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Os Hospitais de Papel e a Tristeza de Higino Carneiro -Parte 2

31-01-2020 - Rafael Marques de Morais

Município de Menongue

No município sede da província, a NNN comprometeu-se a construir o hospital Sanatório de Menongue, na comuna de Missombo. Situado a 16 quilómetros da cidade de Menongue, a empresa apenas levantou as paredes do hospital, após o que abandonou a obra.

Entretanto, de 9 de Abril de 2013 a 3 de Fevereiro de 2016, o governo de Higino Carneiro ordenou oito pagamentos, num total de 440 milhões de kwanzas, à NNN, destinados à construção do sanatório. Nuno Lá Vieter e seus subordinados apenas levantaram as paredes, e mais uma vez abandonaram a obra.

Data

Valor de pagamento

09.04.2013

75,000,000

05.06.2013

50,000,000

05.07.2013

25,000,000

19.03.2014

80,000,000

19.03.2014

80,000,000

30.04.2014

80,000,000

02.06.2014

40,000,000

03.02.2016

10,000,000

TOTAL

440,000,000

Município do Dirico

Ainda durante o mandato do general Higino, houve novo pagamento, no total de 296,2 milhões de kwanzas (conforme tabela abaixo), ao seu genro Lá Vieter, para a construção do Hospital Municipal do Dirico, com capacidade para 30 camas.

O custo total desta unidade hospitalar seria de 350 milhões de kwanzas. “Até à data, o hospital não foi construído. A empresa NNN apenas lançou os alicerces”, confirma fonte local.

Data

Valor de pagamento

18.06.2013

30,000,000

05.06.2013

35,000,000

05.07.2013

35,000,000

30.04.2014

76,243,250

02.06.2014

80,000,000

02.02.2016

40,000,000

TOTAL

296,243,250

“O Dirico só tem um Centro Médico, que apenas atende a sede do município, com cerca de dez camas. A falta do hospital tem um impacto negativo na saúde das pessoas”, assegura a mesma fonte.

Município do Rivungo

A prática reiterada de saque de fundos destinados à construção de hospitais prossegue no Hospital Municipal do Rivungo. Por nada feito, a 2 de Fevereiro de 2016, a NNN recebeu dois pagamentos, totalizando a quantia de 35 milhões de kwanzas.

“Fisicamente, não se ergueu o hospital”, afirma categoricamente uma fonte da administração local, sob anonimato.

E continua: “Em 2018, houve transferência das competências do governo provincial para os municípios, que até então ficavam apenas com a responsabilidade de fazer furos de água. A administração municipal não recebeu a documentação referente à construção deste hospital e entregou o processo à justiça.”

Essa obra de papel também serviu de comedouro para outras empresas, conforme a tabela abaixo.

Data

Empresa

Valor de pagamento

07.01.14

G.S. Empreendimento

15,121,550

04.08.14

G.S. Empreendimento

23,160,000

12.08.14

G.S. Empreendimento

55,801,125

12.08.14

G.S. Empreendimento

6 200,125

12.08.14

Minga e Filhos, Lda.

2 250,100

 

Organizações Lievela & Filhos

30,880,000

27.07.15

Anjosa, Lda.

11,692,513

03.02.16

KSST – Prestação de Serviços

14,025,000

03.02.16

Waterbuck – Prestação de Serviços

6 545,000

TOTAL

 

165,675,413

Sobre as empresas acima denunciadas

Anjosa, Lda.: uma criação de Ângelo Joaquim dos Santos, na altura director de gabinete do então vice-governador do Kuando-Kubango, Joaquim Malichi

KSST – Prestação de Serviços: foi constituída a 23 de Abril de 2014, por Maria Júlia de Fátima Guimarães Teixeira D’Alva e Cecília Rosa Guimarães Teixeira D’Alva. São irmãs da então directora do Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatísticas (GEPE) do Governo Provincial de Kuando-Kubango, Bernardeth Guimarães Teixeira D’Alva Rodrigues, uma indefectível de Higino Carneiro, que programava os pagamentos.

Waterbuck – Prestação de Serviços: foi constituída a 26 de Julho de 2013, por Heraclito Emanuel Guimarães Teixeira D’Alva, também irmão da então directora do GEPE, Bernardeth D’Alva.

O dinheiro que não chegava

“Acha possível mesmo construir um hospital regional de cem camas em Mavinga, em Menongue (Sanatório) e Dirico com o valor de 500 milhões de kwanzas cada, incluindo apetrechamento?”, interroga o general Higino Carneiro na sua resposta.

O ex-governador refere a dificuldade de acesso a essas áreas, e indica que, quando chegou ao Kuando-Kubango, a deslocação nessas localidades só podia ser feita por via aérea.

