JUSTIÇA PARA A JUSTIÇA
30-11-2018 - Manelinho de Portugal
Num estado de direito democrático, como é o português, em que segundo a respectiva Constituição da República existe separação de poderes, consubstanciando os mesmos órgãos de soberania: Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais (leia-se juízes), os titulares dos mesmos, nos termos especial e legalmente previstos para cada um deles, gozam de imunidades, ou seja, privilégios judiciais face ao comum dos cidadãos. Tal significa que criminalmente: o Presidente da República, salvo prática de crime grave e detido em flagrante delito, enquanto estiver no exercício de funções não pode ser julgado, apenas respondendo judicialmente pelo mesmo quando terminar o seu mandato; os deputados, para serem levados a tribunal, têm de ver a sua imunidade parlamentar levantada pelos seus pares da Assembleia da República; os ministros e secretários de estado poderão responder em tribunal desde que não sejam oriundos da Assembleia da República, isto é, previamente terem sido eleitos deputados; por fim, os juízes, ainda que possam ser alvo de processos criminais, apenas podem ser detidos e sujeitos a prisão preventiva em caso de flagrante delito.
Teoricamente pode-se questionar a legitimidade ou moralidade de tais descriminações positivas em termos jurídico-penais destes cidadãos face à generalidade e esmagadora maioria dos seus compatriotas, mas não é esse o objecto deste artigo.
Efectivamente o que importa saber é se os titulares de órgãos de soberania devem ser privilegiados e de alguma forma estarem acima ou à margem da Lei.
Vem isto a propósito da notícia veiculada pela comunicação social no passado dia 27 do corrente mês sobre a instauração de um processo disciplinar ao “intocável” e “super” juiz Carlos Alexandre pelo Conselho Superior da Magistratura (C. S. M.) -órgão administrativo e disciplinar dos juízes-, a propósito de afirmações efectuadas pelo mesmo numa entrevista televisiva susceptíveis de violarem o “dever de reserva” a que os magistrados judiciais estão obrigados.
Para o caso pouco importa o que é o “dever de reserva”, antes relevando o facto de o dito juiz ter posto em causa a fiabilidade ou possível manipulação do sorteio electrónico aleatório de atribuição de processos a juízes, o qual, aliás, também se aplica a outros profissionais da Justiça.
Ora ao sr. juiz Carlos Alexandre nunca lhe ocorreu que o dito sorteio podia ser manipulado quando o mesmo lhe atribuía processos e só se deu conta de tal possibilidade quando aquele ditou que o processo da “Operação Marquês” fosse atribuído ao seu colega juiz Ivo Rosa?
Não é esta uma forma subliminar de o sr. juiz Carlos Alexandre pôr em causa a honorabilidade, honestidade e imparcialidade do seu colega juiz Ivo Rosa, permitindo raciocínios tortuosos de que este último se conluia ou pode conluiar com os arguidos para benefício destes?
Tais afirmações do sr. juiz Carlos Alexandre não contribuem para um ainda maior descrédito da Justiça perante a generalidade dos cidadãos?
Face ao que antecede, de duas uma: ou o sr. juiz Carlos Alexandre, em sede de processo disciplinar, prova o que afirmou e convence o C. S. M. de que tem razão, sendo que se assim for deve ser aberto um inquérito ao juiz Ivo Rosa e comunicados ao Ministério Público tais factos com vista à abertura de um inquérito e investigação criminal; ou o sr. juiz Carlos Alexandre não logra provar a razoabilidade e veracidade das suas afirmações, e em consequência ser exemplarmente punido.
Este é um assunto, ou caso, demasiado grave e sério para a credibilidade do sistema judicial português, para que no final do processo disciplinar do C. S. M. contra o sr. juiz Carlos Alexandre tudo fique, como soi dizer-se, em “águas de bacalhau”.
Manelinho de Portugal
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