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Os milhões da Europa roubados com autorização do Estado

12-03-2021 - Eduardo Dâmaso

A "bazuca" da União Europeia está a caminho de Portugal, mas o passado dos fundos comunitários revela um histórico de fraudes. Recorde os casos do Fundo Social Europeu

Os fundos comunitários foram uma verdadeira benesse para o Portugal atrasado e analfabeto que saiu da ditadura salazarista. Mas foram uma dádiva muitíssimo generosa que, no entanto, começou com um lodaçal gigantesco de fraudes, sobretudo no Fundo Social Europeu, entre 1986 e 1988. Agora que Portugal vai começar a receber a tal ‘bazuca’ de dinheiros europeus, qualquer coisa como 45 mil milhões de euros em subvenções, que podem ir acima dos 60 milhões com empréstimos garantidos pelo Estado, a SÁBADO revisitou esses anos e conta-lhe a história dos anos negros dos fundos europeus.

Entre 1986 e 2013 Portugal recebeu 53 mil milhões de euros só para o FSE e o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). Mas, segundo as contas do Banco de Portugal, a totalidade dos fundos, que iam do FSE e do FEDER a outros para a agricultura e indústria, como o FEOGA e o PEDIP, terá sido responsável pelo envio de 130 mil milhões de euros entre 1986 e 2018, a preços de 2011.

Com o dinheiro da Europa, Portugal construiu autoestradas, pontes, hospitais e modernizou as principais infraestruturas do país. Mas não qualificou os portugueses nem eliminou, ou sequer atenuou, as desigualdades entre o litoral e o interior. Os muitos milhões desses primeiros três anos evaporaram-se e criaram fortunas privadas ou engordaram outras que já existiam. Tudo convergiu para cavar um dos mais fundos alicerces do pântano português.

O escândalo do Fundo Social Europeu foi controlado na justiça para que Portugal não fosse obrigado a devolver o dinheiro a Bruxelas e, para isso, criaram-se vários instrumentos. O mais inteligente e eficaz foi o que travou a investigação ao nível da Polícia Judiciária e do Ministério Público. Primeiro centralizou-se a competência para investigar os inquéritos numa estrutura única, que nunca passou de uma espécie de ‘gabinete de estudos’. Depois, criou-se o ‘problema jurídico’ de saber em que momento se consumava o crime de fraude: se era na aprovação do projeto ou na obtenção do subsídio comunitário. Levou quase duas décadas a clarificar nos tribunais e, por fim, deu-se um período de prescrição muito baixo – cinco anos – aos processos de fraudes aos cofres comunitários. Um golpe perfeito para evitar problemas políticos em Bruxelas mas que criou um dos maiores estrangulamentos ao desenvolvimento do País e, ao mesmo tempo, uma verdadeira sementeira de corrupção e tráfico de influências. Foi como se o próprio Estado tivesse dado luz verde para roubar os milhões que Bruxelas enviava.

A euforia do dinheiro fácil

Portugal começou a receber fundos comunitários ainda antes da adesão em 1986. Era, as famosas ‘ajudas de pré-adesão’. Muitos milhões que ninguém controlou. Mas foi a partir deste ano que a Europa enviou a maior fatia. Primeiro entre 1986 e 1988, fase que no jargão comunitário é conhecido como a do ‘Anterior Regulamento’ e depois com os sucessivos Quadros Comunitários de Apoio.

Na primeira década da adesão, formalmente considerada para efeitos de fundos estruturais como os anos que vão de 1986 a 1995, a então Comunidade Económica Europeia (CEE) transferiu para Portugal um montante global de 2.680 milhões de contos, o que equivalia a 2,6 por cento do produto interno bruto. Foi também neste intervalo de tempo, mas num ciclo mais curto, entre 1986 e 1988, que se gerou um dos maiores ciclos de impunidade que há memória.

Nestes anos entre 1986 e 1988, Bruxelas enviou para Portugal 237 milhões de contos a repartir pelo FEDER, FSE, FEOGA e PEDIP, programas de apoio ao desenvolvimento regional e infra-estruturas, formação profissional agricultura e indústria. A este montante deve somar-se mais 59,3 milhões de contos enviados em 1989.

Com o País mergulhado na euforia do dinheiro fácil, logo se percebeu que os milhões da CEE não estavam a criar emprego nem a melhorar a formação profissional dos portugueses. Aos primeiros casos de desvios de dinheiro, o sistema judicial respondeu de imediato, como aconteceu na investigação ao dinheiro recebido pelo Grupo Amorim, mas foi sol de pouca dura.

