoa que more aqui”, garantem, porque aquilo que esta história conta “torna-a universal o suficiente para qualquer tipo de audiência”.
Pensam que os espectadores luxemburgueses “reagirão de forma diferente ao filme do que, por exemplo, os portugueses”, dado que, opinam, as gerações luxemburguesas mais velhas podem não ter tido “o mesmo tipo de acesso às realidades dos emigrantes portugueses”. Já estes emigrantes “possivelmente olharão para os seus próprios problemas de uma outra forma”.
A única expectativa destes três jovens cineastas, no entanto, é que os espectadores “vejam o filme e que gostem”. Isso e poder levar o documentário às salas portuguesas e de outros países. Estão, aliás, à procura de distribuidores em Portugal, assim como a candidatar-se a vários festivais de cinema nacionais.
“Achamos, que seria importante que fosse visto em Portugal, numa altura em que tantos portugueses estão a deixar o país. «ElDorado» mostra o quão difícil é, na realidade, ser emigrante - os sentimentos, as emoções. Seria importante que, em Portugal, vissem o que os portugueses, no estrangeiro, vivem e sentem”, sublinham.
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