Edição online quinzenal
 
Quinta-feira 2 de Maio de 2024  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

ENTREVISTA A MARIA GADÚ
'Guelã' é o novo disco da cantora

26-02-2016 - Filipa Santos

Maria Gadú está de regresso aos discos. Com álbum novo na bagagem, a cantora brasileira actua, dia 4 de Março, no Centro Cultural de Belém. Presença bastante assídua no nosso país, esta mulher dos sete ofícios canta, toca, compõe e é um caso sério de sucesso, no Brasil e em Portugal. Dona de uma simpatia contagiante, arrancou rasgados elogios de cantores como Caetano Veloso, o seu maior ídolo. Fomos falar com ela a propósito do novo disco, Guelã .

A música entrou muito cedo na tua vida. Quando é que começaste a sentir esse fascínio?
Devia ter uns cinco anos. Foi algo muito natural, comecei a gostar de música porque em minha casa havia sempre muita música. A minha mãe e a minha avó sempre tiveram o desejo de despertar um lado artístico em mim, por isso desde muito cedo comecei a ir a concertos, peças de teatro… De repente, dei por mim a tocar piano, violão e a coisa foi acontecendo. Nunca decidi ser cantora ou música, isso foi acontecendo naturalmente…

É verdade que Shimbalaiê   foi composto quando tinhas dez anos?
Sim, é verdade. Para mim compor era algo muito natural. Na altura não achei que fosse ser nada de especial, pensei mesmo que me estava a lembrar de alguma coisa que tinha ouvido. Então, a minha mãe disse-me: “claro que não, esta música é tua”. Demorei para aceitar esta ideia…

Em 2013, lançaste   Nós, álbum de duetos que conta com nomes como Caetano, Ana Carolina, Gilberto Gil, Milton Nascimento… Como foi esse processo?
Esse álbum é uma compilação de várias coisas, não entrei no estúdio e gravei tudo de uma vez. É um disco que reúne tudo o que gravei fora da minha discografia. Tem músicas que gravei para o DVD da Sandra de Sá, do Gilberto Gil, a música que cantei no disco do Ivan Lins… O meu público é muito jovem e pode não ouvir alguns destes artistas, então lembrei-me de reunir tudo num disco. Nem consigo avaliar todas estas coisas que tenho feito, é muita coisa boa… Estar perto dos ídolos e poder aproveitar estes momentos musicais em estúdio ou em palco… Mas quero fazer muito mais, falta-me fazer muita coisa ainda!

Em 2011, actuaste com Caetano Veloso no Meo Arena. Como foi dividir o palco com um dos maiores nomes da música brasileira? Sentiste o peso da responsabilidade?
Senti a responsabilidade, mas não o peso. Se sentires o peso, não consegues fazer. Ainda hoje sinto essa responsabilidade de ter uma ligação musical com o Caetano, que é o meu maior ídolo. Não consigo assistir ao nosso DVD, para mim é como se não existisse. Acho um absurdo, pergunto-me como é possível ter acontecido… [risos]. A responsabilidade é mais no sentido de: “espera aí, passei a minha vida toda a ouvir-te, continuo a ouvir-te todos os dias, a minha formação musical é baseada no que me ensinaste, então, na altura em que tocarmos juntos, devo-te alguma satisfação”. De alguma forma, tenho que mostrar que aprendi alguma coisa. Ou então, que não entendi nada, mas alguma coisa tenho que mostrar. No entanto, em nenhum momento isto foi algo opressor, de sentir medo, mas também não foi um trampolim. Foi uma coisa bem afetuosa, o Caetano é uma pessoa muito carinhosa e trouxe-me para um lugar muito bom, de convivência, de quotidiano, de amizade… Quando estávamos no palco juntos, era uma delícia. Havia ali uma intimidade que só ele me poderia trazer.