A partir desse primeiro caso mais mediático, instalou-se um incompreensível silêncio e passividade. Só mais tarde, já no início dos anos 90, a resposta judicial começou a ser dada mas sem nenhuma consequência relevante. O pântano estava totalmente instalado.

Os processos transformaram-se em verdadeiros paquidermes enraizados no sistema judicial e num labiríntico emaranhado de decisões, recursos, anulações, todos eles perdendo a dimensão da atualidade, isto é, a necessidade de fazer justiça em tempo útil, o que suavizou ou mesmo eliminou qualquer sentido sancionatório. Porquê? Porque, apesar do muito que foi legislado em mais de 40 anos de democracia, a justiça portuguesa não sofreu uma verdadeira reforma e atribuição de meios que lhe permitisse ser eficaz na investigação do crime económico.

A justiça portuguesa não estava preparada para enfrentar investigações desta magnitude. No caso destas dezenas de processos originados por desvios de fundos comunitários, sobrepuseram-se mesmo, de forma aberta, critérios de natureza política. Portugal não quis investigar esses casos por uma razão política e orçamental muito simples: seria obrigado a devolver o dinheiro recebido aos cofres de Bruxelas. Assim, acabou por fechar os olhos a um clima de fraude desenfreada que enriqueceu muita gente. Este é, aliás, um dos mais relevantes ciclos de impunidade que em muito ajuda a explicar o clima de apatia cívica e descrença nas instituições que se vive há muito tempo em Portugal. Mesmo os documentos oficiais do Governo, então liderado por Cavaco Silva, que avaliaram os fundos comunitários ao fim de uma década, evidenciavam a dificuldade de embandeirar em arco. É certo que os fundos geraram um clima de euforia com forte repercussão e vantagem eleitoral para o próprio Cavaco, que ganhou duas maiores absolutas, mas o pântano gerado era iniludível. O balanço, apesar da propaganda governamental, estava mais do que ensombrado pelas dezenas de fraudes de grande dimensão.

Os anos negros e um documento da PJ

Dez anos depois de Portugal começar a receber fundos, o ministro do Planeamento, Valente de Oliveira, responsável pela aplicação dos fundos estruturais, fazia um balanço cauteloso. Num documento sobre a primeira década explica quais foram as três grandes linhas de orientação: "1) prever para precaver; 2) regulamentar o necessário para assegurar a maior transparência a todos os processos; 3) avaliar, como instrumento de gestão, mas também como forma de responsabilização dos muitos agentes que executavam as ações que, por nosso intermédio, eram financeiramente apoiadas".

Naquela análise, os fundos dos primeiros anos foram importantes a apoiar projetos específicos para certas áreas, como o STAR (telecomunicações), o VALOREM (energia), a Operação Integrada de Desenvolvimento do Norte Alentejano, a Central Térmica de Sines, alguns troços do IP5, a ponte ferroviária sobre o Douro, o hospital distrital de Guimarães ou a Faculdade de Arquitectura do Porto. Já na formação profissional (FSE), dizem que os objetivos foram atingidos em 75 por cento e que pelos cursos passaram, na primeira década, mais de 1 milhão de formandos. Ninguém discutia a importância dos fundos europeus na modernização do País, sobretudo depois de 1988. Foram muito importantes para a construção de equipamentos básicos, autoestradas e alguns hospitais mas criaram uma vaga imparável de fraude centrada no FSE. Basta confrontar a linguagem e os dados do Governo com a forma como chegou ao sistema judicial o problema dos fundos europeus nesses primeiros anos.

Um documento confidencial da Polícia Judiciária explica as opções que foram tomadas na investigação dos processos relacionados com fraudes dos dinheiros provenientes da União Europeia, em particular do Fundo Social Europeu. "Pela insuficiência de regulamentação nacional e pela incipiência do Estado na supervisão dos pedidos e também na fiscalização da aplicação dos dinheiros concedidos, os anos de 1986, 1987 e 1988 foram anos negros relativamente à obtenção e aplicação dos dinheiros públicos com origem no Fundo Social Europeu", é escrito no documento carimbado pela direcção-nacional da PJ. Aí é descrito que as primeiras denúncias atingiram números alarmantes no biénio 1988/89 e que, apesar de existirem os mecanismos penais para atacar tais situações pouco ou nada foi feito.

