Foi há 50 anos já que a hibridez cinzenta tremeu ante o cataclismo da revolta sem freio.
Estudantes, operários, intelectuais, políticos, professores e, em vagas progressivas gentes de todos os extractos e cansaços vieram para a rua e fizeram barricadas.
A luta era por um outro viver, noutro paradigma, provavelmente indecifrável e pouco claro, mas seguramente manifestando o cansaço da rotina instalada nas relações laborais, nos programas de ensino, em toda a vivência formativa determinista.
Tendência anarquista, a revolução descia à rua, em nome do desejo e da flor. Competia com barricadas e pedras contra o stablishment e as forças da ordem; mas as próprias forças da ordem a certo passo, pareciam passar-se para a alegria contagiante e o discurso livre e libertário do outro lado que supostamente deveriam combater.
A França tremeu e com ela, a Europa apanhou o susto dum futuro que já não mais podia sustentar o dogma e a vaga noção de fidelidade bafienta a um sistema caduco. Exigia-se tudo. O amor livre, a sociedade sem classes, o operariado ao poder, o canto na rua, os artistas pelas esquinas clamando a nova ordem, supostamente de Liberdade Fraternidade e Anarquia.
Foi há 50 anos, Maxime le Forrestier, - amigo intimo desses tempos, que entretanto perdi de vista. Foi há 50 anos - éramos jovens e tudo nos parecia deslumbrante e urgente. Brel, Ferré, Piaf, Brassens, Moustaki, Ferrat. Era proibido proibir.
Por cá chegaria em força nos idos de 69 com uma crise académica que alastrou a todo o país e que vivi intensamente. Foi o Zip, também, que mudou tudo em televisão. E abanou o Estado que fragilmente ainda tentava continuar o velório bolorento e travar a marcha da inteligência.
Eu tinha 19 anos. Como não acreditar no impossível? Se ainda hoje apenas me tenta o sonho, a utopia inalcançável e bela, o gesto de ternura, a poesia e o sorriso que emblema a amizade?
Estranho pacto. Lavadas as arestas de culpas e excessos, nele permaneço, mais coisa menos coisa, na base maior da independência e da livre decisão. E dessa barricada do sentir nunca levantarei.
Conhecer, amar, sentir, sonhar um planeta melhor, mais culto, mais terno, mais consciente. Aquele que todos os dias vemos q ainda não existe. Pois. Precisamente por isso, esta danada costela libertária me grita que foi há 50 anos, mas ainda e sempre habitará comigo a esperança de um dia novo, absoluto e diferente.
Onde as gravatas irão sendo memória e os poetas serão, enfim, a vanguarda do sentir.
Pedro Barroso