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Questões Oportunas

Uma fábrica de trolls vista por dentro
08-11-2019 - Katarzyna Pruszkiewicz, Wojciech Ciesla, Paulo Pena*

Reportagem exclusiva dentro de uma fábrica de trolls na Polónia que tem como capa uma empresa de relações públicas. Especial Investigate Europe/DN.

Renata Kopacz tem uma conta no Twitter com o nome Sra. Renatka. A sua foto de perfil é o símbolo do partido no poder, Lei e Justiça (PiS), riscado com uma cruz, com duas hashtags que reforçam a sua oposição ao partido maioritário na Polónia: #AntiPiS e #StrongTogether. Renata garante que todos os seus posts apenas representam as suas opiniões. Ela retuíta principalmente políticos e jornalistas da oposição e é seguida por quase dois mil outros perfis.

De acordo com a descrição do seu perfil no Facebook, Magda Rostocka gosta de corridas e de aviação. Apresenta-se no Twitter como "uma pessoa canhota com um coração do lado direito, votando no PiS", e tem 4300 seguidores. Ela costuma retuitar comentários publicados por um troll de direita chamado PikuśPOl, pelo jornalista Rafał Ziemkiewicz e pela deputada do PiS Anna Sobecka.

É difícil imaginar duas pessoas mais diferentes do que Kopacz e Rostocka. Muitas vezes, elas discutem no Twitter. No entanto, ambas têm algo em comum: a mesma fábrica de trolls. Não são pessoas reais. Ambas as contas são falsas, geridas por uma única pessoa que é paga para o fazer. Através delas descobrimos a maior fábrica de trolls da Polónia, para a qual os trolls trabalham e fazem campanhas de desinformação no Facebook e no Twitter.

Breslávia, onde tudo começou

Janeiro de 2019. Estamos num antigo bloco de escritórios comunista nos subúrbios de Breslávia, uma cidade polaca. Os agentes do Serviço Central Anticorrupção (CBA) da Polónia estão a correr programas informáticos numa pequena sala no terceiro andar. Duas secretárias, um cabide e um armário de arquivo estão encafuados num espaço pequeno. Esta é uma das sedes da empresa Cat@Net - que, de acordo com a sua página web, é uma "agência de relações públicas composta por especialistas que constroem uma imagem positiva de empresas, particulares e instituições da administração pública - principalmente nas redes sociais".

Apenas duas reportagens breves são publicadas sobre a intervenção desta empresa, no entanto, ambas contêm algo que desencadeará a nossa investigação, que demorou seis meses: a investigação da Cat@Net está ligada à detenção de Bartłomiej Misiewicz e à sua alegada conduta ilegal no seio do Grupo de Armamento Polaco (PGZ) - um dos maiores grupos de defesa da Europa (mais de 50 entidades, emprega mais de 18 mil pessoas).

Misiewicz, 29 anos, foi assistente do ministro da Defesa da Polónia, Antoni Macierewicz. Ele vive rodeado de muitos segredos - afinal de contas, durante muitos anos, foi o mais próximo associado de Macierewicz. Há vários anos, tornou-se o rosto de uma revolução conservadora chamada "Boa mudança" e é um típico ativista do PiS - enquanto trabalhava com o governo, não tinha diploma universitário nem formação militar, e a sua única experiência de trabalho fora um curto período numa farmácia local.

Misiewicz, com o apoio do seu protetor - ou seja, do ministro -, foi então nomeado membro dos conselhos de supervisão de várias empresas controladas pelo Estado, a mais importante das quais é a PGZ. Em janeiro de 2019, Misiewicz foi preso por suspeitas de corrupção na PGZ, entre outros possíveis crimes. Quando os agentes da CBA (a polícia polaca anti-corrupção) entraram na Cat@Net, com sede em Breslávia, o Investigate Europe (grupo de jornalistas europeu que o DN integra) estava a começar um longo trabalho sobre desinformação fake news.

Depois do Brexit e das eleições na América e na Catalunha, ficámos mais conscientes de que a internet é o espaço para a ampla manipulação e propaganda. E como funciona a propaganda na internet? Uma das respostas é óbvia: agindo de forma eficaz e eficiente para encontrar técnicas narrativas que irão atrair as pessoas e influenciá-las. O êxito, no fim, depende sempre da resposta das pessoas. Os trolls são uma das fontes de desinformação na internet. São perfis falsos que difundem automaticamente informação, espalhando-a em redes e provocando distribuição viral.

