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Estado celebrou dezenas de contratos com consultora coordenada por vice do IEFP

10-11-2017 - Clara Viana

Ministério Público está a investigar contratos entre a Agência Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional e a consultora Quaternaire, de que Paulo Feliciano é coordenador. Está actualmente de licença sem vencimento. Ao longo dos anos foi entrando e saindo de diferentes organismos do Estado.

A colaboração entre a Agência Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional (ANQEP) e a empresa de consultoria Quaternaire, de que é coordenador o antigo vice-presidente daquele instituto público, Paulo Feliciano, resultou na celebração de pelo menos dez contratos, a favor da consultora, no valor de cerca de 360 mil euros.

Em resposta ao PÚBLICO, a Procuradoria-Geral da República indicou que o Ministério Público abriu um inquérito à relação entre aquelas duas entidades, que está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. Em causa estarão sobretudo os contratos celebrados no âmbito da elaboração do Sistema de Antecipação de Necessidades de Qualificação (SANQ), que foi adjudicado pela ANQEP à Quaternaire e que levou a que a Polícia Judiciária efectuasse buscas na sede da agência pública, em Abril de 2015. Desde 2009, ano em que passou a ser obrigatória a publicitação dos contratos envolvendo organismos públicos, a Quaternaire já celebrou com o Estado contratos que superam os oito milhões de euros.

Os contratos a favor da consultora, que resultaram da sua colaboração com a ANQEP, foram adjudicados por várias entidades públicas entre 2011 e 2016. E tinham como objecto a realização de estudos em áreas (formação profissional e sistema de qualificações) de que Paulo Feliciano (PS), actual vice-presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), foi responsável quando era dirigente público e que fazem também parte do lote das competências que lhe estavam atribuídas na Quaternaire. Feliciano encontra-se agora de licença sem vencimento devido à sua nomeação para o IEFP, em Janeiro de 2016.

Os contratos em causa estão publicitados no portal Base, criado em 2009 para garantir mais transparência aos negócios efectuados pelo Estado. Um deles, no valor de 69 mil euros, foi posteriormente anulado por razões que serão explicitadas mais à frente. Quatro dos estudos adjudicados foram coordenados pelo próprio Paulo Feliciano, na sequência de contratos celebrados em 2014 e 2015.

Primeiro contrato ainda como vice

O primeiro contrato entre a então Agência Nacional para a Qualificação (ANQ) e a consultora data de Maio de 2011, quando Paulo Feliciano era ainda vice-presidente daquele instituto público, cargo que abandonou apenas no final desse mês para voltar à Quaternaire. A ANQ, que era responsável por uma das bandeiras dos governos de José Sócrates, o programa Nova Oportunidades, era então presidido pelo sociólogo Luís Capucha.

O contrato celebrado, no valor de 69 mil euros, destinava-se à elaboração de um estudo de avaliação do impacto dos Cursos de Educação e Formação no Sistema Nacional de Qualificações. Acabou por ser revogado em 2014, por acordo entre as duas partes, numa altura em que a ANQ já tinha sido rebaptizada como ANQEP por decisão do anterior governo PSD/CDS, que também já substituíra, ainda em 2011, Luís Capucha por Gonçalo Xufre (PSD) na presidência da agência, cargo em que este ainda se mantém.

Sobre o contrato de 2011, Luís Capucha refere que não se “lembra do caso em concreto” porque foi “há tanto tempo e no meio de tantas outras adjudicações”, mas garante que quando adjudicou trabalhos tomou “sempre em consideração a competência de quem os iria realizar, como constitui, de resto, obrigação procedimental formal”. “Não percebo porque haveria a Quaternaire, cujas competências na área são amplamente reconhecidas, ser excluída”, comentou.

Quanto a Paulo Feliciano, Capucha indica que “não podia adivinhar que viria a abandonar [o cargo de vice-presidente] da ANQ algum tempo depois de iniciado o processo que uma adjudicação requer”. “Só me informou que ia sair em cima da altura” em que abandonou funções, acrescenta.

O contrato com a Quaternaire foi assinado a 30 de Maio de 2011. Paulo Feliciano confirma que esteve em funções na agência até 31 de Maio desse ano, mas garante que não teve “qualquer intervenção” naquele processo de contratação e que a administração da consultora não o integrou na equipa responsável pelo desenvolvimento do estudo.

Sobre as razões que o levaram a abandonar a ANQ, refere que em Maio de 2011 já “era expectável que se daria início a um novo ciclo político e que as apostas estratégicas no domínio da educação e formação conduzidas até então pela agência seriam postas em causa”. O que veio a acontecer, nomeadamente em relação ao programa Novas Oportunidades, com a formação do governo PSD/CDS na sequência da vitória nas eleições de Junho de 2011.