O decreto-lei 28/84 continha a regulamentação necessária para punir a má obtenção e aplicação de verbas comunitárias mas nem as magistraturas nem as polícias "estavam preparadas para enfrentar esta nova realidade criminal". E não estavam porque, no plano dos meios técnicos e humanos, a investigação deste tipo de crimes estava confrontada com um volume processual na ordem das várias centenas de inquéritos que necessitavam, cada um deles, de perícias financeiras envolvendo a audição de milhares de pessoas por todo o território nacional.

Centralizar para arquivar

Centralizar para arquivar, foi a palavra de ordem reinante na PJ nesses anos de 1986 a 1989. A Polícia Judiciária, que tinha a competência exclusiva para investigar os crimes em causa, foi inundada de participações e optou pela centralização de tudo num grupo especializado, no início de 1988, liderado pelo coordenador Ferreira Leite, mantendo tal estratégia até 1991.

Esta medida retirou poderes aos departamentos regionais para desenvolverem investigações e acabou por revelar-se um caminho errado, de desistência em relação aos desafios que o volume de inquéritos colocava à polícia. Criou um efeito de bola de neve sobre a PJ e o Ministério Público provocando fortes tensões entre as duas instituições e um fortíssimo descrédito sobre toda a justiça.

Só em 1991 foi criada a Direcção Central de Combate à Corrupção, Fraudes e Infracções Económico-Financeiras, onde foi integrado o referido grupo, que passou a constituir uma brigada da secção de investigação de infracções económico-financeiras. Ao mesmo tempo, o Ministério Público estava em processo de reorganização, na sequência da entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1988 e criou no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa uma secção especializada em combater aquilo a que chamava "a grande criminalidade económica". Todavia, só em 1993/1994, já com uma nova direção na PJ liderada pelo magistrado Mário Mendes, que substituiu José Marques Vidal, ocorre a descentralização dos inquéritos relacionados com o Fundo Social Europeu e os primeiros resultados começam a aparecer. Mesmo assim muito tímidos.

"A descentralização e a divisão de processos entre a PJ e o Ministério Público em termos de instrução – este instruiu os processos de carácter maioritariamente administrativo e a PJ procedeu ao inquérito dos casos que exigiam uma intervenção marcadamente policial - ajudou a terminar com a situação de quase ruptura existente no início da década de 90", é dito no referido documento interno da PJ.

A partir daí triplicaram os meios empregues no combate a este tipo de crime que, na perspectiva dos analistas que rubricaram o documento, veio fomentar a prática da corrupção. O mais importante, porém, foi o aumento de fiscalização administrativa dos pedidos de concessão de subsídios e da respectiva aplicação dos dinheiros.

O caso de Américo Amorim

No sistema judicial, o rasto dos processos de fraudes com os fundos comunitários permaneceu por muitos anos. As investigações foram, como vimos, congeladas, primeiro, depois arrastadas e, por fim, os casos foram rolando penosamente pelos tribunais, acumulando problemas processuais, como verdadeiras bombas ao retardador. Na opinião pública era inapagável a percepção dos desvios cometidos em benefício de alguns, muito poucos e já muito poderosos antes da euforia da adesão a uma Europa rica e ainda pouco rigorosa a pedir contas. Os escassos resultados que foram aparecendo na fase de investigação não contribuíam para dissipar essa ideia.

Já em 1997, três anos depois da verdadeira mudança de métodos e estratégia na investigação, havia 86 processos pendentes, 50 já terminados e entravam mais 32 que procuravam ressarcir os cofres do Estado em 3,6 milhões de contos.

Os novos 32 casos repartiam-se por 8 inquéritos do Fundo Social Europeu, 22 da área dos fundos agrícolas e dois do setor do turismo. As dificuldades são evidentes. Muitos dos processos reportam-se a factos ocorridos antes de 1993 mas que só chegaram ao conhecimento da PJ ou do Ministério Público muito mais tarde. Na perspectiva de produção da prova, as dificuldades são também óbvias. É necessário ouvir milhares de pessoas espalhadas pelo país, fazer milhares de perícias financeiras e contabilísticas, requerer a quebra do sigilo bancário para determinar o circuito do dinheiro. O resultado não é muito difícil de adivinhar: a prescrição da esmagadora maioria dos inquéritos.