Em janeiro, quando estavamos a investigar a desinformação a nível europeu, uma fonte polaca disse-nos: "Está à procura de trolls? A Cat@Net sediada em Breslávia é uma clássica fábrica de trolls. Construíram um modelo através do qual o Estado apoia a divulgação de notícias falsas. Como a empresa emprega pessoas com deficiência, recebe um subsídio do Fundo Nacional de Reabilitação de Pessoas com Deficiência. Os funcionários sentam-se em frente aos computadores e enviam mensagens usando centenas de contas fictícias. Trabalham para a televisão pública da Polónia e para a indústria de armamento."

Uma fábrica de trolls, Cat@Net, Misiewicz, televisão pública? Decidimos que poderia ser útil olhar mais de perto para este puzzle.

Uma conta falsa no Twitter

© Investigate Europe

A Cat@Net está no mercado há alguns anos. A empresa afirma na sua página web: "Operamos de forma discreta e com a cautela necessária para lidar com assuntos delicados... Não há como enganar o público, apenas apresentamos factos."

Março de 2019. Quando começámos a pesquisar sobre a Cat@Net, descobrimos que a nossa fonte estava certa: a empresa emprega pessoas com deficiência e por isso pode oferecer benefícios fiscais aos seus clientes. Maciej, um antigo cliente da Cat@Net, diz: "Quando percebi como operam, fiquei sem palavras. Empregam pessoas em cadeiras de rodas, com deficiências graves, e é por isso que os seus clientes têm preços mais baixos para o trolling na internet."

Cada grande empresa na Polónia tem de pagar contribuições para o Fundo Nacional de Reabilitação de Pessoas com Deficiência e, utilizando os serviços prestados pela Cat@Net, essas contribuições podem ser reduzidas. Além disso, a Cat@Net recebe um subsídio do Fundo Nacional de Reabilitação de Pessoas com Deficiência. Conforme apurámos, a Cat@Net recebeu cerca de 1,5 milhões de zlotys (350 mil euros) do fundo desde novembro de 2015.

Deparamo-nos com um anúncio de emprego que diz que a Cat@Net está à procura de um "teletrabalhador", de preferência alguém com uma deficiência grave, pois isso implicaria um subsídio mais elevado do fundo para pessoas com deficiência. A pessoa empregada seria responsável por "construir uma imagem positiva dos nossos clientes nas redes sociais e na internet".

Katarzyna é uma estudante de jornalismo que está à procura de emprego. No entanto, quem pesquisar o seu nome na net, não encontrará qualquer informação que a ligue ao Investigate Europe ou a qualquer dos jornais que cooperam com estes grupos de jornalistas. Com alguma experiência em relações públicas, ela é uma candidata perfeita para o trabalho. É a pessoa perfeita para inflitrar esta fábrica de trolls e ajudar a escrever esta história.

Katarzyna envia o seu CV e, após algumas semanas, consegue encontrar-se com o director da Cat@Net num centro comercial de Varsóvia. O facto de ela não ser deficiente não parece ser um obstáculo. No entanto, Katarzyna é obrigada a cumprir um período experimental de três meses com uma reserva: não pode revelar para quem trabalha, pelo menos por enquanto.

Abril de 2019. A primeira tarefa que dão à nossa infiltrada Katarzyna é criar uma conta no Twitter para partilhar conteúdo "social e político". Deve criar um perfil, torná-lo credível e convincente, e escrever sobre tópicos atuais. O seu objetivo é conseguir 500 seguidores. Ela abre a conta Żoliborz Lass com uma bandeira nacional polaca na foto do seu perfil.

E logo a gerente, Alicja, lhe dá outra tarefa. Katarzyna tem acesso a uma conta anónima no Twitter que alguém criou antes dela. Espera-se que ela "goste" de peças de teatro na TVP, o canal de televisão público, controlado pelo governo, e que promova a TVPKultura e a TVPHistoria, outros canais do grupo.

