Edição online quinzenal
 
Quinta-feira 28 de Março de 2024  
Notícias e Opnião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

ANGOLA SEM PROCURADOR

03-02-2023 - Rafael Marques de Morais

O país está sem procurador-geral da República (PGR) há um mês, desde que, a 16 de Dezembro passado, o general Pitta Groz cessou o seu mandato de cinco anos. Estamos assim perante um vazio institucional incompreensível. O presidente da República deve acabar com esse vazio o mais rapidamente possível e travar a regressão que a aplicação da justiça vem sofrendo em Angola. Para isso, e conforme exigido pela lei, João Lourenço deve promover que o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público (CSMMP) lhe apresente a lista dos três possíveis candidatos a PGR e proceder à sua urgente nomeação.

Nos últimos 20 anos, o cargo tem sido sempre confiado a um general, tradição iniciada com Augusto da Costa Carneiro (2002-2007), transmitida a João Maria de Sousa (2007-2017) e, finalmente, a Pitta Groz (2017-2022).

Como já antes referimos, na reunião plenária de 16 de Dezembro, o presidente do CSMMP, o mesmo general Hélder Pitta Groz, terá imposto a deliberação sobre a sua recandidatura, excluindo a participação de qualquer outro candidato. O Estatuto dos Magistrados do Ministério Público obriga à realização de um processo adequado para a selecção de três candidatos, de entre os quais o presidente da República nomeia, de forma soberana, o PGR. No caso ocorrido, a vontade pessoal do zelador da legalidade (o general), que a apresentou como uma ordem presidencial, dispensou a necessidade de cumprimento das normas e procedimentos legais.

Uma semana depois, a 23 de Dezembro, o general PGR cessante comunicou ao plenário do CSMMP ter informado o presidente da República, por escrito, que renunciava à sua candidatura a um segundo mandato, em consequência do fracasso da sua aparente tentativa de golpe para suceder a si próprio.

Estranhamente, conforme informações obtidas pelo Maka Angola, a referida reunião plenária não produziu uma acta, como é de lei. Após a sua breve intervenção de agradecimentos e de comunicação de desistência da candidatura, o general Pitta Groz deu por encerrada a reunião.

“O estado emocional do PGR no encontro era muito forte. Falou, levantou-se e foi-se embora. Por humanismo, os membros do plenário deixaram passar essa falha grave”, revela fonte do Maka Angola.

“Há um vazio institucional. É o hiato que se cria até à repetição do acto viciado de escolha do PGR. Tal acto poderia ter sido repetido no dia seguinte [24 de Dezembro]”, continua a fonte. “A casa [PGR] está parada. Os actos praticados durante este período são sindicáveis até à nomeação dos novos PGR e vice-PGR”, remata.

O país está cada vez mais atolado em frescas denúncias de corrupção e outros conflitos com a lei por parte de actuais titulares de cargos públicos. O que o sistema judicial parece garantir aos cidadãos é o seu estado de desordem e inoperância efectiva.

Um PGR de saída com mandato expirado e um presidente do Tribunal Supremo debaixo de suspeita não são garantes da aplicação da justiça; pelo contrário, são sinais da desagregação do sistema judicial.

Exige-se a intervenção dos outros poderes e do mais alto magistrado da nação, que é responsável pelo normal funcionamento das instituições. A separação de poderes – que não existe de forma fechada na Constituição angolana – não pode ser álibi para a actual anarquia judicial.

A título de exemplo, há dias o Club-K revelou, mostrando documentos a comprová-lo, um alegado acto de corrupção do presidente do Tribunal Supremo, brigadeiro Joel Leonardo, na aquisição de mais de 600 viaturas por 52 milhões de dólares, para distribuição entre os magistrados.

Caberia à PGR, através dos seus procuradores-gerais adjuntos junto do Tribunal Supremo, verificar a veracidade da denúncia e desencadear um processo legal, investigar e acusar, ou, pelo contrário, caso conclua tratar-se de uma mentira, anunciá-lo publicamente e retirar as devidas consequências legais. O que não se deve aceitar é que se banalizem as suspeitas de corrupção e de abuso de poder por parte dos principais magistrados, veiculadas com uma regularidade assustadora, que obviamente corrói a confiança e a operacionalidade dos tribunais.

Tem havido uma catadupa de denúncias contra o presidente do Tribunal Supremo que descredibilizam, de forma arrepiante, esta instituição. Hoje, não há diferença entre as confusões de gestão do mercado informal do Km 30 em Viana e a baderna em que se transformou a gestão do Tribunal Supremo.

A PGR é a única instituição com legitimidade para investigar todas as denúncias públicas, e deve fazê-lo sem temor e sem protecção dos detentores do poder. Angola não pode continuar sem PGR e com um presidente do Tribunal Supremo debaixo de suspeição quotidiana. Angola não deve ser reduzida a uma comédia dos Tunezas, em que cada comediante se autonomeia procurador do seu bairro e os ladrões assaltam disfarçados de alegados juízes.

Fonte: Maka Angola

 

 

 Voltar

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome