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“O ENREDO DE SALTEADORES ORGANIZADOS"

24-02-2017 - Micael Pereira

Este artigo originalmente foi publicado no Semanário Expresso pelo Micael Pereira

Tudo o que se sabe sobre a ‘Operação Marquês’ a poucas semanas de terminar a investigação. As personagens, o enredo, os pormenores... Agora, começa a construção da narrativa

Nas aulas de física experimental, onde todas as teorias têm de ser provadas, existe um princípio que se tornou popular pela força e pela clareza da sua formulação. É conhecido como o princípio KISS — Keep It Simple, Stupid.

Embora o acrónimo tenha sido inventado apenas na década de 60 (por um engenheiro americano que concebeu o mítico Blackbird, o mais rápido avião de espionagem da história militar), ele assenta numa abordagem científica que existe desde pelo menos os tempos de Arquimedes na Grécia Antiga e essa abordagem mantém-se válida para a maioria das coisas no mundo à escala humana, incluindo o mundo do crime: tudo o que acontece tem uma causa.

Durante muito tempo, o problema da investigação da ‘Operação Marquês’, sobre as suspeitas de José Sócrates ter sido corrompido quando ocupava o cargo de primeiro-ministro no palácio de São Bento, estava na incerteza sobre a causa. Subornado por causa de quê? O que tinha dado em troca? Qual foi o seu pecado original?

Quando foi detido, em novembro de 2014, para passar de seguida quase dez meses em prisão preventiva numa cela da cadeia de Évora, reservada a polícias, magistrados e políticos, havia provas abundantes do uso indiscriminado de dinheiro por parte de Sócrates, muito para lá do razoável, centenas de milhares de euros postos à sua disposição ao longo do tempo por um amigo próximo, Carlos Santos Silva, incluindo envelopes regulares de dinheiro passados discretamente pelo motorista, mas o motivo último para o ex-primeiro-ministro estar a beneficiar desses montantes de forma livre e despreocupada parecia não ter consistência suficiente. Essa sempre foi a linha da defesa pública do antigo líder do PS. Sim, eram amigos e um emprestou dinheiro ao outro, e daí?

Como se veio a ver pelos sucessivos desdobramentos do inquérito conduzido pelo DCIAP, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, o que era óbvio quando Sócrates foi detido rapidamente deixou de o ser. E a incerteza instalou-se. Mas tudo mudou nas últimas semanas.

O que aconteceu de tão importante assim? Com o novo depoimento no inquérito-crime dado há quatro semanas por Hélder Bataglia, o homem que foi durante mais de 20 anos uma espécie de lança em África do Grupo Espírito Santo, o arco da narrativa do crime atingiu o seu clímax e aproxima-se agora de um desenlace.

Havia uma tese em crescendo desde a primavera do ano passado cujo nó se desfez a 5 de janeiro, com o interrogatório complementar de Bataglia em Lisboa, depois de o empresário ter mantido um silêncio cirúrgico sobre apenas uma parte dos factos na vez em que foi questionado em Luanda, em abril de 2016, pelas autoridades locais.

O círculo fechou-se e as peças encaixam. Passou a ser muito provável uma acusação contra não apenas Sócrates e outras pessoas implicadas, mas também contra o mais recente arguido do caso: o ex-banqueiro Ricardo Salgado, chamado para um primeiro interrogatório na semana passada. Está na fase final de construção a história do maior caso de corrupção descoberto em Portugal.

O maior banqueiro português corrompeu, alegadamente, o titular do cargo político executivo de maior relevo do país. Para o Ministério Público, houve 12 milhões de euros pagos por Salgado a Sócrates, através de Bataglia e de Carlos Santos Silva, o alegado testa de ferro do ex-primeiro-ministro.

Mas vamos por partes.

Para que dê numa condenação em tribunal, o crime de corrupção exige uma narrativa linear. De acordo com a versão da lei de 2001, que é aquela que aparentemente mais importa reter para o que está em jogo na ‘Operação Marquês’, tendo em conta que as situações suspeitas ocorreram antes da definição dos crimes cometidos no exercício de funções públicas ter sido alterada em setembro de 2010, a narrativa tem de incluir elementos básicos obrigatórios.

Tem de haver um titular de um cargo político a “solicitar ou aceitar”, “por si ou interposta pessoa” e “para si ou para terceiros”, vantagens “patrimoniais ou não patrimoniais” de outro alguém, a troco de o beneficiar com “qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo”.

É entre estas balizas que, judicialmente, a narrativa tem de ser encontrada e provada, sendo que a ordem cronológica não é relevante. À luz do que diz a lei, tanto faz se o pagamento aconteceu primeiro ou depois do “ato ou omissão”, desde que haja uma sequência lógica de eventos e indícios fortes de que esses ingredientes constam da narrativa.

A 5 de janeiro, Hélder Bataglia contou o seguinte ao Ministério Público: algures entre 2007 e 2008, numa data que disse não se recordar com precisão, Ricardo Salgado chamou-o para lhe pedir um favor.

Queria usar uma das contas do luso-angolano na UBS para fazer chegar 12 milhões de euros a Carlos Santos Silva. Bataglia concordou, pedindo em troca que o banqueiro acrescentasse um extra de três milhões como prémio para si próprio por ter obtido anos antes a licença bancária para o BES Angola. E assim chegou-se a 15 milhões de euros.

Os 12 milhões de euros que deviam ir parar a Santos Silva saíram de uma conta no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, que estava em nome da Espírito Santo Enterprises, uma companhia offshore incorporada nas Ilhas Virgens Britânicas, em 1993, e que foi sendo alegadamente usada ao longo dos anos pelo núcleo duro de Ricardo Salgado para fazer pagamentos não reportados nos relatórios do GES. E que por isso passou a ser considerada como um saco azul do grupo.

O dinheiro entrou numa conta na UBS, também na Suíça, titulada pela companhia offshore Markwell International, de que Bataglia era beneficiário, sendo escalonado em três tranches de cinco milhões de euros cada. A primeira em abril de 2008, a terceira em junho de 2008 e a última em maio de 2009.

Já com o dinheiro do lado de Bataglia, a entrega dos 12 milhões de euros a Carlos Santos Silva foi repartida por seis transferências que saíram não só da conta da Markwell International mas também da conta na UBS da Monkway Finance, outra offshore do empresário luso-angolano.

 

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