Como é que ela pode fazer isso? Alicja elogia o facto de a conta Cat@Net funcionar de forma muito eficiente para a TVP: chama-se TVPPolaków_1. Ela explica como criar pesquisas no Facebook e obter visualizações e gostos. Alicja envia uma breve instrução por e-mail: "Seria ótimo se publicasse comentários positivos sobre o subsídio do governo para a TVP e a taxa de televisão como parte da narrativa de alta cultura. Os meios de comunicação social com uma missão deveriam receber financiamento público; caso contrário, desapareceriam do mercado a favor de produções de má qualidade como Hidden Truth [baseada em histórias familiares da série televisiva alemã], Big Brother ou School [uma série pseudodocumental polaca sobre estudantes na Polónia]."

Gdańsk: autarca comparado a abusador sexual

Junho de 2019. Katarzyna tornou-se um troll de confiança e é convidada para um grupo privado de chat Cat@Net chamado Lame Rebellion. Todos os dias, pessoas com diferentes graus de deficiência, incluindo as que usam cadeiras de rodas, reúnem-se aqui e falam. Esta conversa interna é, de facto, o centro da atividade da empresa. Todas as operações da internet são controladas por dois gerentes que enviam trolls para reagir sob posts específicos ou em contas específicas do Twitter. Os gestores decidem sobre o que escrever e publicar (obviamente, os comentários devem ser diferentes, para que ninguém os ligue à Cat@Net).

Como verificou Katarzyna, um dos primeiros grandes clientes da Cat@Net é a televisão pública polaca TVP. Trolls começam a trabalhar para a TVP em setembro de 2017, publicando comentários, defendendo o canal e o seu presidente Jacek Kurski, próximo do governo. Entre eles, está o TVPolaków_1, uma conta no Twitter muito agressiva gerida pela própria responsável da fábrica de trolls.

A TVP nega trabalhar com a Cat@Net. Descobrimos que usou um intermediário: uma agência de marketing chamada AM Art-Media PR. Foram assinados vários contratos entre a agência e a TVP. O presidente da agência, Ignacy Krasicki, afirma que se lembra das operações. "A cooperação durou vários meses."

As contas Cat@Net trabalharam para a TVP até à primavera de 2019. Durante esse tempo, todos os trolls deviam estar prontos para aplaudir a TVP, dia e noite. O modus operandi? Quando o presidente da câmara de Gdansk, Paweł Adamowicz, foi assassinado e a TVP é acusada de persegui-lo, os trolls que trabalham para a televisão começam uma campanha de ódio massiva na internet:

- Ele tinha de estar lá? A única coisa que lhe interessava era juntar o máximo de dinheiro possível, para que parte dele caísse no bolso dele!

- Precisava de ganhar respeito enquanto ainda estava vivo.

- A TVP é absolutamente inocente. Esta é uma campanha de ódio da oposição.

- As pessoas estão à procura de alguém para culpar e estranhamente escolhem sempre o Kurski.

- A sede da Czerska [ Gazeta Wyborcza - jornal liberal polaco, antigoverno, e curiosamente dirigido pelo irmão do Kurski da tv,] lança a sua operação manipuladora e todos os KOD e outros seguidores vão aplaudir cegamente, pois não têm cérebro.

- Se o Trynkiewicz [assassino em série polaco e abusador sexual de crianças] for morto, também vão pedir respeito?

A imprensa e a teoria da conspiração

© Investigate Europe

A Investigação reunuiu uma lista de contas de trolls da Cat@Net. São pelo menos 179: 70 no Facebook, 94 no Twitter, 11 no Instagram e mais três no YouTube. São todas geridos apenas por 14 pessoas. Na verdade, é um exército bastante eficaz, pois muitas contas têm milhares de seguidores e alguns posts são vistos dezenas de milhares de vezes.

As contas são lançadas em função do que acontece na Polónia. É suposto agitarem tanto a esquerda como a direita polacas, tornando-se, assim, mais credíveis num determinado grupo de utilizadores, o que constitui uma técnica típica de desinformação.

Em maio de 2019, o Conselho da Língua Polaca publicou um relatório especial que criticava o discurso do ódio e a propaganda utilizada nos noticiários do programa noticioso TVP Wiadomości. Os trolls receberam instruções para desinformar e transmitir a opinião do Centro de Monitorização da Liberdade de Imprensa pró-PiS, que "apela aos jornalistas para que sejam cuidadosos e imparciais ao citarem as conclusões do relatório".

Quem está por detrás das instruções? Os gestores da fábrica de trolls e redatores da Art-Media. Sabemos isso pelos documentos que conseguimos obter. Em maio de 2019, os trolls recebem um link para um artigo da Gazeta Wyborcza sobre uma reportagem sobre a TVP, pela qual a KRRRiTV (Conselho Nacional de Radiodifusão Polaco) pagou. Um gerente de fábrica divide tarefas entre os trolls. A agência pede para partilhar o post com comentários e adicionar mais comentários abaixo levando em consideração os seguintes argumentos:

- São teorias da conspiração feitas por um jornal em colapso;

- Estão à procura de um escândalo em relação a um relatório que ninguém viu;

- Qualquer um pode facilmente manipular pessoas enquanto fala sobre algo que elas não viram e com o qual não conseguem relacionar-se;

- Talvez um relatório semelhante devesse ser preparado para o 30.º aniversário deste organismo da imprensa?

"Mas, por favor, não copiem os meus argumentos, tragam as vossas próprias ideias baseadas no que eu escrevi", dizem as instruções. Esta é a tarefa para a maioria das contas de direita.

Os trolls ficam confusos porque o artigo da Gazeta Wyborcza está atrás de uma paywall de assinatura e não conseguem lê-lo, mas o gerente decide tudo e diz-lhes: "Confiem no que escrevi. Os vossos posts devem ter o mesmo significado, mas usar palavras diferentes. Sei que a imprensa sensacionalista usa paywalls, mas tenho estas instruções, por isso alguém deve ter lido o artigo."

Os comentários serão publicados no Twitter, e não diretamente no artigo em questão.

A fábrica de trolls envia relatórios regulares para a TVP, descrevendo a atividade das contas falsas. Cada troll tem de incluir fotos tiradas ao ecrã que mostram os seus próprios comentários. No entanto, para fora, a fábrica deve esconde o facto de que a propaganda da TVP esteja a ser feita a partir de contas falsas. Por isso, antes de o relatório ser enviado, o gerente diz, furioso que se tem de apagar todas as referências. "Eu disse-te para apagares os nomes e avatares! Porque não estás a fazer isso? Agora tenho de fazer tudo sozinho", diz, lívido.

Presidente da TVP luta contra índices de audiência

A infiltrada Katarzyna tem acesso a um dos relatórios onde se discutem as atividades dos trolls para a TVP em março de 2019. O relatório contém cálculos precisos: as atividades foram realizadas utilizando o perfil dedicado do Twitter da TVPolaków_1 e contas que pertencem a influenciadores cooperantes em plataformas sociais (Twitter e Facebook). Em fevereiro, foram publicados 725 posts (97 pela TVPolaków_1 e 628 por outros), bem como 17 comentários deixados sob os textos dos autores indicados em sítios de notícias.

O relatório exemplifica: em 6 de março foi noticiado que Piotr Owczarski, anteriormente empregado da TVP, vai acusar a empresa de assédio moral e pedir assistência jurídica a Donald Trump e ao Conselho Europeu. A TVPolaków_1, juntamente com outras contas Cat@Net de direita, tentou ridicularizar a tentativa de intentar uma ação judicial contra a televisão pública polaca. As contas da Cat@Net serviram para assinalar que o Sr. Owczarski não foi objetivo em relação à TVP por ter sido despedido, ao passo que as medidas que tinha tomado o desacreditaram. A operação foi lançada a partir de mais de 60 contas.

A Cat@Net queixa-se de que a situação na TVP é demasiado dinâmica. Quando a TVP despede Marzena Paczuska e Piotr Pałka, as contas dos trolls de direita entram em ação. O mesmo relatório fala do assunto: "Os perfis das redes sociais de direita expressaram satisfação com a partida de Piotr Pałka, e os influenciadores da Cat@Net juntaram-se à discussão." Mais de 50 contas no total estavam envolvidas na operação.

A fábrica zela pela imagem do presidente da TVP online, que se viu envolvido num aparatoso acidente de viação. Relatórios Cat@Net: "A operação visa melhorar a imagem do presidente da TVP, que é frequentemente acusado de condução imprudente. Os juízes determinaram que ele não era o único responsável pelo acidente que ocorreu há um ano e meio." Mais de 80 contas no total estavam envolvidas na operação. Vale a pena notar que, para defender Kurski, a fábrica de trolls usou mais contas do que em outros casos envolvendo a televisão pública polaca.

A fábrica também esteve ativa no outono de 2018, durante a discussão da TVP com a empresa de medição de audiências Nielsen. Jacek Kurski não gostava do facto de a televisão pública ter um fraco desempenho nas audiências da Nielsen. Enquanto ele procurava usar os serviços da Netia, concorrente da Nielsn, os trolls estavam ativos novamente:

- O monopolista de classificação de audiência não esconde que não gosta de @TVP. Isto é uma avaliação objetiva dos meios de comunicação social?

- Há muito que se argumenta que os métodos da Nielsen estão desatualizados e que o próprio grupo de pesquisa não é representativo. Enquanto a empresa for monopolista, a @TVP perderá sempre, porque todos sabem quais as emissoras que favorece...

- A Nielsen é considerada pioneira na classificação das audiências televisivas. Bem, isto é um grande esquema! Podem ver com os vossos próprios olhos!"

- Aqui está a prova de como a Nielsen, uma empresa comercial, está a fazer batota. A sua credibilidade é inexistente!

A fábrica também usa o Twitter contra os media:

- Comer carne causa racismo, fascismo e xenofobia, tais revelações são publicadas por #WysokieObcasy. Vale a pena recordar isso na mesa de Natal!

-Aviso! Só precisamos de mais 700 assinaturas para banir a #tvn! O povo polaco recusa-se a ser pressionado pelos meios de comunicação social alemães! Gostaríamos antes da RT. Assine a petição!

- Czuchnowski do #gw [GAZETA WYBORCZA], que em 2015 foi nomeado pela Associação Polaca de Jornalistas (SDP) para o prémio Hyena of the Year, insultou publicamente o ministro @Macierewicz_A. Exigimos que o Conselho de Administração da Agora tome as medidas disciplinares adequadas contra ele. Partilhem!

Pedimos à ISD Global, um grupo de reflexão sediado em Londres que examina técnicas de desinformação online, para analisar as campanhas da Cat@Net. Tweets sobre TVP e Kurski poderiam ter tido 15 milhões de visualizações.

Inesperadamente, em 10 de maio de 2019, a empresa é obrigada a suspender as suas atividades de propaganda a favor da TVP, até nova ordem. A partir de agora, a fábrica de trolls concentra-se na conta no Twitter do líder adjunto do SLD (Aliança de Esquerda Democrática, na oposição) polaca, Andrzej Szejna.

Como é financiada a campanha do SLD?  

A Lame Rebellion é o principal ator das redes sociais na campanha de Andrzej Szejna, candidato ao Parlamento Europeu. Szejna é advogado, responsável pelos mercados internacionais no Squire Patton Boggs, um grande escritório de advocacia polaco.

A sua campanha recebe a maior parte do apoio das contas de esquerda. Eles reagem a tudo o que ele faz. Um novo canal de chat é criado na fábrica, chamado "contas de esquerda". Todos os tweets em que Szejna foi referenciado são enviados para lá. A fábrica também ativa contas de direita - destinadas a responder a posts de esquerda. Porquê? Para criar tráfego para que as pessoas acreditem que Szejna é um candidato popular. Mas maioria dos tweets sobre Szejna foram criados por trolls.

De vez em quando, os trolls falam uns com os outros. O apoio a Szejna em sites de redes sociais é artificial. Os trolls sabem que o que fazem não é aceitável. Durante uma discussão interna, um dos funcionários escreve: "Krzysiu está certo, e ambos sabemos disso. Se Szejna for seguido apenas pelas nossas contas, isso é realmente suspeito."

