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Angola: Estatísticas, Crescimento e Dívida

22-03-2019 - Rui Verde

Qualquer teoria económica, seja liberal, seja marxista, sabe que a circulação de informação é vital para a economia funcionar. Sem informação, os agentes económicos, o Estado, as empresas, as famílias, não tomam medidas racionais: andam à sorte em exercícios de vudu mais ou menos inúteis.

Angola parece ter dado um passo importante no sentido da publicação da informação económica básica, com a disponibilização da Página Nacional de Síntese de Dados (NSDP), bem como com o aprimoramento dos elementos fornecidos pelo Banco Nacional de Angola. Não quer isto dizer que todos os dados sejam fiáveis; aliás, é impossível que o sejam. Todavia, já dispomos de um quadro geral sobre a economia angolana que se pode consultar em minutos, e que, além de apontar tendências, está sujeito à discussão pública.

Os números que se retiram a partir dos elementos publicados não são especialmente animadores. A economia angolana está numa fase de estagnação, em que a produção do petróleo se encontra em queda. A velha história de que bastava que o preço do petróleo subisse para estimular o crescimento económico já não confere. O preço pode subir, mas as receitas não, porque a tendência da produção petrolífera é diminuir.

Em termos de crescimento do PIB (o Produto Interno Bruto, ou seja, tudo o que é produzido em Angola durante um ano), em 2016, houve uma contração de 2,58%, e em 2017, de 0,15%. Por sua vez, o desemprego situa-se, segundo os números oficiais, na ordem dos 19,9%, com referência ao ano de 2016, sendo que possivelmente o número real é mais elevado. O outro número é o da inflação. Esta situa-se, em termos homólogos (isto é, em comparação com o mesmo mês do ano anterior), em 18,22%. Embora seja elevada, a verdade é que a taxa de inflação não é tão elevada como se esperava, devido à desvalorização do kwanza. Provavelmente, tal deve-se à redução da circulação de moeda. Se verificarmos entre Dezembro de 2018 e Janeiro de 2019, a moeda existente na economia diminuiu.

É certo que os variados números ainda apresentam discrepâncias em termos anuais. Nuns casos, temos referência de 2016, noutros, de 2017, ainda noutros, de 2018, e em poucos casos de 2019. Mas, apesar disso, permitem um retrato da economia do país.

E esse retrato é simples.

Angola, economicamente, é um país parado: está entre a crise e a estagnação. Em termos técnicos, pode dizer-se que estamos perante uma estagflação – ou seja, não há crescimento económico, e o desemprego e a inflação são elevados. Digamos que é uma situação em que corre tudo mal. Obviamente, este é um quadro geral, e não quer dizer que aqui e ali não surjam desenvolvimentos encorajadores. A questão é que o panorama é de apatia.

Há precisamente dois anos, numa das salas mais imponentes de Londres, o Nash Hall do Institute of Directors, em pleno Pall Mall, coração da elite britânica, Norberto Garcia, então responsável máximo pelo investimento em Angola, falando numa conferência com investidores estrangeiros, descrevia com ardor as vantagens de investir em Angola. Por coincidência, um colaborador do Maka Angola também interveio nesse evento e encontrava-se rodeado de alguns dos principais investidores mundiais. Quando Garcia falou entusiasmado, todos os investidores “torceram o nariz”, alegando que não havia condições políticas para investir em Angola: demasiada corrupção, possibilidade de confisco prático dos negócios pelos “sócios” angolanos, inexistência de Estado de Direito, etc. Portanto, bem podia Norberto Garcia falar das novas leis e da vontade do governo, que ninguém acreditava que as leis fossem aplicadas ou que o governo tivesse outra vontade senão rapinar e deixar-se corromper.

Para que a economia saia da apatia, é preciso investimento e mudanças estruturantes. Contudo, ambas as condições dependem em primeiro lugar da política. O relançamento da economia angolana depende, antes de tudo, de condições e vontade política. É isso que o mais recente relatório da Moody’s (7 de Março de 2019) enfatiza quando refere que em Angola ainda existe “uma força institucional ‘muito baixa’, indicando o fraco desempenho das autoridades em relação à eficácia do governo e à capacidade de implementar políticas”.

É um facto que João Lourenço já percebeu isto, como demonstra a sua mais recente entrevista à televisão portuguesa, quando relaciona o investimento com o combate à corrupção. Sem o Estado se mostrar forte e capaz de controlar os processos em que intervém sem ser capturado por interesses privados, não haverá investimento em Angola.

Consequentemente, a primeira tarefa do presidente João Lourenço é mostrar que controla o Estado e os vários interesses que tradicionalmente capturavam a soberania pública, e garantir que os investidores podem aplicar os seus capitais sem medo de ficaram sem nada.