Segundo o interlocutor, apesar de não ter sido possível construir os hospitais com as verbas disponibilizadas, reitera que os pagamentos à NNN “foram feitos com base em autos de medição visados por consultores contratados”.

De forma cândida, revela a prática de desvios orçamentais: “Tenho presente, pois me era informado, que muitas vezes tiveram de ser usados recursos de outros projectos, por via de contrapartidas, para garantir a prossecução das empreitadas.”

“A lei do Orçamento consagra esse exercício. Não só teria sido feito para esta empresa mas para todas as outras cuja atenção exigisse prioridade”, justifica o actual deputado do MPLA.

Os pagamentos e as leis

Em termos de procedimentos técnicos, o engenheiro civil António Venâncio nota que o governador da província é a entidade contratante por delegação do titular do poder executivo, o presidente da República. “É o governador quem autoriza os pagamentos logo que o fiscal, designado para a obra, confirme as quantidades dos volumes dos trabalhos realizados”, sublinha.

“O governador enquanto dono da obra não pode realizar pagamentos sem o aval do fiscal. Está plasmado no despacho presidencial sobre Regras Gerais do Orçamento Geral de Estado que só mediante visto bom do fiscal se pode emitir o certificado de aprovação para pagamento”, reforça o engenheiro civil.

Já o advogado José Luís Domingos recorre à Lei da Contratação Pública: “Durante a execução da obra, o dono da obra é representado pelo director de fiscalização da obra. Ora, tal cuidado é imperioso para garantir que a mesma seja realizada tal como foi acordada.”

“Logo, não faz sentido e nem é legal que tenham existido pagamentos sem que o dono da obra tenha confirmado a execução da obra”, argumenta o advogado.

José Luís Domingos afirma ser importante a realização de um inquérito sobre pagamentos “sem a confirmação de execução de obras”.

“Há graves prejuízos para os cofres do Estado e isso impediu que muitos angolanos tivessem acesso à assistência médica e medicamentosa”, remata.

Sobre a questão da contratação pública, o general Higino Carneiro enfatiza as modalidades que esta estabelece. “No meu mandato a modalidade mais usada por razões objectivas era a contratação por convite”, justifica.

Higino Carneiro lamenta ter saído triste do Kuando-Kubango e diz ter dado o seu melhor pela “população sacrificada” daquela província: “Saí do Cuando-Cubando com alguma tristeza. Lutei com as estruturas centrais para aprovar o Plano de Desenvolvimento da Província e nem sequer 10% do requerido se iniciou. Reconheço que não havia condições financeiras para o efeito.”

À pergunta sobre o que sentia por não ter garantido a construção dos hospitais planeados e substancialmente pagos, o ex-governador socorre-se de um outro hospital: “Com orgulho e satisfação deixei pronto para inaugurar o hospital mais bem apetrechado na altura do país.” Trata-se do Hospital do Menongue, que “foi inaugurado depois da minha saída e lá está hoje a prestar serviços múltiplos a população no âmbito regional. Até a Namíbia já havia requerido os seus serviços também.”

“Quando cheguei a Menongue mandávamos os doentes para o Huambo ou Lubango. O Hospital Provincial não tinha o mínimo de condições Nem sequer uma pequena cirurgia fazia. Em pouco tempo conseguimos melhorar os seus serviços”, congratula-se o general. Logo, reconhece não ter feito muito, “mas deixámos os serviços minimamente organizados”.

Mesmo aceitando as explicações do general Higino Carneiro, estamos perante factos óbvios e claros: durante a sua governação provincial e a do seu sucessor, Pedro Mutindi, foram pagos milhões de kwanzas por obras-fantasma.

Segundo o jurista Rui Verde, em relação às empresas privadas, os comportamentos dos seus responsáveis que receberam dinheiro para obras e não as fizeram configuram vários crimes de burla por defraudação.

“Eventualmente, também estaremos perante uma situação de associação criminosa como qualificada no artigo 8.º da Lei das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais”, afirma o jurista.

A Lei da Probidade é invocada para enquadrar a acção dos governadores relativamente ao pagamento de obras inexistentes. “O governador, ao não fiscalizar a concretização das obras pagas pelo seu governo, não seguiu os procedimentos adequados e prejudicou o Estado, cometendo assim o crime de prevaricação (artigo 33.º da Lei da Probidade Pública). Os factos também indiciam o crime de violação das normas de execução do plano e orçamento (artigo 36.º) e possivelmente abuso de poder (artigo 39.º da mesma Lei)”, conclui o jurista.

Fonte: Maka Angola

 

 

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