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Zeca Afonso, o professor que não usava gravata e estava do lado dos alunos

24-02-2017 - Joana Carvalho Reis

Foi músico, poeta, nome da revolução. Mas foi também professor. Quando passam 30 anos da morte de Zeca Afonso, a TSF ouviu dois antigos alunos que falam de um professor que era diferente dos outros.

José Afonso foi colocado como professor provisório na Escola Industrial e Comercial de Faro (agora Escola Tomás Cabreira) em 1958. Depois de um ano em Alcobaça, voltou em 1960 e ali ficou por mais quatro anos a dar aulas de Português e Francês.

Adérito Melro tinha na altura 13 anos. Foi aluno do Zeca em 1963 e lembra-se bem daquele professor que era diferente; que não usava fato cinzento ou azul escuro nem sequer gravata. Essa vinha sempre guardada num bolso, para quando era chamado ao gabinete do director.

Nas aulas conversava muito com os alunos. Ouvia os desabafos, as queixas sobre as outras disciplinas, falava sobre bola e sobre outras coisas do dia-a-dia. Adérito lembra-se dos dias de inverno, em que nas aulas Zeca lamentava a sorte dos pescadores. Na altura, com 13 anos, não tinha consciência plena do que estava a ser dito, mas hoje consegue ver nessas conversas o sentimento de injustiça e de desigualdade - não eram os donos das traineiras que preocupavam o Zeca quando não se podia pescar; eram os pescadores, que não tinham como alimentar os filhos.

E depois havia a música. A pretexto do ensino do Francês, Zeca permita aos alunos ouvir na sala os discos de Charles Aznavour, Françoise Hardy ou Gilbert Bécaud, os cantores da moda da altura.

Anos antes, em 1960, também José Pontes foi aluno de Zeca Afonso na Escola de Faro, mas no curso nocturno de Aperfeiçoamento do Comércio. As aulas, lembra José, não tinham mais de 30 minutos. A conversa ocupava grande do tempo e depois Zeca fazia questão de esperar pelo último aluno que saía do trabalho a correr para chegar a tempo à escola.

Numa dessas aulas, o professor perguntou se havia ali alguém que soubesse escrever bem à máquina. Precisava de acabar a tese de licenciatura do curso de Histórico-Filosóficas, que tinha começado em Coimbra em 1949.

Mais tarde, Zeca havia de contar a José Salvador (o autor de "José Afonso - O Rosto da Utopia") que só voltou a dedicar-se à tese porque a determinada altura encontrou o Monteiro, o antigo colega professor, que lhe disse que já era hora de fechar esse capítulo. Zeca respondeu que lhe faltava "o lapisito". O Monteiro ofereceu-lhe um lápis pequeno... e acabaram-se as desculpas.

Já em Faro, foi José Pontes que aceitou bater à máquina a tese de final de curso do Zeca: "Implicações Substancialistas da Filosofia Sartriana". O Pontes nunca tinha ouvido falar de Sartre, mas dedicou-se ao trabalho. Durante duas semanas, uma hora por dia, depois das 17h, Zeca Afonso ia até à Caixa Agrícola, onde José Pontes estava empregado. Ele ditava; o Pontes escrevia.

Mais de 50 anos depois, desafiado pelo vizinho e amigo Luís Andrade, José Pontes foi à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. E reencontrou a tese, datilografada por ele.

Das memórias que José Pontes guarda do professor Zeca Afonso, está um jantar do final do curso onde o ouviu cantar "Menino d'Oiro" e de uma excursão pelo Algarve.

Há um outro episódio que José Pontes não esquece - uma cerimónia com uma figura do Estado perto do Governo Civil de Faro. Zeca apareceu mais tarde, de t-shirt preta, calções e canas de pesca. E recebeu os aplausos dos alunos.

Fonte: TSF

 

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