Quando vieste ao Coliseu apresentar Mais uma Página, em Maio de 2012, convidaste o fadista Marco Rodrigues para actuar contigo. Tens alguma ligação ao fado?
Adoro fado. Acho muito bonito, sempre achei. A minha avó sempre ouviu muito Amália Rodrigues, a minha mãe ouve muito Mariza, e eu ouvia com elas, em casa. Sempre gostei.  Quando comecei a vir a Portugal, conheci o Marco Rodrigues numa casa de fado no Bairro Alto. Vi muita gente da minha geração a cantar fado e achei curioso, porque até há pouco tempo atrás, o fado que chegava ao Brasil era o fado antigo… Entretanto eu e o Marco tornámo-nos muito amigos e ele apresentou-me a uma gama incrível de jovens fadistas e músicos. O Zambujo vai muito ao Brasil, ele foi um dos grandes percussores do fado que se ouve por lá agora, a Carminho também tem sido uma presença constante no Brasil, tem feito concertos com o Milton Nascimento, Chico Buarque e Caetano. A Carminho é muito jovem e está a levar a cultura portuguesa para o Brasil…

Como vês esse casamento entre a música portuguesa e a música brasileira, aparentemente tão distintas?
Não acho assim tão diferentes. Pelo menos não em género. Existem claras diferenças, por exemplo o fado é sustentado pela guitarra portuguesa. Nós temos o cavaco e o banjo, usados no nosso samba-canção, no nosso choro. Se tirarmos os trejeitos e os melismas (que são característicos do fado), as melodias têm uma parecença. Acho a mistura do fado com o cancioneiro brasileiro mais moderno (Milton Nascimento, Caetano Veloso e Chico Buarque) lindíssima. No outro dia estava a ver a Carminho a gravar uma canção linda (do César Mendes e do Tom Veloso, filho do Caetano) com o Caetano e achei incrível. Com os trejeitos do fado, mas uma canção jovem, brasileira.

Em Março, actuas no CCB para apresentar Guelã. Como defines este disco?
É bastante diferente, especialmente na sonoridade. Tem a ver com o “andar da carruagem”. Nunca quis ficar parada, nunca achei que isso fosse confortável. Continuei o meu caminho, ouvindo outras músicas, conhecendo outros sons, estudando… Este disco tem quase dez anos de diferença do outro. Tinha vinte anos, agora vou fazer trinta. É a mesma pessoa, mas são duas percepções diferentes.

Guelã   foi nomeado para o Grammy Latino de 2015, na categoria de melhor álbum da Música Popular Brasileira. Como olhas para prémios e distinções, isso é importante para ti?
Não, nada. Tem a importância cronológica, do prémio existir. Reconheço que possa ter importância para as pessoas. Se um disco é nomeado, então é porque deve ser bom. Mas dentro das vaidades, eu não tenho nenhuma, não gosto. Não vejo a música como uma atividade competitiva, isso deixa-me desconfortável. Normalmente nem vou assistir a galas de prémios. Fui aos Grammys da primeira vez que fui nomeada, mas porque me convidaram para cantar. Claro que é óptimo ser nomeado e receber prémios, sinto-me honrada quando sou nomeada, mas não é, de todo, uma coisa importante para mim.

És uma presença muito assídua em Portugal. O que te faz regressar?
Tudo. Adoro Portugal, adoro Lisboa. Sinto uma proximidade muito grande com as coisas de casa da minha avó, que sempre teve uma enorme ligação aos portugueses. Gosto de estar cá, acho interessante esta ideia de falarmos a mesma língua mas com fonemas diferentes. Acho muito especial esta coisa de Portugal abrigar diversas culturas. Quando chego cá, tenho contacto com Angola, Cabo Verde, Moçambique… No Brasil não acontece tanto isto e acho incrível que cá seja assim. Sinto-me em casa.

[Por Filipa Santos; fotografias de Humberto Mouco\CML-ACL]

 

Voltar 


Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome