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NEGÓCIOS SEM PAIXÃO: GESTÃO DANOSA NO BPC

07-08-2020 - Paulo Zua

Um banco de capitais públicos vende uma propriedade do Estado por 2 milhões de dólares e, passado um ano, recompra a mesma propriedade por 11 milhões de dólares. É um negócio de Paixão. Efectivamente, trata-se de um esquema complexo que envolve Paixão Júnior, o antigo gestor do BPC (na foto), na venda de acções da Mundial Seguros, de cujo capital detém 10%. Entre outras medidas para recuperar os dinheiros públicos assim desbaratados, o Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR deve desde já reclamar para si os 10% que Paixão Júnior arrecadou abusivamente para si.

Em 9 de Abril de 2012, o Banco de Poupança e Crédito (BPC), representado pelo seu presidente do Conselho de Administração Paixão Júnior e pelo administrador João António Freire, assinou um contrato com a empresa Mostratus, Sociedade Gestora de Participações Sociais S.A., representada por Cláudio Dias dos Santos.

Através do contrato, o BPC vendeu o equivalente a 34% da seguradora A Muse – Mundial Seguros S.A., que detinha directamente, e passou a ser o seu segundo maior accionista, com 22% das acções. O valor dessa venda foi de 5,1 milhões de dólares (cláusula 2.º, n.º 1). O contrato ficou sujeito a uma condição resolutiva, definindo-se que terminaria se o montante total da venda não fosse integralmente pago, e estabelecendo-se também que a transmissão física das acções só ocorreria após esse pagamento total (cláusula 2.ª, n. os  4 e 5).

Face ao texto do contrato e ao termo de entrega das acções à Mostratus, assinado a 30 de Novembro de 2012, que indicaria que tudo estava pago, pareceria que estaríamos perante um normalíssimo contrato de compra e venda que tinha rendido ao banco liderado por Paixão Júnior a quantia de 5 milhões de dólares.

Por sua vez, Paixão Júnior, enquanto presidente do Conselho de Administração do BPC, misturou negócios do Estado com negócios pessoais, uma vez que não só tratou da entrada do banco na seguradora, como da sua própria também. Tornou-se o terceiro maior accionista, com 10% da Mundial Seguros.

Triste e ledo engano. A história é muito mais complexa.

Em primeiro lugar, segundo a documentação em posse do Maka Angola, os compradores apenas tinham de entregar ao BPC a quantia de 2 milhões de dólares, o que fizeram pontualmente. Os restantes valores destinavam-se a ser incorporados na seguradora através de operações congeminadas por Paixão Júnior. Portanto, a Mostratus ficou com 34% da Mundial Seguros com um desembolso líquido de 2 milhões de dólares. Se esta é uma primeira surpresa, as que se seguem são muito mais desconcertantes.

Aparentemente, pouco depois de concretizada a operação, Paixão Júnior não gostou de ter a Mostratus com uma posição de relevo na seguradora, pois o seu proprietário, Cláudio Dias dos Santos, tornara-se um accionista problemático e perguntador. Punha em risco os negócios que o presidente do Conselho de Administração do BPC pretenderia desenvolver. Nesse sentido, Paixão Júnior começou a desenvolver uma estratégia para afastar o principal accionista.

Essa estratégia passou por duas situações em simultâneo: a recompra da posição da Mostratus e o reforço de posições com aliados, para evitar intromissões. Conforme investigações deste portal, essa decisão foi tomada, em primeira instância, ao nível do MPLA (o accionista sombra da Mundial Seguros), que, por sua vez, instruiu Paixão Júnior a obter as acções de volta.

Tendo concretizado a primeira parte da estratégia, após alguma contenda, em 16 de  Agosto de 2013, cerca de um ano e meio depois, o BPC, representado pelos mesmos administradores, recompra os 34% da Mostratus pelo valor de 11 milhões de dólares. A Mostratus obteve um lucro líquido, nesse prazo curto, de 550%, ganhou 5,5 vezes mais.

Por que razão a empresa se valorizou tanto num tão curto intervalo de tempo? Sabe-se que o apoio do MPLA à operação falou mais alto e “valorizou” a empresa.

O papel de Cláudio Dias dos Santos, da Mostratus, é semelhante ao do ex-presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, quando comprou acções do banco BPN por intermédio do seu presidente do Conselho de Administração, Oliveira e Costa. Comprou por um preço baixo e pouco tempo depois vendeu ao mesmo banco por intermédio do mesmo Oliveira e Costa, obtendo um lucro assinalável. Cavaco Silva «limitou-se» a fazer, tal como Cláudio Dias dos Santos, um bom negócio. Oliveira e Costa é que deixou ir o banco à falência, tendo sido acusado de vários crimes; só não cumpriu uma longa pena de prisão porque morreu entretanto.

Este negócio da venda e recompra de 34% da Mundial Seguros coloca em xeque Paixão Júnior, que surge como desbaratador de dinheiros públicos. Nunca esqueçamos que o BPC é um banco do Estado, pelo que os seus prejuízos e gastos se repercutem na esfera do Estado. Estamos, no fim de contas, a falar de dinheiro de todos os angolanos.

Como se referiu, a segunda parte da estratégia adoptada por Paixão Júnior para controlar melhor a Mundial Seguros assentou na entrada de fiéis que consubstanciassem as suas posições. Um exemplo disso mesmo é Elvino Domingos Mariano, que se tornou proprietário de 5% da seguradora. Obteve o dinheiro, equivalente a mais de 200 mil dólares, através de um empréstimo do BPC, o qual nunca pagou, conforme demonstra a documentação a que o Maka Angola teve acesso.

Não é preciso ir muito longe para perceber que os comportamentos de Paixão Júnior, ao dissipar dinheiro público, representam actos que prejudicam o património público de forma negligente ou dolosa, devendo desde logo devolver o dinheiro que fez o Estado gastar indevidamente (artigos 26.º e 31.º da Lei da Probidade Pública).

Além disso, terá também praticado o crime de abuso de poder, ao violar os deveres inerentes à sua função, causando prejuízos na entidade que dirigia (artigo 39.º da mesma Lei). Finalmente, é bem possível que a sua actuação caia no âmbito do crime de peculato, punível nos termos do artigo 313.º do Código Penal. Recentemente, anunciou-se que o BPC teve, em 2019, um prejuízo superior a 650 milhões de dólares, resultante em grande parte do reconhecimento de imparidades (isto é, negócios passados cujo valor teve de ser revisto em baixa). Possivelmente, este e outros negócios semelhantes estarão na origem dos resultados assustadores do BPC e, por isso, devem ser tomadas medidas do foro judicial. Para já, o Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR deve reclamar, a favor do Estado, a participação societária de Paixão Júnior na Mundial Seguros (10%). Ganhou essas acções enquanto presidente do Conselho de Administração do BPC, que foi o principal investidor na seguradora.

Fonte: Maka Angola

 

 

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