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Questões Oportunas

Nos 45 anos do 25 de Abril
11-10-2019 - Redacção

Senhor Coronel Vasco Lourenço,

Caros capitães de Abril,

Caros amigos,

Estou grato pela enorme generosidade dos capitães de Abril na sua entrega a uma causa nobre, a de nos ter permitido o caminho para a “construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno”, como diz o preâmbulo da nossa Constituição. 45 anos depois do 25 de Abril, o país continua a valorizar o vosso legado, mas acho que não me engano se disser que o povo está inseguro e encara o futuro com apreensão.

Não é apenas a insegurança gerada pela precarização das relações laborais, é também a frustração por sabermos que, pela primeira vez em democracia, a geração dos meus filhos viverá pior que a dos pais.

Não é apenas a ansiedade da longa espera por uma cirurgia motivada por doença grave, é também a frustração de sair de uma consulta sem quase ter falado com o médico olhos-nos-olhos.

Não é apenas a revolta por vermos os nossos idosos deitados numa maca, encostada num corredor do serviço de urgência, é também a insuportável observação de que os que cuidam de nós estão exaustos e, portanto, mais vulneráveis ao erro.

Não é apenas a chocante degradação de muitas instalações e equipamentos públicos, é também a triste percepção de que uma parte da classe média pode dispensar alguns serviços públicos e, portanto, já não se cruza com os “de baixo”, deixando de ver, junto a si, o que significa a desigualdade.

Não é apenas o espanto com a sugestão de que devemos trabalhar até aos setenta anos – e seria apenas para adiar o colapso da segurança social –, é também a insuportável certeza de que os financiadores destes estudos contam com a cumplicidade de académicos e jornalistas, classes profissionais que outrora se distinguiam pelo pluralismo e o espírito crítico.

Não é apenas a degradação da qualidade da informação nas televisões, ou o açambarcamento do horário nobre pelo futebol, é a gritante escassez de serviço público e a massificação de uma cultura que ofende a dignidade humana e até dá palco a gente da extrema-direita.

Por isso, não ficarei surpreendido se, em linha com o resto da UE, um dia a extrema-direita vier a ganhar representação na AR. Sem políticas de revitalização do Estado social que promovam o bem-estar dos cidadãos, que reduzam fortemente a desigualdade, que controlem o poder da finança, e que ponham em marcha uma estratégia de desenvolvimento que também responda às alterações climáticas,

sim, na ausência de uma viragem que recupere a ousadia do 25 de Abril, o desencanto com a democracia tenderá a alimentar a extrema-direita. O discurso do ódio surgirá sem vergonha e apontará como causa dos nossos males alguns sintomas da degradação da nossa democracia, por exemplo a corrupção, ou a porta giratória entre cargos políticos e cargos nas empresas que negociaram com o Estado. Se os interesses instalados vencerem, se a inércia e o cinismo persistirem, temo que a extrema-direita acabe por encontrar um líder carismático, eficaz porta-voz da frustração do povo e um bom vendedor de ilusões.

Fazer um discurso contra a extrema-direita não nos isenta do dever de questionar as políticas que geram o crescente mal-estar das nossas sociedades. A decepção do eleitorado com os partidos tradicionais, hoje quase reduzidos a redes de ocupação do Estado e máquinas de campanha eleitoral, fazem crescer a abstenção e o voto flutuante. Estou convencido de que, no dia em que a desilusão alcançar o limiar da intolerância, em Portugal também surgirá uma extrema-direita com relevância eleitoral. É verdade que cada país é um caso específico e, dirão alguns, em Portugal ainda há memória da ditadura. Concordo. Mas também não esqueço que a memória da ditadura brasileira não impediu a eleição de Bolsonaro. Assim como não esqueço que a memória do Nazismo, do Fascismo e do Franquismo, não impedem o crescimento da extrema-direita na Alemanha, na Itália e na Espanha. Aliás, nos anos de caos financeiro, social e político, gerado pela globalização do início do século XX e pelas políticas de austeridade do padrão-ouro, Portugal também participou da vaga fascista. Não estou a dizer que a História se repetirá, estou a dizer que, assumindo a responsabilidade pelo nosso destino, temos o dever de enfrentar as causas deste fenómeno.

Em Portugal, como em geral na Europa do pós-Guerra, a democracia representativa foi, em si mesma, desenvolvimento; e foi também uma poderosa alavanca de outras dimensões do desenvolvimento, consagradas no que designamos por Estado social. Porém, essa mesma democracia também alienou a soberania monetária e orçamental o que, nos últimos vinte anos, tem sido um poderoso obstáculo ao nosso desenvolvimento. Não tenho dúvidas de que o presente modelo de política económica acabará por minar o apoio à democracia que, entre nós, felizmente ainda é elevado. Recordo o aviso de muitos cientistas sociais: sem um robusto Estado social, e sem uma classe média próspera, a democracia fica em perigo. Convido-vos a ler o Manifesto em defesa do Estado social .

Termino. 45 anos depois, continuo a sentir-me interpelado pelo Programa do MFA que, no último parágrafo, faz um ( vou citar ) veemente apelo à participação na vida pública de forma sincera, esclarecida e decidida, para que sejam garantidas as condições necessárias à definição de uma política que conduza à solução dos graves problemas nacionais e à harmonia, progresso e justiça social indispensáveis ao saneamento da nossa vida pública e à obtenção do lugar a que Portugal tem direito entre as Nações.

Viva o 25 de Abril. Viva Portugal.

Texto escrito e publicado pelo Professor Jorge Bateira na sua página do FadeBook

 

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