O chamado ‘caso Amorim’ é muito eloquente para perceber o pântano em que se transformou a tramitação destes processos pelo sistema de justiça. Onze anos depois de iniciado o processo e nove após a primeira acusação do Ministério Público, o Tribunal da Relação do Porto considerou prescritos os crimes de fraude, falsificação de documentos e desvio de subsídios do FSE, imputados ao empresário Américo Amorim e a dois gestores do seu grupo. A justiça ficou pelo caminho em relação a todos os intervenientes. O Estado não obteve a sanção que queria; a União Europeia, que se constituiu como assistente para recuperar 77.750 contos e juros respetivos, a contar desde 1987, não obteve a reposição de fundos; os arguidos andaram mais de uma década em bolandas pelos tribunais.

Pela análise deste processo percebe-se porque é que tudo falhou. A justiça não estava preparada para investigar para lá do que fosse a análise administrativa dos processos de formação profissional e a audição dos alegados formandos; os tribunais superiores não estavam  preparados para receber tantos e tão densos recursos; não estavam preparados para uma batalha jurídica com as opiniões, transformadas em pareceres, de juristas como Jorge Figueiredo Dias e Manuel Costa Andrade.

A partir do momento em que uma denúncia anónima com elementos objectivos ativa a máquina da justiça é difícil pará-la. No caso de Américo Amorim, ao abrigo do princípio da legalidade – que obriga a investigar todos os indícios de crime fundamentados -, o Ministério Público abriu um inquérito. Isso aconteceu logo em 1989 e, no ano seguinte, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) concluía o inquérito e remetia-o para o Porto, onde o Ministério Público deduziu acusação contra Américo Amorim, dois gestores e seis empresas do grupo. Eram acusados de utilização fraudulenta de meio milhão de contos em subsídios de formação profissional, entre os anos de 1985 e 1988. No essencial, a acusação assentava no facto de as verbas se destinarem a formar jovens entre os 18 e os 25 anos, sem qualificação profissional, mas, na verdade, a esmagadora maioria dos inscritos nos cursos eram trabalhadores das empresas do grupo corticeiro, que faziam as tarefas de sempre e não receberiam, efectivamente, qualquer formação. A partir daí, o processo paralisou. A instrução foi requerida em Fevereiro de 1991 – já seis anos depois dos primeiros factos - e começou uma longa lista de incidentes processuais. Entre esses incidentes processuais, destaca-se um conflito de competência territorial, com o juiz de instrução a entender que o processo deveria correr em Lisboa e não no Porto.

As primeiras diligências de instrução, por isso, ocorreram apenas em 1995, a decisão final tardou mais cinco anos e pela instrução passaram cinco juízes. Tinham já decorrido dez anos da prática das alegadas fraudes que encaminhavam o processo, na fase final da instrução, para o arquivamento por prescrição. A decisão de arquivamento chegou, mas não pela via da prescrição. O tribunal de instrução criminal considerou a acusação do Ministério Público vaga, sem suporte factual e versava sobre comportamentos que não passariam de meras irregularidades. Uma nova polémica jurídica – que somava aos recursos anteriormente interpostos por Proença de Carvalho, o advogado de Américo Amorim. Demorou mais cinco anos a resolver. O Tribunal da Relação do Porto anulou, em Fevereiro de 2000, a decisão instrutória e ordenou que os arguidos fossem a julgamento mas já não por todos os crimes da acusação inicial. Todos os ilícitos anteriores a 1987 foram expurgados do processo para evitar a prescrição e o julgamento chegou mesmo a iniciar-se, em Abril de 2000. Américo Amorim ainda se sentou no banco dos réus – a 27 de Abril do ano 2000 – mas a sua defesa apresenta um volumoso conjunto de documentos, que obriga a adiar a audiência para Novembro. Ao mesmo tempo, joga uma carta forte em mais um recurso para a Relação do Porto, onde alegava que todos os crimes estavam já prescritos à data do despacho de pronúncia (Fevereiro de 2000) . A defesa de Américo Amorim alega que o prazo deveria ser contado desde a data da aprovação das candidaturas aos subsídios do FSE , e não desde o seu pagamento, como sustentava a acusação. E, aqui, jogou uma carta com às de trunfo, como veremos adiante.

