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A UNIVERSIDADE DO FUTURO EM ANGOLA: PRIMEIRAS REFLEXÕES

12-02-2021 - Rui Verde

O general Paka, antigo oficial superior das Forças Armadas e veterano crítico do estado de coisas a que chegou Angola, deu recentemente uma interessante entrevista em que reflectiu sobre o ensino superior no país.

O general reformado afirmou que o sistema educativo tem de começar a privilegiar institutos profissionais e a abandonar a “doutoromania”. “Tanto doutor e engenheiro para ir aonde? Vão trabalhar aonde?”, adiantou, concluindo: “No tempo da minha mãe, você tinha que ter um ofício, saber fazer qualquer coisa, porque o nível de desenvolvimento da economia não precisava de doutor ou engenheiro, isso é falso.”

Este é o mote para uma curta reflexão sobre a universidade do futuro em Angola e, sobretudo, para começar a responder à questão essencial: como desenhar um ensino superior angolano que simultaneamente corresponda aos anseios dos jovens e contribua para a prosperidade nacional?

Há dois pontos de partida para se dar início ao diálogo e à reflexão conjunta sobre este tema: Em primeiro lugar, o pensamento sobre a universidade do futuro em Angola não pode começar na universidade, mas sim no ensino infantil e básico. Ou seja, a reforma do ensino universitário deve começar pela raiz, pelos mais novos. Aí devem ser estabelecidos critérios de aprendizagem que valorizem o papel do professor e ao mesmo tempo lhe forneçam um roteiro específico para seguir. É também no ensino básico que todos os alunos devem ter acesso a uma preparação fundamental nas áreas básicas; depois dessa base geral, deve começar o processo educativo que potencia as aptidões específicas de cada aluno, orientando-o para o que melhor conhece e para as áreas em que se sente mais apto.

Professores motivados e competentes, a par de alunos formados com uma base sólida e tendo a possibilidade de desenvolver as suas capacidades próprias, será sempre o melhor esteio de um novo ensino básico capaz de responder às preocupações do general Paka. Se o estudante for habituado desde sempre, e não apenas a partir da frequência universitária, a desenvolver as suas capacidades e os seus conhecimentos, não sendo submetido a um processo de uniformização constante e permanente, já não chegará ao ensino superior com o objectivo de ser um doutor imitador, mas sim a querer capacitar-se individualmente, escolhendo fazer ou estudar aquilo que se adeqúe mais às suas competências.

O segundo ponto de partida útil e necessário a uma reforma universitária é o abandono da procura da réplica e da uniformização. As universidades em Angola foram muito pensadas de acordo com o modelo português, que por sua vez se inspira no modelo napoleónico germanizado.

Um parênteses para uma digressão pessoal sobre o tema. Tendo participado na concepção e criação de uma universidade privada em Angola, nos longínquos anos de 2003/2004, lembro-me de ter proposto que o curso de Direito a ser leccionado nessa nova instituição se inspirasse nas formações sul-africanas e anglo-saxónicas, mais flexíveis e curtas. Esta ideia foi vetada pelo então ministro da Educação, que quis manter o modelo português de longos cursos de cinco anos de Direito, com disciplinas que muitas vezes eram totalmente alheias à realidade de Angola.

Isto quer dizer que a universidade foi (e ainda é) perspectivada como uma instituição uniforme, racionalizada e que deve ser replicada de modo idêntico, em módulos semelhantes, por toda a parte. No fundo, o que se procurou em Angola foi criar universidades razoavelmente parecidas com a Universidade Agostinho Neto.

Ora, a universidade do futuro tem de ser o oposto desta ideia. Na verdade, o ensino superior tem de passar a ser sinónimo de diversidade e flexibilidade, permitindo novas experiências e traçando caminhos inovadores. Não vale a pena repetir universidades de “doutores” por todo o lado. Vale a pena, isso sim, criar universidades que vão ao encontro das necessidades e dos objectivos de desenvolvimento pessoal de cada um, em articulação com a prosperidade da nação como um todo.

Assim, a universidade do futuro tem de apostar na promoção de habilitações que potenciem o aproveitamento dos recursos existentes.

Um exemplo concreto, que será tomado como momento de humor por uns e ridicularizado por outros, mas que na verdade corresponde ao que deve ser: como se sabe, Angola é o principal produtor africano de banana e as províncias do Bengo e de Benguela destacam-se nessa actividade. Teria todo o sentido promover no Bengo ou em Benguela uma instituição de nível superior que não leccionasse os cursos de Direito ou Psicologia, mas se dedicasse às várias vertentes ligadas à banana, criando um centro de excelência continental, ou quiçá mundial, na investigação e no desenvolvimento da banana. A universidade tem de estar atenta e alinhada com a realidade local. Esta é a primeira regra da universidade do futuro: utilizar e catalisar os recursos locais, e procurar soluções locais.

A par da necessidade de corresponder aos anseios locais, a universidade angolana deve procurar o seu caminho de construção enquanto instituição que valorize o pensamento crítico e evite a “fuga de cérebros”. O académico da universidade angolana tem de querer estar em Angola, sentindo-se num ambiente propício à livre discussão das suas ideias. Para isso, é importante esbater uma certa menorização de que as universidades angolanas se fazem rodear, em virtude da sua quase permanente imitação das congéneres portuguesas. Há outros modelos de universidade, com pensamento mais crítico e movimentação mais livre de docentes, que podem também ser adoptados ou servir de inspiração.

A “desportugalização” da universidade angolana é fundamental, não no sentido de menosprezar a contribuição portuguesa, mas no sentido de a colocar em concorrência com outras instituições, outros académicos e metodologias de outros países, criando um cadinho cultural e educacional mais vivo e fulgurante. Aliás, a academia portuguesa só ganharia se fosse também colocada em concorrência com outras realidades. Trata-se de deixar entrar novos ventos em ambas as academias. Coloque-se uma simples questão: quantos Prémios Nobel nas áreas científicas ganhou a academia portuguesa? Apenas um: Egas Moniz, em 1949, recebeu o Prémio Nobel da Medicina (o prémio de José Saramago não entra nesta contabilização, porque foi de Literatura). Seria excelente que Angola se abrisse a outras realidades académicas, as quais, nomeadamente, têm arrecadado mais reconhecimento, prestígio e prémios internacionais. Estas são umas primeiras reflexões de pistas para começarmos a gizar a universidade do futuro em Angola.

Fonte: Maka Angola

 

 

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