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Por um pacto de estabilidade no Ensino

29-01-2016 - Maria do Carmo Vieira

O que eles amavam tão apaixonadamente nela [a Escola] era o que não encontravam em casa, onde a pobreza e a ignorância tornavam a vida mais dura, mais sombria, como fechada sobre si mesma.

Albert Camus

De 1987 a 1989, na situação de licença sem vencimento, dirigi um pequeno Centro de Acolhimento para crianças maltratadas, dos zero aos 10 anos, situado perto das Olaias, e que criei com o apoio imprescindívelnão só da instituição suiçaSentinelles» (Lausanne), fundada por Edmond Kaiser, já falecido, e cujo trabalho conheci num texto de Língua Francesa do 12º ano,mas também do Centro de Estudos Judiciários, sendo seus directores primeiramente Armando Leandro e depois Laborinho Lúcio que acompanharam, em estreito envolvimento, todo o trabalho aí desenvolvido.

Não sendo objectivo do presente artigo dar conta desse trabalho, serve esta informação apenas para explicar a minha experiência também com crianças em idade escolar (ensino primário, agora 1.º ciclo) e cujos estudos eu própria acompanhei enquanto sua encarregada de educação, dada obviamente a ausência dos pais naturais.De referir ainda que as crianças que iam passando pelo Centro até à sua adopção, o que aconteceu na maioria dos casos, e que haviam sido retiradas do seu ambiente familiar, devido a profundo abandono e indescritíveis maus-tratos,viveram também, com alguma regularidade, em minha casa, passando fins-de-semana e férias, pequenas e grandes. Foi nesse contacto intimamente familiar que ganhei algumas certezas, dando-me conta de que as crianças, independentemente de pertencerem a um ou outro estrato social, têm todas as suas capacidades em estado de alerta e basta um estímulo para que a resposta seja quase sempre imediata. Poderão exigir mais trabalho, mais treino, mais atenção, mais compreensão, sobretudo quando em casa lhes falha, infelizmente, esse diálogo e essa preocupação, mas o que as crianças certamente não precisam é de que lhes facilitem tudo, de que lhes ofereçam a dita «felicidade», determinando que o seu esforço não seja posto à prova, que a sua curiosidade recue em lugar de progredir e que não criem hábitos de trabalho.

Árduo foi também, nessa altura, e muitas vezes em vão, o tentar explicar a alguns professores que aquelas crianças não precisavam que se apiedassem delas face ao que já tinham vivido, inculcando-lhes inadvertidamente esse nocivo sentimento de auto-piedade que anula o esforço e alimenta a resignação e, quantas vezes, uma revolta estéril; o que se exigia era um acompanhamento sério e responsável dentro e, naturalmente, fora da escola e nesta última situação me empenhei, bem como as duas colegas que viviam com os meninos, no Centro de Acolhimento, aliás, com capacidade apenas para receber 6 crianças, e que por vontade nossa nunca foi sinalizado com qualquer nome que o identificasse como Centro. Era ali a sua casa. E isso era o mais importante. Ali estudavam, normalmente acompanhados por um adulto, ali brincavam, ajudavam na lida da casa, faziam recados, tinham os seus amigos, até que um dia partiam e deixavam saudades.

Não é por se defender exaustivamente a inclusão que ela se torna uma realidade, nem é por se defender o óbvio, ou seja, a necessidade de precocemente atalhar as dificuldades dos alunos que a situação se resolve. As ideiassão justas, mas só poderãoefectivamente concretizar-se se houver vontade e seriedade políticas para as pôr em prática com eficácia, o que não tem acontecido com os diferentes governos, de esquerda ou de direita,sempre apoiados por especialistas que endeusam as teorias que defendem, sem a preocupação de ouvir quem trabalha na Escola. Não é deixando passar um aluno que não sabe minimamente ler, por exemplo, que um professor o ajuda, antes o trai porque se desresponsabiliza profissionalmente e o entrega à desmotivação que acabará por acontecer, mais tarde ou mais cedo, por acumulação de dificuldades, todas elas resultantes de não ter aprendido a ler de forma satisfatória. Parece óbvio, mas o certo é que se mantém a ausência de um debate sério sobre o Ensino, nele incluindo necessariamente a formação de professores,debate esse que deveria implicar forçosamente um entendimento de médio/longo prazo entre todos os partidos, depois de ouvida a comunidade escolar, ao invés de esta se sujeitar ao capricho dos vários governos e às mudanças daí decorrentes que a desestabilizam, conforme temos verificado, precisamente porque não trazem em si soluções claras e duradouras.

Em suma, aquilo a que temos vindo a assistir no Ensino resulta por um lado, do trabalho da Direita apostada ostensivamente na defesa da Escola Privada e no abandono e desmantelamentoda Escola Pública, e por outro, da Esquerda, em que ideologicamente me revejo, mas cuja postura lamento pelo fanatismo de um triste discurso miserabilista, que inclui a facilidade e que, paradoxalmente, contribui para a ausência de futurodaqueles que pretende defender,vislumbrando a igualdade na ignorância que fomenta.

Maria do Carmo Vieira

 

 

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