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“Podem morrer grávidas e bebés. Nunca se chegou a este ponto”

09-08-2024 - Nuno Teixeira da Silva

Entrevista a Joana Bordalo e Sá, presidente da FNAM, que explica porque só fecham as urgências dedicadas a mães e crianças. “Gravíssimo”.

O Verão vai a meio e a situação no Serviço Nacional de Saúde (SNS) voltou a agravar-se: ainda no fim-de-semana passado fecharam 11 serviços de urgência no sábado, 13 no domingo. Todos de obstetrícia/ginecologia ou pediatria.

Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), explica porque isso acontece, fala nas negociações que tem havido com o Governo e deixa alerta sobre o futuro próximo.

Nesta conversa com o ZAP, Joana não hesita no momento de apontar responsabilidades por esta situação preocupante.

ZAP – Primeiro, o contexto. Temos quatro tipos de urgência: geral, serviço de urgência básica, obstetrícia/ginecologia (que podem estar separadas) e pediatria. Certo?

Joana Bordalo e Sá – Isto funciona assim: um serviço de urgência é um serviço de urgência. E depois pode ter várias valências. Os serviços de urgência ginecologia/obstetrícia e pediatria podem ser completamente separados, até fisicamente, mas essa não é a realidade na maior parte dos sítios.

ZAP – Porque só fecharam as urgências de ginecologia/obstetrícia e pediatria? Em mais de 150, no total.

Joana – Todos os serviços de urgência estão carentes de médicos. Mas os que mais faltam são pediatras e obstetras. Como não há médicos suficientes para garantir uma escala de urgência (e isso não acontece porque o Ministério da Saúde não quer, porque nada fez para que haja mais médicos), os serviços fecham. Se não há médicos, não pode estar aberto.

ZAP – O Nuno Rodrigues, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, queixa-se que os médicos foram deixados para trás, quando são a classe profissional da Função Pública que trabalha 40 horas por semana. O que isso quer dizer?

Joana – Não são só os médicos que são deixados para trás. É um pouco transversal a toda a administração pública. Os médicos em particular porque somos a classe profissional que teve maior perda do poder de compra na última década e não vimos nenhuma reposição que contrabalançasse isto de forma séria, até agora. Mas respondendo: primeiro, não se conseguiu nenhum bom acordo para os médicos em 2024. Segundo, não está a haver negociação séria e competente. Por isso é que a FNAM tem estado em luta – e provavelmente vamos ter que escalar mais esta luta.

ZAP – Não há negociação séria sobre o quê?

Joana – Sobre a questão salarial. Não é o mais importante, mas é um aspecto extremamente importante. Continuamos a ser dos médicos mais mal pagos na União Europeia. Com salários baixíssimos, e com a perda de compra de 18% na última década, os médicos saem do SNS. E o Ministério da Saúde não quer negociar: propôs discutir grelhas salariais só a partir de 2025. A FNAM não aceita isto, temos que começar a negociar já, fechar o assunto até Setembro, para termos novos salários em Janeiro.

ZAP – O Governo diz que só se pode discutir salários a partir de 2025 – alega o quê?

Joana – Dizem que não podem. Mas a verdade é que não há vontade política.

ZAP – Não podem… em termos financeiros?

Joana – Dizem que é uma linha vermelha que não podem passar. E lembramos que há muitas outras coisas a discutir: jornada de trabalho semanal, porque somos os únicos da administração pública que trabalhamos 40 horas por semana; ou médicos internos que estão fora da carreira, para estarem mais protegidos – seria uma medida com zero impacto orçamental, mas o Ministério foi completamente inflexível, intransigente. Sobre pontos fundamentais para fixar médicos e melhorar condições de trabalho, o Ministério de Ana Paula Martins foi completamente intransigente e inflexível.

ZAP – A FNAM sente algum desequilíbrio perante os acordos conseguidos com professores, forças de segurança ou guardas prisionais?

Joana – Acho que os vários ministérios estão em falta com todos os sectores. Aqui a questão é que, em termos de salário-base para os médicos, não vemos nada a acontecer. Isso é um facto. Para termos os médicos no quadro, não queremos andar aqui a discutir suplementos, suplementinhos e horas extraordinárias; queremos discutir o salário-base e isso é uma grande diferença.

ZAP – Nos últimos dias ouvimos declarações sobre médicos que não se arriscam a trabalhar nestas condições, sobre “tragédia para as utentes”, expressões como “descalabro”, ou “foi por milagre que ainda não aconteceu nada”. Tivemos ainda ontem (segunda-feira) a situação do aborto no hospital das Caldas da Rainha. A Ordem dos Enfermeiros fala em “grave situação” dos serviços de urgência de obstetrícia. Isto é mesmo assim? Há uma situação séria e perto do drama? O que pode acontecer?

Joana – É uma situação gravíssima. Podem acontecer mortes de grávidas, de bebés, de crianças, por não conseguirem chegar ao serviço de urgência a tempo e horas. O que está a acontecer é absolutamente inaceitável. As grávidas e os seus bebés estão em risco. Sobretudo se forem das regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Leiria e Caldas da Rainha, Viseu, Chaves… Porque não têm atendimento urgente no SNS, têm de andar centenas de quilómetros. Nunca se chegou a este ponto. E, se acontecer alguma tragédia, alguma morte, a alguma grávida ou a algum bebé, a responsabilidade é inteiramente deste Ministério de Ana Paula Martins, que nada faz para contrariar isto, que não tem competência para garantir mais médicos no SNS. Isto é nu e cru.

ZAP – A FNAM está confiante que algo vai mudar em breve? Realisticamente.

Joana – Hum… Nós entendemos que, mais do que nunca, precisamos de um Ministério da Saúde que perceba de saúde, e de um ministro ou ministra que sirva o SNS. Esta situação é insustentável e não pode continuar.

Fonte: ZAP.pt

 

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