Nessa altura, os gestores admitem que foi Krzysztof Krystowski quem sugeriu mensagens sobre Szejna. "O Presidente Krystowski diz que nos matará se se souber disto. Queridos, como já tenho planos para o fim de semana, vamos ao trabalho, para implementar esses planos!" Alicja, a gerente, incentiva os trolls a agir. É a Krystowski, e não ao chefe da empresa Grzegorz Demel, que os trolls chamam "presidente".

Krystowski é o antigo chefe da União dos Trabalhadores, vice-ministro do governo de Leszek Miller e Marek Belka, antigo chefe da Bumar, há muito associado à indústria da defesa. Desde que o PiS ganhou as eleições gerais em 2015, ele passou por uma reviravolta política - como vice-presidente da PZL Świdnik, uma fabricante de helicópteros de propriedade da italiana Leonardo, ele começou a aplaudir Antoni Macierewicz.

De acordo com a ISD Global, pelo menos 60 contas falsas (mais de 800 retuítes no total) estão envolvidas nos posts de Szejna. Pelo menos 90 contas são usadas em discussões e tráfego na conta de Szejna (um total de mais de 4500 tweets desde março). A campanha da Cat@Net de apoio a Szejna é também organizada antes das eleições - embora em menor escala.

Setembro de 2019. Verificamos os documentos na Comissão Nacional de Eleições, que mantém as demonstrações financeiras do partido após as eleições. Não há despesas com a campanha da Cat@Net antes das eleições europeias. isto pode significar que alguém financiou ilegalmente a campanha do chefe adjunto do SLD nas redes sociais.

A 13 de outubro, Andrzej Szejna torna-se deputado. Encontramo-nos com ele. Szejna diz que gostaria de ser no futuro ministro dos Negócios Estrangeiros. Dá a entender que é próximo de algumas figuras políticas de primeiro plano quando diz: "Eu e Schroder" ou "o meu amigo Macron". "O meu Twitter é gerido pelo antigo presidente de uma poderosa empresa de defesa", diz ele. Não quer revelar a sua identidade, mas finalmente admite que foi Krystowski quem deu alguns conselhos de campanha a esse respeito.

Quanto custa uma tal campanha online?, perguntamos. "Não me custou nada. Não investi nenhum dinheiro online."

Quando perguntamos sobre a Cat@Net, há um longo silêncio. "O nome da empresa não me diz nada, acho eu. Devo conhecê-los? Acredito que Krzysiek tinha uma empresa, trabalhava com alguma empresa, mas nunca houve qualquer cooperação formal entre eles e eu."

Perguntamos sobre as contas de trolls que publicaram mensagens no Twitter dele. Talvez conheça alguém? Emil Wolski? Czarek Tylżycki? "Acabei de aprender convosco sobre isso e, para ser honesto, vou ter de investigar."

Como é que foi apoiado por centenas de contas anónimas? "É algum tipo de milagre. Também é um milagre que eu tenha 24 mil votos na eleição. Também vão pôr um preço a essas pessoas? Todos têm o direito de me apoiar, não têm? Não estou interessado nessa empresa, não tenho nada que ver com ela. Estão a dizer-me que empregou pessoas com deficiência? Esta é a primeira vez que ouço falar disso."

Acha que a desinformação online é um problema? "Mas em que contexto?"

No dia seguinte, Szejna envia-nos uma mensagem de texto (através de um amigo): "Se vocês escreverem sobre isso, ficam em risco de me pagar uma indemnização. E vão garantir que o Krystowski receba publicidade."

Não te passes com o F-35

© Investigate Europe

Krzysztof Krystowski está alegadamente demasiado ocupado para se encontrar connosco. Está a voar para Bruxelas - foi recentemente nomeado perito da UE em política de clusters. Perguntamos se ajudou Szejna na campanha. "Instruí-o um pouco." Em coisas como: "O que fazer, como fazê-lo", diz ele. Krystowski explica que o fez no seu tempo livre. Quando perguntamos sobre a Cat@Net, ele gagueja. "A Cat@Net é gerida por um amigo meu, que... é apenas meu amigo. Esta é uma startup que emprega, não sei, algumas pessoas. Emprega pessoas com deficiência e, por conseguinte, tem direito a uma isenção do pagamento de contribuições para o Fundo Estatal para a Reabilitação dos Deficientes (PFRON). Como resultado, do ponto de vista do cliente, pode ser mais barato do que contratar o seu próprio pessoal."

