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Questões Oportunas

Um "acordo histórico" que não nos salva do subdesenvolvimento.
31-07-2020 - Jorge Bateira

Ponto 1.
Os países mais desenvolvidos do continente Europeu não alcançaram essa posição mediante subsídios de outros estados, nem através da livre circulação de mercadorias e capitais. Todos praticaram políticas industriais conduzidas por um Estado forte, e com visão estratégica, que concedeu apoios de diversa natureza às empresas dispostas a alcançar novos patamares de produção baseada em tecnologias inovadoras. E todos eles praticaram o mercantilismo até que a nova estrutura produtiva lhes deu uma boa posição competitiva para enriquecer com o "livre comércio" imposto aos menos desenvolvidos.

Ponto 2.
Com a ditadura salazarista, Portugal consolidou o seu estatuto periférico de país sub-desenvolvido. Apesar dos esforços de alguns notáveis do regime que viam mais longe, o país nunca teve uma estratégia de industrialização consistente. Nem depois do 25 de Abril as elites do nosso país formularam uma visão estratégica para a política económica. A segunda crise de balança de pagamentos, em 1983, e a opção de aderir rapidamente à CEE, foram o reflexo dessa mesma incapacidade de pensar com autonomia um capitalismo desenvolvido. A convergência até 75% do PIB per capita da CEE, antes da adopção do euro, foi o melhor que se conseguiu. Permitiu ao país dar um salto qualitativo nas suas infraestruturas, saúde, educação e nalguma indústria tradicional, e isso foi importante. Tínhamos os salários mais baixos, a nossa vantagem competitiva, mas a abertura da UE aos países do Leste e à China pôs em causa o modelo económico existente.

Ponto 3.
Com a consolidação do ordoliberalismo alemão no Tratado de Maastricht, mercado único, moeda única, proibição de política orçamental e de política industrial, integração plena da UE na globalização desenfreada, Portugal só podia esperar o pior. Os economistas que estudaram os processos de desenvolvimento há muito que sabem o que significa a integração económica de regiões com estrutura produtiva muito desigual (ver Gunnar Myrdal). Com o euro, a frágil estrutura industrial que o país tinha construído regrediu drasticamente, a desertificação do interior do país acelerou, e Portugal passou a uma economia de serviços com salários baixos. Pior, com uma moeda sobrevalorizada, o capital passou a investir nos sectores mais abrigados da concorrência (shoppings, telecomunicações, construção, hotelaria e restauração). O turismo passou a ser uma prioridade nacional. Os Fundos Estruturais da UE compraram a nossa integração dependente e regressaram aos países contribuintes sob a forma de pagamento das suas exportações. Como deixou de ser necessário exportar para angariar as divisas que pagariam as importações, a moeda única permitiu-nos importar a crédito, sempre mais, até que a crise financeira de 2008 nos veio lembrar que somos mesmo um país periférico, dependente e sem estratégia de desenvolvimento.

Ponto 4.
Por agora, não vou discutir o "acordo histórico" do Conselho Europeu. Sobre isso, os media e os líderes políticos já estão a despejar imensa propaganda, declarações de tática política míope, e também muita ignorância. Por algum tempo vão iludir quem não tem conhecimentos sobre a verdadeira natureza desta UE e sobre o verdadeiro significado da decisão de controlar as despesas através do Conselho Europeu.
Hoje, importa sobretudo reafirmar o seguinte: sem política económica não há desenvolvimento. Por conseguinte, por muito dinheiro que venhamos a receber, por muitas obras que se façam, por muitos equipamentos que se instalem (em grande parte importados), o país continuará o seu processo de definhamento, de capitalismo periférico e dependente porque, para se desenvolver, precisa de ter uma estratégia de desenvolvimento, algo considerado abominável em Bruxelas-Berlim-Frankfurt e países satélites do centro da UE. O plano do consultor convidado pelo governo, mesmo que contenha algumas ideias sensatas, não pode dar origem a essa estratégia porque o país não tem soberania para a conceber e aplicar.

Ponto 5.
Finalmente, uma pergunta: quando chegarmos a fim do ano, e o descalabro da crise já não puder ser iludido com tanta retórica sobre o "acordo histórico", como vai o Governo resolver o drama do desemprego de massa e dos que, não tendo acesso a qualquer auxílio da Segurança Social porque estavam na precária economia paralela, vão esgotar os sacos de comida do Banco Alimentar? Estará o Governo disposto a fazer subir o défice até onde for preciso porque, segundo diz, "ninguém pode ficar para trás"? É que parece que o dinheiro do "acordo histórico" não se destina às vítimas da crise da pandemia, não é para acudir aos que mais sofrem; sobre estes não ouvi falar nos últimos dias. Ao que parece, o dinheiro é para os grandes investimentos, sob condição de (mais) reformas estruturais no mercado de trabalho e (mais) privatização de serviços do Estado social. Será esse dinheiro que, em quantidade nunca vista, sendo "bem aplicado", fará de Portugal um país desenvolvido (dizem todos os comentadores da TV). As vítimas da devastadora crise social e económica provocada pela pandemia, esses que tenham paciência; não fazem parte dos "amanhãs que cantam".

Insisto, quem sabe alguma coisa de desenvolvimento sabe perfeitamente que não é nesta UE que Portugal terá condições para se tornar uma sociedade decente.

 

 

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