De notar que, quando se fala em investimento como chave para o crescimento em Angola, deve-se considerar o investimento público e privado. Não basta o investimento privado. O Estado tem de se dedicar a criar as infraestruturas necessárias para os negócios se concretizarem. Não vamos desenvolver aqui o tema, mas é imprescindível realçar este aspecto. A política de investimento necessária é mista: pública e privada.

O segundo ponto em que João Lourenço tem de intervir para assegurar o relançamento da economia é efectuando mudanças estruturais, sobretudo ao nível da oferta e do acesso das empresas ao mercado. Aqui espera-se que a conjugação de impostos baixos mas eficazes, uma liberalização geral da actividade económica, a facilidade de criar empresas e postos de trabalho, e o desmantelamento dos oligopólios existentes formados pelos associados do antigo presidente José Eduardo dos Santos contribua para a activação do movimento da economia.

No fundo, segurança política e jurídica, investimento e liberalização das actividades económicas e dos mercados, a par com o empenho estatal em criar infraestruturas físicas e legais são os pontos-chave para o novo desenvolvimento angolano.

Resta uma palavra final para a questão da dívida pública, que muitos pretendem alcandorar a principal problema angolano. Não é. É um facto que a dívida pública se encontra em níveis superiores a 75% do PIB. Porém, esse número em si mesmo não significa muito. Convém não dramatizar em excesso a questão da dívida pública.

Não fossem as questões de reputação e os chamados   animal spirits   que por vezes movem os mercados sem se vislumbrar uma base racional, e quase se diria que a dívida pública não deveria preocupar o governo angolano.

Em rigor, um país tem de iniciar um processo de   deleveraging   (desalavancagem da dívida) quando o peso da dívida se torna muito grande face ao rendimento obtido, o que quer dizer que as dívidas não se medem em termos absolutos, mas em termos do rendimento que as sustenta. Um país pode ter uma dívida elevada em termos monetários absolutos, mas se tem um rendimento elevado e expectativa de o aumentar, então não há necessidade de desalavancar. A questão surge quando a dívida cresce e o rendimento estagna, ou diminui, começando a criar a ideia de que o país será incapaz de pagar a dívida. 

Muitos economistas contemporâneos têm procurado atenuar as preocupações com a dívida pública. Ainda recentemente (em Janeiro deste ano), Olivier Blanchard, um dos macroeconomistas mais respeitados do mundo e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, proferiu o discurso anual da American Economic Association, e defendeu que, se a taxa de juros paga pelo governo pelos seus empréstimos for menor do que a taxa de crescimento esperada da economia, existe pouco custo social da dívida porque o governo pode simplesmente rolar os seus empréstimos quando vencem – sem ter de aumentar impostos ou cortar gastos e sem arriscar uma espiral de dívida perigosa.

Não sabemos exactamente qual o valor das taxas de juro pagas pelos variados empréstimos que o governo angolano contraiu, designadamente os chineses, e sabemos que a economia não tem crescido. Porém, se acreditarmos que Angola voltará rapidamente à senda do progresso económico, acreditamos que podemos minimizar o problema da dívida. Outros economistas vão mais longe: Jared Bernstein, antigo conselheiro do vice-presidente dos EUA Joe Biden, afirmou também recentemente que a austeridade tinha sido o erro político mais prejudicial na economia nos últimos anos.

Ora, em termos de dívida pública, a posição de João Lourenço tem de se afastar da visão tradicional, sob pena de estrangular a débil economia angolana. O que o presidente tem de fazer em termos de gastos públicos não é cortá-los abruptamente, mas torná-los eficientes e reprodutivos, eliminando o imenso sorvedouro que era a corrupção.

Muito provavelmente, bastará diminuir drasticamente as práticas corruptas para passar a haver dinheiro público. Além da eficiência na despesa aliada ao combate à corrupção, Lourenço tem de estar atento aos sinais do mercado e apaziguar possíveis nervosismos. Por isso, se é verdade que não deve adoptar uma política suicida de cortes e redução da dívida (que só servirá para atrasar o relançamento do país), também não deve descansar e deixar de estar vigilante na gestão da dívida e reacção do mercado à evolução. Em resumo, a dívida pública não deve ser, nem de longe nem de perto, a questão fundamental da economia angolana. Além de economicamente não ter fundamentação teórica unânime, do ponto de vista ideológico o que se tem verificado é que as exigências relativas à redução de dívida pública redundam, habitualmente, em práticas neocolonizadoras disfarçadas.

Para concluir: é tempo de avançar com as medidas políticas necessárias para relançar a economia em Angola.

Fonte: Maka Angola

 

 

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