Krystowski declara que é perito em marketing, pelo que aconselha o proprietário da Cat@Net sobre como gerir a empresa. Relatórios? Ele recebe alguns, mas não lhe interessam: "Eu acho que o que essa empresa está a fazer é realmente fascinante, é legal, interessante, uma nova abordagem de marketing. Desinformação? É inapropriado, e também indiquei ao meu amigo que, ao conduzir tais atividades, a empresa deve apenas ater-se à verdade. Essa empresa, obviamente, nunca vai além da verdade."

Quando questionado sobre a campanha de Szejna, Grzegorz Demel suspira alto e depois começa a distorcer os factos. Quando perguntamos sobre Adam Wojtasiewicz, jornalista de Najwyższy Czas e principal acionista da Cat@Net, ele nega conhecê-lo. Ele nem sequer sabe que Wojtasiewicz é acionista da empresa. "Não sou uma figura de proa nesta empresa, embora possa parecer assim, gostaria de lhe pedir que seja paciente." Promete encontrar-se connosco. No entanto, depois de alguns dias e várias perguntas enviadas por e-mail, ele retrocede na oferta. Adam Wojtasiewicz não responde a perguntas enviadas ao editor do Najwyższy Czas.

A análise global da ISD mostra que as contas da Cat@Net têm estado envolvidas na campanha para a PZL Świdnik desde o início. As contas do Twitter foram criadas para discutir a aviação e a indústria de defesa - para promover helicópteros que a gigante de armamento italiana Leonardo espera vender à Polónia. Os trolls começaram a operar no outono de 2016, quando o governo PiS cancelou o contrato de helicópteros Caracal franceses. Eles deram os parabéns a Krystowski e expressaram a sua alegria por a PZL Świdnik estar de volta ao jogo. Nos dois anos seguintes, a fábrica promoveu a encomenda dos helicópteros AW 101 - os posts são dirigidos principalmente a decisores e a especialistas - como o ministro da Defesa Mariusz Błaszczak, ou o próprio ministério.

Mas não é apenas uma mera promoção. As ordens da gerência são claras: os trolls devem "desacreditar Błaszczak" e provocar os políticos. Têm de minar o plano da Polónia de comprar o avião F-35, comentar artigos patrocinados, promover um avião rival, o Eurofighter. "Porque o Orçamento do Estado deve ser envolvido? A saúde está em declínio, é melhor usar o dinheiro noutras coisas" - o gerente sugere possíveis temas. E os trolls transmitem a mensagem: "Temos de atacar com força em Błaszczak. O F-35 é o nosso inimigo número um."

Uma instrução diz: "Cada um de vós, individualmente, tem de escolher e acrescentar uma pessoa adequada do Ministério da Economia e depois começar a atacá-los - como é possível que concordemos com um acordo deste tipo, por que razão aceitamos a perda de milhares de postos de trabalho e o colapso da indústria aeroespacial e da defesa. Mas cuidado! Não sejam demasiado insistentes com o Eurofighter; caso contrário, eles saberão que estão a ser atropelados!"

Alicja, a gerente, encaminha textos enviados pela redatora para os seus trolls. "Vocês queriam aqueles idiotas do PiS, agora têm o que pediram. As pessoas são condenadas por telefone, invadem as suas casas às seis da manhã para as prender pela sua expressão artística, e agora estas compras rápidas e eficazes".

Algo de estranho acontece em setembro, durante a campanha eleitoral para o Parlamento polaco. Embora o exército e o F-35 não sejam objeto da campanha do SLD, o partido realiza uma conferência de imprensa e anuncia que, quando chegarem ao poder, vão rescindir o contrato para o F-35. Andrzej Szejna: "Esta foi a promessa de Czarzasty, não minha. Posso garantir-lhe, no entanto, que não vou fazer parte da comissão de defesa nacional no Parlamento. Posso jurar que não o farei se isso vos der paz de espírito."