O problema jurídico

As prescrições foram a causa da extinção da esmagadora maioria dos processos do Fundo Social Europeu. Elas foram provocadas por um conjunto de razões que não se esgota na tradicional morosidade da justiça portuguesa. A ela devemos somar as opções políticas acima descritas e uma manifestação do velho ‘problema jurídico’ de interpretação da lei e consequente uniformização de jurisprudência. Os crimes de fraude na obtenção de subsídios e subvenções comunitários, desvio ilícito dos mesmos e a fraude na obtenção de créditos foram tipificados no decreto-lei 28/84 mas pouco tempo depois da entrada em vigor esta lei era praticamente obsoleta. Definia o conceito de irregularidade, previa penas de prisão entre 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias que podiam ir de 2 a 8 anos nos casos mais graves, como aqueles em que eram utilizados documentos falsos ou se verificava abuso de poder. Todavia, logo a partir dos primeiros casos judiciais instalou-se a querela jurídica, gerando acórdãos de sentido diferente nos tribunais.

A primeira grande pedra no sapato é a opinião dos professores Figueiredo Dias e Costa Andrade, que os advogados começam a invocar nos processos. Os dois juristas de Coimbra escrevem, em 1994, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, um importante artigo intitulado "Sobre os crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado". Com ele praticamente estoiram a esmagadora maioria dos processos em investigação. As suas palavras são usadas para pedir pareceres a inserir em tudo o que é processo do FSE. Ora vejamos, no essencial, o que escreveram:

"[P]ara efeitos de fraude na obtenção de subsidio, só relevam as manobras fraudulentas e os erros que antecedem a concessão do subsidio e a predeterminam causalmente. Uma vez deferido positivamente o pedido de subsídio e adquirido o direito ao seu recebimento, já não podem valorar-se como fraude na obtenção as irregularidades que venham a ter lugar nos momentos ulteriores da sua efetivação e aplicação. Não podem, concretamente, valorar-se como fraude na obtenção de subsídio, sequer na forma tentada, as irregularidades (…) que inquinam o chamado "dossier de saldo", preordenado ao encerramento das contas ou ao recebimento da segunda tranche do subsídio. Trata-se de factos que nada têm a ver com a factualidade típica da incriminação constante do art.º 36, do DL nº 28/84, de 20/01. Isto por não se encontrarem preordenadas à obtenção do subsídio. (…) Na verdade, não faz sentido falar de fraude na obtenção de subsidio porque o subsidio foi antes - por via de regra muito antes – e definitivamente obtido no momento do despacho favorável da entidade competente. De forma apodítica: não pode cometer-se hoje fraude na obtenção do subsídio… que foi ontem obtido, legal e definitivamente."

Esta controvérsia jurídica só vem a ser resolvida em 2006, 12 anos depois de o artigo ter sido escrito e da questão jurídica ter sido suscitada em processos judiciais. O acórdão de uniformização da jurisprudência, que é o 2/2006, publicado no Diário da República a 4 de Janeiro, é uma extraordinária peça de história. Para trás, ficava um acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 2002, que decidiu que o crime de fraude se consumava com a transferência do dinheiro para a titularidade do beneficiário; e um outro, de sentido oposto, proferido em 2001 pela Relação do Porto, que decidiu situar a consumação do crime no momento da aprovação da candidatura ao subsídio.

O plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça acabou com a controvérsia, fixando a jurisprudência com este parágrafo: "O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36º do Decreto-Lei nº28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente." Esta decisão aconteceu vinte anos depois do início da entrada do dinheiro europeu em Portugal e das primeiras fraudes. O que significou que uma esmagadora maioria das fortunas ilegais estavam feitas e dissipadas. Significou também que o Estado não iria ver um tostão de reparação e que os processos estavam todos prescritos. Assim se escreveu uma parte essencial da história obscura da gestão e distribuição dos fundos comunitários em Portugal. O mínimo que se pode esperar agora é que esta história não se repita.


Fontes
Livros
-" Corrupção – Breve História de um crime que nunca existiu" ……. Eduardo Dâmaso, Objectiva, 2019

Corrupção e os Portugueses , Luís Sousa e João Triães, Editora Rui Costa Pinto,2008

Corrupção , Luís Sousa, Fundação Francisco Manuel dos Santos

25 Anos de Portugal Europeu , Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenador Augusto Mateus

Documentos

Documento confidencial da Polícia Judiciária sobre os processos do Fundo Social Europeu
Teses
Tese de mestrado  "A Fraude no Fundo Social Europeu" , Cristiana Branco, Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa

Sabadp.pt

 

 

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