“Em função da avaliação que então fiz, pareceu-me que não faria sentido dar início a esse novo ciclo”, especifica Paulo Feliciano. Não foi, aliás, a primeira vez que regressou à consultora depois de ter exercido funções públicas. Já tinha acontecido em 2002, depois de ter sido assessor do secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional no governo de António Guterres, cargo que voltou a ocupar entre 2005 e 2007 já no executivo de José Sócrates, e do qual saiu para ser vice-presidente da ANQ.

Um revogado, dois assinados

E o que aconteceu então ao estudo que a ANQ encomendou em 2011 à Quaternaire? Gonçalo Xufre afirma que só soube dele em finais de 2012, quando lhe foi entregue um “primeiro relatório de progresso do trabalho desenvolvido”. Nesta altura, acrescenta, aquele estudo já “não se revestia de particular importância para a ANQEP porque o Ministério da Educação e Ciência, na sequência da mudança de governo, esteve em pleno processo interno de avaliação de todas as modalidades de educação e formação”. Por outro lado, refere, “o prazo estipulado e contratado para a realização do estudo [180 dias] já tinha sido ultrapassado”.

Face à insistência, por parte da Quaternaire, de que lhe fossem pagos 17 mil euros pelo trabalho entretanto desenvolvido, Xufre ameaçou a consultora com um pedido de indemnização por incumprimento dos prazos estipulados. Isto aconteceu em 2012, não tendo havido então mais contactos entre as duas entidades até ao início de 2014, diz Xufre.

Durante este tempo, o presidente da ANQEP conheceu pessoalmente Paulo Feliciano. Segundo Xufre, tal aconteceu durante o ano de 2013 quando o consultor “estava a realizar um estudo para o Observatório do QREN [Quadro de Referência Estratégica Nacional] sobre a avaliação das medidas de combate ao abandono escolar”. “Recebi posteriormente da parte do director do Departamento Técnico e de outros colegas na ANQEP as melhores referências profissionais sobre as suas competências”, esclarece Xufre.

Em Março de 2014, a ANQEP e a Quaternaire chegaram a acordo para revogar o contrato celebrado três anos antes. “Como a nenhuma das partes interessava manter abertas as posições de conflito, decidimos, através de mútuo acordo, considerar o contrato revogado e entender assim que, por um lado, a ANQEP não devida nada à Quaternaire e, por outro, esta não exigiria nenhum tipo de indemnização” à consultora, diz o presidente da agência.

Alguns meses depois, a ANQEP celebrava outros dois contratos com a Quaternaire, um datado de Setembro de 2014, no valor de 20 mil euros, para a elaboração de um referencial de competências para o professor/formador do ensino profissional”, e outro, assinado em Outubro do mesmo ano, orçado em 60.280 euros, para pôr de pé o Sistema de Antecipação de Necessidades de Qualificação (SANQ), com vista a adequar a rede de oferta dos cursos profissionais às necessidades do mercado de trabalho.

Questionado pelo PÚBLICO, Feliciano diz que “não existe qualquer tipo de incompatibilidade” neste processo. “Os trabalhos referidos foram adjudicados à Quaternaire mais de três anos após eu ter deixado as minhas funções na ANQ, tendo integrado, a par de um conjunto de outros colegas, as equipas responsáveis pelo desenvolvimento desses trabalhos”, explicita.

Os que vieram a seguir

Quantos às razões que levaram a ANQEP a escolher aquela consultora, Xufre refere que, na falta de recursos internos, foi a que apresentou a melhor proposta, tanto no que respeita ao preço, como aos prazos de elaboração do estudo, que tinham de cumprir a agenda estipulada no memorando de entendimento da troika. A consultora propôs-se realizar este estudo em seis meses, com um preço de 60 mil euros. A outra empresa contactada antes, a TecMinho, pedia um prazo de 38 meses e um custo de 150 mil euros, acrescenta Xufre.

O presidente da ANQEP elogia também a “metodologia” apresentada pela Quaternaire, já que esta “garantia a flexibilidade de construção que permitia o envolvimento de todos os stakeholders do sistema nacional de qualificação, sendo esta, na opinião da ANQEP, uma condição necessária para a construção do SANQ”.

O SANQ, que é uma espécie de jóia da coroa da ANQEP, foi apresentado publicamente em Março de 2015. Antes disso, e porque o sistema previa a realização de diagnósticos sobre a adequação da rede de formação às necessidades regionais do mercado de trabalho, foi apresentado a todas as Comunidades Intermunicipais (CIM) num conjunto de reuniões em que Gonçalo Xufre se fez acompanhar por Paulo Feliciano.

Das 12 CIM que têm actualmente este diagnóstico, sete acabaram por adjudicar a sua elaboração à Quaternaire. Estes contratos fazem parte do lote, no valor de 400 mil euros, atribuído à consultora por via da colaboração entre esta e a ANQEP.

Artigo Publicado no Jornal Public

 

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