Misiewicz? Não o conheço

Maciej, um dos antigos clientes da Cat@Net, diz que a empresa não está sozinha no mercado. Há mais jogadores proeminentes por trás disso. "Eles recebem as encomendas enquanto Cat@Net, mas o ator mais proeminente é uma empresa de relações públicas Art-Media. Estive na sede da Art-Media, onde conheci, entre outros, Krystowski (presidente da Cat@Net) e Ignacy Krasicki (presidente da Art-Media)."

Perguntas sobre Misiewicz fazem com que os nossos entrevistadores desenhem um espaço em branco nas suas memórias. Ignacy Krasicki da Art-Media faz uma longa pausa. "Está a perguntar-me quando conheci Bartłomiej Misiewicz? Há muitos anos, mas não me lembro como nos conhecemos."

Ele trabalhou para si? "Misiewicz? Não." Sabia que em janeiro, após a detenção de Misiewicz, os escritórios da Cat@Net foram revistados? "Não. Isto é uma grande surpresa. Espere um minuto, posso ter sabido acidentalmente pelos jornais."

Só Grzegorz Demel não finge que o assunto lhe escapou à memória. Na investigação contra Misiewicz, foi-lhe concedido o estatuto de testemunha. "Dei o meu depoimento neste caso", diz. "Preciso de me lembrar de todos os pormenores. Sou o presidente do conselho e sou responsável pelas minhas palavras", diz, e promete encontrar-se connosco. O encontro nunca se concretizará.

Bartłomiej Misiewicz (libertado sob fiança em junho) afirma que não trabalhou para a Cat@Net e sugere que devemos falar com o Gabinete Central Anticorrupção (CBA) sobre a busca. Fazemos como aconselhado, mas o Ministério Público recusa-se a fazê-lo devido aos processos em curso.

Desinformação como arma  

Outubro de 2019. Tendo passado seis meses numa quinta de trolls, a nossa infiltrada Katarzyna apresenta a sua demissão. Já sabemos que a Cat@Net é uma exploração de trolls utilizada por "grandes empresas, pequenas empresas (...) e outras entidades, incluindo instituições da administração pública e particulares". Sabemos quem a dirige e como funciona - no Facebook, funciona para a Alba, uma empresa alemã de reciclagem, para a RUCH SA, para a Associação Nacional - União dos Produtores de Sumos (KUPS). Para esta última, organizou uma campanha online maciça - nessa altura, a KUPS lutava no Parlamento por uma taxa reduzida de IVA sobre os sumos.

Sabemos que uma grande parte dos clientes da fábrica vem da Art-Media. Que os redatores empregados pela Art-Media controlam os canais de comunicação.

Embora tenhamos conseguido entender a rede de conexões em torno da Cat@Net, ainda existem algumas incógnitas na equação - o que um acionista representando Najwyższy Czas faz na Cat@Net? Porque é que Misiewicz manteve contacto com a fábrica dos trolls? Sabemos que, depois de ter sido demitido do Ministério da Defesa, tentou combater os trolls - criou, entre outros, um site chamado dezinformacja.net. Argumenta que "as guerras de hoje são travadas e vencidas não só no campo de batalha, mas também no ciberespaço. Isto é por causa da informação e da desinformação. A desinformação não é apenas uma arma em guerras travadas entre potências globais. É também uma ferramenta em jogos sujos na vida pública polaca."

Final de outubro. Enviamos um e-mail para o chefe da Cat@Net. Perguntamos sobre contas falsas online e relacionamentos com Misiewicz, que é suspeito de corrupção. Algumas horas depois, o chat interno que contém as discussões de trolls e as ordens dos gerentes foi apagado.

*Fundacja Reporterów/Investigate Europe (Elisa Simantke, Harald Schumann, Ingeborg Eliassen, Juliet Ferguson, Leila Miñano, Nico Schmidt, Nikolas Leontopoulos, Maria Maggiore, Paulo Pena e Wojciech Ciesla.

Investigate Europe é um projeto iniciado em setembro de 2016 que junta jornalistas de oito países europeus.

Este trabalho foi financiado em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian. Investigate Europe tem o apoio das fundações Cariplo (Milão), Stiftung Hübner und Kennedy (Kassel), Fritt Ord (Oslo), Rudolf Augstein-Stiftung (Hamburgo), GLS (Alemanha) e Open Society Initiative for Europe (Barcelona).

Fonte: DN.pt

 

 

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