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O MUNDO NÃO É ELÁSTICO - X

14-12-2018 - Jorge Duarte

Extracção de areias . Depois da água e do ar, um dos recursos mais utilizados e que parece quase infinito mas no qual mal se pensa e cujo uso se iguala a estes dois, é a areia. Uma das matérias mais procuradas no século XXI. Sim, porque o aumento exponencial da população, mormente na Ásia, obriga à construção de cada vez mais megacidades e infra-estruturas. Só a Índia precisa de uma centena delas para alojar a população crescente que, em 2040, atingirá 1 600 milhões. Igualmente na China e muitos outros países. O Reino Unido precisa de uma nova cidade como Liverpool, todos os anos (Douglas Murray, 2018). Por outro lado, a fuga das populações dos campos e aldeias para as cidades obriga ao aumento destas, continuamente.

Há, por todo o lado, uma procura desmedida deste recurso finito desde a Nigéria e Marrocos ao Dubai ou Califórnia, passando por toda a Ásia e até ao Brasil. Depois do esgotamento da areia nos areeiros, são os leitos dos rios, dos lagos e praias que vão desaparecendo. Na Índia é duplamente alarmante: os bancos de areia encontram-se na camada inferior do coberto fértil, pelo que a melhor terra é removida para chegar à areia. São às dezenas de milhar os camiões que todos os dias carregam estes sedimentos.

Consta que o lago de Poyong, na China, é onde se extrai a maior quantidade de areia no mundo, não obstante a própria China absorver quase 40% do comércio mundial de areia e a Ásia, no seu todo, cerca de 70% deste recurso. Não admira, pois, que uma grande parte deste negócio, muitas vezes longe do controlo das autoridades e em zonas isoladas, seja dominado por máfias e aventureiros, sem regras nem escrúpulos, onde episódios de violência são frequentes, na disputa pelo mercado.

As consequências desta febre de extracção descontrolada é o desaparecimento do leito dos rios, praias e danificação dos alicerces das pontes. A mineração desordenada prejudica ainda a agricultura, os ecossistemas e a segurança das infra-estruturas.

Em regiões mais pobres e findas as areias acessíveis, resta o mar. Milhares de embarcações dragam o fundo continuamente. Outros tantos milhares de humanos pobres mergulham abaixo dos 10 metros, trazendo à superfície cestos carregados de areia como mineiros aquáticos, num trabalho diário extenuante.

Como se disse, é a construção civil que mais absorve esta gigantesca quantidade de areia. No entanto, não faltam outras tantas aplicações como a criação de ilhas artificiais, o aumento de territórios sobre o mar (China, Japão, países do Golfo Pérsico), protecção de costas contra a erosão e efeitos da subida do nível do mar, e ainda, a utilização na indústria do vidro, cerâmica, equipamentos elecrónicos e até no sistema de travões dos comboios.

Só Singapura aumentou em vinte por cento o seu território fruto da descarga de enormes quantidades de areia na costa. China e Japão utilizam quantidades ainda maiores para extensão das suas orlas marítimas. Ilhas como as Maldivas ou arquipélago de Kiribati, no Pacífico, mantêm protegidas do aumento do nível do mar as suas ilhas maiores, com a extração de areia das restantes ilhas mais pequenas ou no fundo do mar.

Poderia pensar-se que a areia quase infindável dos desertos supriria toda a escassez, mas não. A areia do deserto não é própria para a construção. É demasiado fina. Outra, falta-lhe o pó com que se forma a goma que, juntamente com o cimento, serve de ligante indispensável aos elementos. Se contiver demasiado pó também não serve, por tornar “podre” a argamassa. Mesmo a areia da praia e do mar (que não contém pó) é necessária a mistura com outra que lho adicione. A salinidade não constitui problema pois esta areia é lavada previamente.

Não fora a inaptidão da areia do deserto e os projectos faraónicos do Dubai que esgotaram toda a areia do emirato, e o seu maior arranha-céus (e do mundo), o Burj Khalifa, com 828 metros de altura, 160 andares e 330 000 metros cúbicos de betão especial aqui aplicados, não necessitava de importar areia da Austrália com a qual foi construído. O transporte de areia de longas distâncias acarreta custos ambientais enormes com a poluição gerada pelos transportes. O Catar é outro dos grandes importadores.

No Brasil, as redes organizadas de tráfico de areia rivalizam em volume de negócios com outras actividades ilegais como a droga, animais exóticos ou armas.

A areia não é um simples material inerte, é o resultado de um processo milenar de erosão das rochas, deslocação, deposição e condições climáticas, num contínuo burilamento. E, consoante a rocha fragmentada que lhe deu origem, assim é o tipo de areia. E as particularidades da sua utilização.

Tendo sido até aqui um material abundante, é mais correcto considera-lo já como raro. Enquanto a água segue um ciclo de reposição mais ou menos regular, a formação da areia precisa de milhares de anos.

A extracção actual, da forma descontrolada como se exerce, leva, em muitas regiões, a que ela simplesmente acabe. Como acabou no Dubai e Catar. Por outro lado, mesmo que se parasse com a construção, as necessidades de areia para a protecção das costas para contenção do avanço do mar, decorrentes do aumento do nível, não cessariam. Por tal procura, dados da ONU referem que o valor da areia no comércio internacional aumentou quase seis vezes nos últimos vinte e cinco anos.

Falamos de areia mas há mais duas famílias de inertes que lhe estão associadas e sofrem da mesma pressão: o cascalho e a terra. O cascalho utilizado em estradas, caminhos ou formação de pisos não cessa igualmente de ser extraído e sujeito ao mesmo processo de formação da areia. Simplesmente também não é reposto e acaba.

A terra, sobretudo a terra vegetal, de melhor qualidade para a agricultura, está a ser retirada das margens do rio Ganges, na Índia, para fabrico de tijolo. Este tijolo é usado na construção de alojamentos como resposta às necessidades habitacionais resultantes do aumento demográfico, em zonas mais pobres. O fabrico deste tijolo exige muitos recursos: fogo e água. Qualquer deles, muito escassos nestas regiões. Dá-se a soma das três desgraças: desaparecimento do rico solo agrícola, da lenha (de eucalipto) para os fornos de cosedura do tijolo e da água, num momento de crescimento acelerado da população que exige cada vez mais recursos.

O que deveria ser feito? Convenções e regras internacionais firmes; fiscalização eficaz contra as máfias e comércio ilegal; imposição de quotas-limite de extracção nas zonas críticas. Mas isto vale o que vale. Porque é a dinâmica própria das economias, directamente afectadas pelas dinâmicas populacionais, que acabam ditando as regras. E não é somente nos países pobres ou em desenvolvimento que isto acontece; estão no mesmo nível de excesso de exploração regiões como a Europa ou América do Norte. Tão-logo um país tente limitar ou regular a extracção, outro toma o seu lugar no mercado mundial, para compensar essa quebra. As mais das vezes, com fornecimentos ilegais.

O mundo segue este inexorável caminho, extinguindo recurso atrás de recurso. E não é por desconhecimento das consequências que o faz. Diz o Google que foi produzida mais informação nos últimos dez anos do que em toda a História da humanidade.

Esgota-se, por fim, até a própria capacidade de competir. De qualquer maneira, Margaret Thatcher (anos 80, séc. XX) já havia declarado que “a sociedade não existe; existem apenas empresas e países competindo e lutanto pelo lucro”. Confirma-se.

Jorge Duarte

Conclusão na próxima edição

 

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